2004/11/30

ENSEMBLE CONTRECHAMPS INTERPRETA HOLLIGER


Heinz Holliger, tal como nos diz na entrevista, tem uma especial predilecção pela voz humana.

Puneigä, para percussão, ensemble e soprano são Dez Lieder sobre poemas de Anna Maria Bacher, constituindo uma interessante e conseguida obra em que Holliger dá asas à sua capacidade criativa sob inspiração da poesia de Bacher que é de uma beleza digna de servir de fonte a criadores de génio. Uma obra da fase criativa actual de Holliger absolutamente distânciada de qualquer vestígio serializante, numa interpretação exímia do grupo suiço sob direcção do autor que o público ovacionou longamente pois (pre) sentiu que é uma criação maior de um vulto grande da arte contemporânea.
O mesmo se passou com Romancendres obra para violoncelo e piano apresentada pelo mesmo ensemble no dia 30 e inspirada nas partituras de Schumann que Clara queimou para o proteger de acusações de loucura pelos académicos e críticos de serviço. Das partituras nem as cinzas restaram. Alguns melómanos mais exaltados não se cansaram de gritar bravos. Merecidos. AST















2004/11/26

HEINZ HOLLIGER DIRIGE CRIAÇÕES SUAS


O histórico oboísta, compositor e maestro veio a Portugal apresentar obras de sua autoria inseridas em concertos com repertório "clássico".
Dirigiu a Sinfonia nº44 de Haydn da qual apresentou uma genial leitura que conquistou totalmente a orquestra que teve uma das melhores prestações de sempre neste repertório. O maestro demonstrou uma concepção estéticamente consistente do que deve ser o movimento polifónico em obras que exigem não só uma clara compreenção das estruturas mas também uma especial intuição que transforme as suas leituras em interpretações acima do estéticamente desejável que varia de época para época de acordo com padrões histórico-culturais, tal como as modas. Uma orquestra de câmara convencional pode ter interpretações deslumbrantes de obras da época clássica quando tutelada por músicos de génio. Há que dizer que os violinos necessitam de trabalhar mais os movimentos lentos onde houve desafinações que não passaram desapercebidas.
Também na Sinfonia "incompleta" de Schubert o director conseguiu uma performance que transcende as interpretações que vulgarmente esta orquestra nos consegue oferecer, caracterizada por um elevado dramatismo potenciado por uma "grande poética". Os metais estiveram excelentes, nomeadamente as trompas. No dia 26 uma delas quebrou o "élan" schubertiano com uma desafinação que no momento em que aconteceu foi "rasgante". As madeiras estiveram ao nível da excelência dos metais com uma afinação perfeita.

A seguir à memorável interpretação da sinfonia de Haydn, Holliger ofereceu-nos duas das suas obras: Drei Liebselieder e Zwei Lieder genéricamente designados como dois ciclos sobre poemas de Georg Trakl, com a interpretação da "mezzo" Cornelia Kalisch.

No primeiro ciclo Holliger trabalha uma escrita serializada que por vezes nos lembrou o Boulez de "Pli selon Pli". Por outro lado o movimento da voz nas texturas médias originou que em determinado momento ficasse totalmente ocultada pela orquestra.

A escrita para voz coloca frequentemente o compositor perante um dilema: ou se serializa (mesmo que não formalmente) e isso é fácilmente perceptível, ou se utiliza um tipo de fraseado que pode remeter para um universo modal (ou mesmo tonal), o que pode ser ainda menos desejável. Frequentemente os compositores optam por conceber as partes vocais numa semiologia serializante onde os saltos (que tanto incomodam os cantores) acabam por ser inevitáveis, mantendo na orquestra um registo de notas sustentadas e repetições em forma de "ostinatos" que de resto foi utilizado pelos "serialistas duros" para combater a monotonia de uma linguagem caracterizada por uma diversificação em permanência.
No segundo ciclo de peças o compositor utiliza uma linguagem não serializada fundada exatamente em notas sustentadas e na criação de "paisagens sonoras" que conseguiram ampliar o dramatismo que a escrita vocal exprimiu, onde elementos repetitivos na parte orquestral imprimiram um crescendo de tensão que foi gerida de forma eficaz sempre na órbita da vocalização que foi neste segundo ciclo o condutor de todo o fluxo sonoro. AST

2004/11/23

ORQUESTRA DA ÓPERA DE BERLIM INTERPRETA WAGNER


Sob direcção de Christian Thielemann foi-nos dado a ouvir o primeiro acto de A Valquiria e o último de O Crepúsculo dos Deuses.

Stephen Gould (Siegmund), Susan Anthony (Sieglinde) e Jyrki Korhonen (Hunding) foram as vozes solistas do Acto I de A Valquíria, revelando o primeiro alguma falta de folgo para o papel. No entanto há que dizer que Gould é um excelente tenor e o papel de Siegmund, como de outros actores wagnerianos, tem algo de inhumano não sendo por acaso que grande parte dos cantores se dispensa de cantar o compositor alemão. Daí o aparecimento das vozes/mitos que nos remetem par uma suposta "idade do ouro" na interpretação das óperas de Wagner. Evidentemente que na actualidade em que os cantores são vedetas (e por vezes péssimos músicos...) não aceitam ser trabalhados como se de um instrumento se tratassem, pois é assim que Wagner trata as vozes, tornando-se cada vez mais dificil encontrar-se grandes cantores wagnerianos como acontecia no passado. Talvez por isso Thielemann vai continuar até ao próximo festival de Beyreuth a dar voltas ao mundo com esta e outras orquestras (apesar de estar demissionário desta supostamente por questões orçamentais irá evidentemente continuar a trabalhar com ela como maestro convidado) a testar cantores para os papeis da tetralogia.


Com a Emolação de Brunnhilde que é último acto de todo o ciclo, o concerto acabou em explendor máximo com uma impresionante interpretação de Gabriele Schnaut no papel da protagonista. Esta cantora que é um dos arquétipos daquilo que poderemos designar como "cantora wagneriana" proporcionou ao público português momentos extraordinários de "puro Wagner" que não sabemos quando voltarão a acontecer em Portugal. Seguramente que será uma das grandes protagonistas de Beyreuth.


A direcção de Thielmann que nunca tinha escutado nem em disco nem em concerto é de um "autêntico germanista" que controla absolutamente todo e qualquer pormenor, inclusivé o canto que já acima foi foi dito que é tratado por Wagner como um mais instrumento. De facto estamos perante um grande chefe de orquestra, talvez o melhor da actualidade (apesar de jovem) em Wagner. Se se gosta ou simplesmente se quer ouvir aquele compositor não se pode ficar indiferente ás interpretações deste Thielemann.


As orquestras alemãs primam todas elas por extraordinárias prestações. Uma orquestra de uma ópera principal é como seria de esperar "la créme de la créme", apesar da juventude dos seus elementos (claro que há menos jovens). Se tivermos em conta que é talvez a melhor orquestra do mundo (com a orquestra da Staatsoper) para a interpretação das óperas de Wagner, podemos dizer que os portugueses tiveram portanto a tripla chance de ouvirem uma orquestra fora de série com um maestro de "essência" wagneriana e uma das cantoras-paradigma na actualidade para o compositor. AST



ENTREVISTA COM FRANZISKA GORILL, DO NAIPE DOS PRIMEIROS VIOLINOS DA ORQUESTRA DA ÓPERA DE BERLIN


ÁLVARO TEIXEIRA - Há uma grande presença de compositores alemães no vosso repertório?


FRANZISKA GORILL - Sim, sobretudo de Wagner e Strauss. Mas também tocamos outros. Italianos, por exemplo.


JORGE DOS REIS - Mas quando estão em tournné?


FG - Com Thielemann tocamos especialmente Wagner até porque também o tocamos em Beyreuth.


JDR - Quando estão na Alemanha tocam especialmente Wagner?


FG - Quando estamos em Berlim tocamos todo o repertório mas o Thielemann gosta muito do Wagner...


JDR - Já vejo... Já vejo...


AT - E tocam música contemporânea?


FG - Por vezes...


AT - Há três anos, se bem me lembro, eu estava em Berlim e a temporada da vossa ópera começou com Luigi Nono...


FG - Ha! É verdade! É verdade! Também tocamos, este não é muito contemporâneo, Messiaen. Ás vezes tocamos música moderna.


AT - A programação das orquestras alemãs obedece a padrões mais ou menos rígidos e previsíveis ou há cada vez mais uma abertura à inovação e a compositores não alemães?


FG - Sim é claro que cada vez mais tocamos compsitores estrangeiros.


JDR - Que compositores é que têm tocado entre os mais actuais?


FG - Tocamos bastante compositores russos. Muito frequentemente Schnitke.


CRISTINA FERNANDES - Quantas produções anuais faz em média a vossa companhia de ópera?


FG - Cinco ou seis... Pode ser mais. O problema é o dinheiro.


AT - Qual é o maestro que prefere?


FG - Hum... Depende das peças.


AT - Para o Wagner por exemplo.


FG - Para Wagner o Thielemann. Tem uma condução forte.


AT - E Barenboim?

(risos)

FC - Quando era estudante trabalhei sob direcção dele em Berlin na outra ópera e gostei muito.


AT - E qual é a melhor orquestra?

(risos)

FC - Não são assim tão diferentes. Muitos músico transitaram de uma para outra.


AT - Creio que neste momento há uma "guerra" entre as duas companhias de ópera... Parece que o Thielemann disse algo muito mau do Barenboim... Não sei o quê exatamente.


FC - Creio que não é verdade.

(risos)

FC - É um problema de dinheiro porque nós não somos tão bem pagos como os da outra orquestra. Os jovens não vêm para a nossa orquestra porque ganham menos. Mas o nível artístico é o mesmo.


AT - Quanto é o seu ordenado?

(gargalhadas)


FC - Não me lembro.


AT - É uma pergunta a sério.


FC - Bruto é cerca de quatro mil euros.


AT - E o da outra orquestra?


FC - É mais. Não sei quanto mais. Talvez mil ou dois mil euros.


AT - Não é muito mais...


(mais gargalhadas)


JDR - Olha que dois mil euros são quatrocentos contos...


AT - Talvez a guerra seja de formas de estar na música por parte dos dois directores das óperas de Berlim. Este Thielemann é muito diferente do Barenboim...


FC - É verdade. Mas a nossa orquestra trabalhou com muitos mais directores e o Thielemann é mais um dos que trabalhou conosco.


AT - Pensa que o Thielemann está na tradição do Karajan?


FC - É muito jovem para ser comparado. Mas os seus tempos são bastante lentos, como os do Karajan.


JDR - Muito sensitivo também...


AT - O Thielemann parece-me ser muito preciso ao nivel dos tempi. É verdade?


FC - Sim.


AT - Ele até dirige os cantores...

(risos e gargalhadas)


FC - Sim, sim...


AT - Mas... A vossa orquestra não toca, por exemplo Mahler?


FC - Sim, claro. Com os maestros convidados.


AT - Mas não com o Thielemann.


JDR - Com ele quando vão ao estrangeiro só tocam música de compositores alemães?


FC - Sim. Mas ele não continua conosco. Vai deixar a orquestra.


JDR - Então neste momento não têm director?


FC - Na realidade não.


AT - Que director deseja que vá dirigir a vossa orquestra?

(risos e longa reflexão)

FC - Semyon Bychkov. É um maestro russo que está em Köln.


AT - Entre os compositores contemporâneos que conhece quais são os que prefere?


FC - Os que conheço ou os que eu gosto?


AT - Quais os que gosta de tocar. Eu não conheço muitos compositores contemporâneos alemães...


FC - Eu também não...


AT - Conheço muitas orquestras alemãs e são todas excelentes. Mas ao nível de compositores e pianistas...


JDR - Você é violinista. O que pensa do Helikopter Quartet de Stockhausen?


FC - Não conheço.

(risos e gargalhadas)


JDR - São quatro helicópetros e cada um é um executante...

(mais gargalhadas)

JDR - Muitos intelectuais alemães queixam-se que o Stockhausen recebe demasiado dinheiro do estado!


FC - Não sei de nada.

(risos)

AT - O que é que os músicos profissionais pensam do Stockhausen?


FC - É estranho e não dá prazer tocar a música dele.
















2004/11/22

MIDORI E ROBERT McDONALD EM LISBOA


Foi no dia 20 e (talvez por ser fim de semana?) o grande auditório da Gulbenkian não estava cheio o que é de espantar porque o público português gosta de vedetas e Midori é uma das violinistas mais famosas e populares da actualidade. Ou será que só gostam de cantoras?!

Musicalmente o recital de Midori foi de uma riqueza muito maior que o que qualquer soprano que deslize para as árias de ópera, tão do agrado do "grande público", nos poderá alguma vez oferecer...


Indo directo ao "osso": Midori é uma intérprete sensivel mas possui um som agreste nos agudos. Midori é uma intérprete inteligente mas por vezes "esmaga" as escalas como aconteceu com a fabulosa sonata para violino e piano de Debussy. Midori é uma intérprete que não se fecha num repertório pré-estabelecido mas a peça que encomendou a Michael Hersch é "longa e chata como a espada de D. Afonso Henriques" (claro que a culpa da falta de "rasgos" do compositor não é da violinista). Midori é uma intérprete arrebatada mas a sua interpretação da sonata para violino e piano op. 108 nº3 quando comparada com outras interpretações sejam as de um "grande" como Itzhak Perlman, seja com as de outra "vedeta" como Vengerov, empalidece por falta de balanceamento e ausência de um som "quente" que faça justiça ao romantismo "brahmsiano".

E o resto?

O resto foi o melhor pois a sonata de Leo Janácek que é uma grande obra de um grande compositor foi interpretada de forma musical e convincente. Só por isso valeu a ida à Gulbenkian.


Que balanço fazer de uma violinista que vive da imagem criada por uma editora? Midori talvez não seja uma violinista que vá marcar uma geração. No entanto possui uma excelente técnica que lhe pode facilitar a construção de uma sonoridade que a individualize. A sonoridade que Midori actualmente consegue não é "um grande som". Nos instrumentos de corda é o som que caracteriza um intérprete. Evidentemente que o fraseado e a capacidade analítica materializada de maneira inteligente e musical nas leituras que faz são fundamentais e aqui Midori marca pontos, apesar de não ser a intérprete "clara" que eu gostaria de escutar. Pontos estes que são acrescidos de outros pela fabulosa escolha do repertório que oferece aos seus públicos. Mas é o "som" que singulariza e que pode tornar único um intérprete de cordas. Um som que vai directamente do coração para os dedos... E é isso que em meu entender Midori ainda não alcançou.
Quanto a McDonald é um excelente pianista acompanhador que muito contribuiu para a grande qualidade deste recital. AST















2004/11/17

UM ESTILO SEM CLAREZA MAS MUITO TEATRO


Dimitri Baskirov apresentou-se na Gulbenkian em Lisboa interpretando Haydn, Beethoven, Liszt e Debussy.

Em Haydn não o podemos acusar de falta de clareza na interpretação global, no entanto por várias vezes esmagou as sequências de escalas no desenvolvimento da sonata.

Apresentar em concerto a "Sonata ao Luar" de Beethoven é um acto de coragem. A falta de fidelidade às indicações da partitura não é em si grave quando assenta numa concepção singular e inspirada da obra. No início do primeiro andamento Beethoven é muito claro ao indicar que é um pianíssimo sem surdina. O pedal de sustentação só aparece na primeira sequência de arpejos ascendentes que não possuem qualquer indicação de "ralentando" ou de mudança de andamento. Aliás é pela manutenção da pulsação que se vai criar um progressivo efeito de tensão através de crescendos e da utilização do pedal. Baskirov praticou uma redução do andamento que anulou aquele aumento progressivo de tensão magistralmente concebido pelo compositor. Além disso usou surdina o tempo todo e serviu-se do pedal para criar um efeito "legatto" que tem de ser feito utilizando uma grande técnica de ligação das notas exclusivamente pela dedilhação e o "touché", tudo em dinâmicas de "piano". No terceiro movimento, os arpejos ascendentes iniciais que re-aparecem modulados ao longo de todo o andamento foram executados de forma plana e pouco clara. Arriscou e o público gostou mas a sua interpretação pode ser um exemplo daquilo que não se deve fazer nesta sonata.

Quanto ao Debussy o pianista primou quer pela falta de clareza quer por uma interpretação aos "solavancos" que não conseguiu transmitir-nos o universo de constelações sonoras, de nuances e "colorações" que fazem a magia desta música.

O que ficaram foram as imagens de um pianista cheio de gesticulações e performances corporais que consegue transmitir convicção a uma interpretação muito, muito longe mesmo de ser grandiosa. AST















2004/11/14

MÚSICA NA UNIVERSIDADE


Com elevado sucesso concluiu a série de concertos da Orquestra Sinfónica Portuguesa levados a cabo pela Reitoria da Universidade Nova de Lisboa no auditório do "campus" desta universidade portuguesa.


Interessante foi verificar que o público aplaudia entre os movimentos das obras o que revela a existência de um novo público rendido à música clássica. Só por isso esta iniciativa valeu a pena. Interessante foi o aumento progressivo de público que se pôde verificar do primeiro ao último concerto.


Quanto ao desempenho da sinfónica já dele escrevi um pouco mais abaixo. No entanto seria injusto não acrescentar que a metade da orquestra (a orquestra dividiu-se em duas dado tratar-se de obras para orquestra de câmara) que realizou o concerto que classifiquei de inapresentável teve um desempenho condigno no último (sábado 13) com pequenas falhas que o trabalho e uma direcção eficaz poderão suprir. Parabéns portanto aos músicos e ao maestro pelo trabalho realizado durante a semana que separou os dois concertos.



E quanto ao futuro destes "concertos na universidade"?

Já dei a minha opinião à reitoria sobre o caminho que em meu entender deverá seguir: a Escola Superior de Música de Lisboa é na actualidade um viveiro de talentos tanto ao nível instrumental quanto ao nível da criação musical. É com esta e outras instituições (entre as quais evidentemente a Orquestra Sinfónica Portuguesa) que a reitoria deverá trabalhar para darmos oportunidade aos novos talentos de se apresentarem aos colegas da academia que constituem sempre um público interessado e receptivo. Devo dizer que dia 10 assisti a uma apresentação no Teatro São Luiz de peças de estudantes de composição da ESML interpretadas por estudantes instrumentistas da mesma escola e fiquei muito positivamente impressionado. É com estes que o país pode e deve contar para um desenvolvimento substâncial da sua actividade criativa. Há que os dar a conhecer ao público e neste aspecto a Reitoria da Universidade Nova de Lisboa pode e deve assumir um papel de destaque. Seguramente que os estudantes e as Associações de Estudantes estarão de acordo que uma parte das propinas que pagam seja destinada a esta causa nobre. AST
















2004/11/12

OS CD'S DE 2004


Foi uma escolha arbitrária (porque exclusivamente pessoal) evidente e incontornável (desculpem a modéstia). Como esta página não existia em 2003 incluo uma re-edição daquele ano. O editor.









REGISTO DO ANO




GEORGE FREDERIC HANDEL




SERSE

Ópera em três actos



Anne Sofie von Otter, mezzo-soprano

Elizabeth Norber-Schulz, soprano

Sandrine Piau, soprano

Lawrence Zazzo, contratenor

Silvia Tro Santafé, mezzo-soprano

Giovanni Furlanetto, baixo

Antonio Abete, barítono



LES ARTS FLORISSANTS

Côro e orquestra

WILLIAM CHRISTIE, direcção


Gravada ao vivo em Novembro de 2003 no Teatro dos Campos Eliseos


Virgin Classics


Preço: cerca de 25 euros









EDIÇÃO DO ANO


Já referi noutros locais este estojo de seis cd's. Trata-se de um monumento à música, à arte do piano, à genialidade e ao compositor. São interpretações paradigmáticas que transcendem tudo sobre o que normalmente se escreve.






BEETHOVEN

Concertos para piano

Sonatas para piano op. 26, 31/1, 10/2, 79, 81a, 90, 13, 27/2, e 57



EMIL GILELS, piano




Gravações ao vivo editadas pela Brilliant Classics sob o título "Historic Russian Archives".


Preço: entre 18 e 23 euros.










RE-EDIÇÃO 2004




BÉLA BARTÓK


Obras Orquestrais




Orquestra do Simfónica do Estado Húngaro

Gerhard Hetzel, violino

Adam Fischer, direcção




Excelentes interpretações-referência para obras de interesse musical, criativo e orquestral supremo. Indispensável para todos os amantes da "grande música". Cinco cd's da Brilliant Classics. 15 euros. Um pouco mais em Lisboa, claro está...










RE-EDIÇÃO 2003




PASCAL DUSAPIN


extenso

apex


la melancholia






Orquestra Nacional de Lyon


Emmanuel Krivine


David Robertson





Uma re-edição discos Montaigne, 2003.


Preço: cerca de 12 euros.


Dusapin é um dos criadores mais interessantes e inspirados da actualidade. Estas interpretações fazem plena justiça à grandeza destas criações que emanam de uma estética singular que se aparta de "neos", "post" e revivalismos sem substância. Um dos paradigmas da arte contemporânea.
















2004/11/09

RENÉ JACOBS CONCERTO KÖLN E RIAS KAMMERCHOR INTERPRETAM HÄNDEL


Estes históricos e geniais agrupamentos sob direcção do fabuloso René Jacobs ofereceram-nos uma visão paradigmática do oratório Saul hwv 53 de Georg Friederich Händel. Foi segunda (dia 8) na Fundação Gulbenkian e será com toda a certeza um dos grandes eventos da presente temporada.

Pouco haverá que dizer para além de dar notícia de um acontecimento artístico de primeirissimo plano mundial. No entanto não posso deixar de referir a excelente afinação das cordas e dos metais, sabendo-se a dificuldade técnica inerentes a estes instrumentos de cordas de tripa e aos trompetes naturais onde tudo é feito sobre as fundamentais e respectivos harmónicos dada a ausência de pistões. Tenho que assinalar a brilhantíssima e paradigmática prestação do côro. Daquele excelente côro de 30 elementos que nos ofereceu algumas das páginas mais avassaladoras deste oratório. Não posso esquecer os delicados solos da harpa, os seus fraseados, a sua inspiração. Nem a excelente prestação do "continuum" se bem que o organista estivesse ligeiramente melhor nas outras teclas que própriamente no orgão positivo. A direcção de Jacobs foi como sempre inspirada, musical e inteligente. Os solistas estiveram à altura dos dois agrupamentos: uma Merab (Emma Bell) com uma coloração dramática numa voz potente e sustentada, um Jonathan (Jeremy Ovenden) com um belíssimo timbre claro numa voz bem colocada, um Michal (Rosemary Joshua) dotado de timbre delicado e transparente, um David (Lawrence Zazzo) irónico com dinâmicas invulgarmente potentes para um contra-tenor, um Sumo Sarcedote sardónico incarnado pelo tenor Michael Slattery e finalmente um Saul portentoso se bem que os registos grave e agudo da tessitura do baixo Gidon Saks me parecessem um pouco débeis. No entanto nas tessituras médias é um cantor dotado de uma grande voz bem projectada.

Um recital fora de série por intérpretes de excelência dirigidos pelo grande René Jacobs.


ENTREVISTA-RELÂMPAGO COM RENÉ JACOBS

Foi à saída. Estavamos em amena cavaqueira quando apareceu o músico e a companheira com a qual já tinha conversado alguns momentos antes. Amáveis, simpáticos, com a simplicidade própria dos grandes acercaram-se do nosso grupo que imediatamente os rodeou. Como eles partiriam hoje (9/10/04)) ao final da manhã e como teria alguma dificuldade em deslocar-me ao hotel a uma hora viável para uma "entrevista formal", tive um "flash" e disse que iria fazer a pretendida entrevista ali mesmo. Não me levaram a sério...


Álvaro Teixeira: Foi o senhor que deu a conhecer ao mundo La Giudita do português Francisco António de Almeida com o registo que realizou para a Harmonia Mundi.


René Jacobs: É verdade...


AT: Como encontrou as partituras daquele oratório?


RJ: Não me lembro. Vieram-me parar ás mãos...


AT: Francisco António de Almeida é um grande compositor?


RJ: Sem dúvida. Melhor do que muitos outros mais tocados... Acho que todas as suas obras deveriam ser apresentadas com regularidade.
Olhe: gostaria muito de fazer essa (referia-se a La Spinalba cujo nome se encontrava à vista numas fotocópias nas mãos de um dos presentes).


AT: Não faz música contemporânea?


RJ: Já cantei mas nunca dirigi.


AT: Porquê? Não gosta?


RJ: Gosto. Não posso é fazer tudo.



(risos)

2004/11/08

DUAS OBRAS DOIS CONCERTOS E DOIS "BALLETS"



Foram no auditório do edifício central do "campus" da Universidade Nova, ali mesmo ao lado da Praça de Espanha e foi a Orquestra Sinfónica Portuguesa sob direcção de Donato Renzetti que executou duas obras originais e quatro sinfonias clássicas.

Das duas obras originais, bem interpretadas pelo agrupamento sob batuta de Renzetti, diria que se uma ( do compositor Luis Tinoco)prima pelo "pastiche" neo-clássico de efeitos orquestrais eficazes mas de pouco conteúdo musical, a outra (de António Pinho Vargas) segue uma linha de instrospecção mas segura-se numa estruturação simplista cujo resultado sonoro não nos faz vibrar mas também não nos causa enfado. Mais que não seja pela sua brevíssima duração... É uma obra agradável de se ouvir que deixa transparecer uma veia poética pessoal já revelada em obras anteriores.


Quanto ás Sinfonias creio que no dia 5 a orquestra se esqueceu de ensaiar... Sobretudo a sinfonia nº 101 de Haydn que estava simplesmente inapresentável.

Já no dia 6 as coisas foram melhor apesar de estragadas pelas persistentes desafinações dos violinos no "andante con moto" e no "menuetto" da sinfonia nº 39 de Mozart. A flauta e os clarinetes estiveram muito bem.


A casa estava cheia no dia 6 (sábado) o que demonstra que esta iniciativa conjunta do Teatro S. Carlos com a Universidade Nova de Lisboa deve manter-se e adquirir um carácter regular. E deverá ser feita divulgação destes eventos em todas as faculdades da UN (e não só), coisa que não me parece ter acontecido desta vez.


Um pouco mais tarde acontecia a apresentação do Ballet Gulbenkian. Atrasados lá chegamos a tempo de ver grande parte da coreografia de Didy Veldman e assistir à de Clara Andermatt.


Da primeira diria que quando os meios técnicos ao dispôr e os orçamentos são quase ilimitados e quando se não é um criador de excepção resulta, quase por regra, algo empobrecido ao nivel de conteúdos. Está claro que efeitos de espectacularidade sempre cativaram o "grande público". Eu pessoalmente aproveitaria as três lentes de distorção para fazer toda a obra pois muito haveria a explorar e a desenvolver com aqueles três objectos e os corpos dos bailarinos. Mas não: Veldman abandonou e partiu para outro quadro sem que se sentisse uma necessidade estética ou discursiva para essa opção.

Já da coreografia de Andermatt direi que conseguiu trabalhar os corpos numa continuidade da qual se percebia a fluência, utilizando simplesmente aqueles corpos técnicamente quase perfeitos como objectos de moldagem, de expressão e de composição. Um trabalho de grande interesse por uma companhia de grande nível artístico. AST















2004/11/03

BISNETO DO IRMÃO DE VAN GOGH ASSASSINADO


O realizador Theo van Gogh foi assassinado a tiros e facadas por individuo com dupla nacionalidade marroquino-holandesa. Theo era crítico da situação das mulheres nas sociedades muçulmanas. Uma das suas imagens de marca são as costas chicoteadas de uma mulher pintadas com versículos do Corão que dizem: "um homem pode tomar uma mulher, ordenado por Deus, quando e onde quiser"!!!

O assassinato do realizador faz-nos lembrar o de Pym Fortuyn e leva-nos a questionar a viabilidade da "sociedade-multicultural" ou então a concluir que essa sociedade não pode ser aberta a todos. É sempre bom recordar-nos de Karl Popper quando escreveu que a "sociedade aberta" tem de saber defender-se eficazmente dos seus inimigos. Há que ser prudente e não confundir povos pacíficos com psicopatas violentos embrulhados em textos que dizem sagrados. E muito menos aproveitar um elan securitário para aumentar as injustiças já existentes nomeadamente em relação aos "povos originários" das américas, injustiças estas que não podem manter-se indefinidamente. Prudência, justiça e elevada eficácia no combate ao crime não são incompatíveis. Mas uma coisa parece evidente: a "sociedade aberta" não pode continuar a abrir-se áqueles que a querem destruir.


Nota: Não sou nem anti-islâmico nem anti-católico. Sou anti-inimigos da verdadeira sociedade multicultural e da democracia e tenho o maior respeito pela cultura muçulmana. Ao mesmo tempo sou pela defesa da "sociedade plural" contra aqueles que pretendem o regresso à "idade das trevas", ao fanatismo religioso ou/e político, ao obscurantismo. Portugal ainda vive os "efeitos secundários" de séculos de intolerância política e de homogeneização religiosa. Talvez muitos se esquecessem e outros nem sequer saibam que um padre católico, o Padre Max, foi brutalmente assassinado à bomba numa aldeia não longe do Marco de Canavezes e muito perto de Vila Real. Infamemente assassinado por leccionar aulas gratuítas aos assalariados do Douro e ter ousado opôr-se aos poderes da região. Foi nos anos 80 e o processo foi arquivado. Não foi no século passado. Foi no Portugal de ontem que deu origem ao Portugal de hoje.
Não sabemos quando Portugal se transformará numa verdadeira "sociedade aberta", mental e intelectualmente desenvolvida e verdadeiramente democrática na sua "essência". Não sabemos sequer se isso acontecerá. Pelo que conheço da formação e educação ao nivel do ensino básico posso constatar que uma sociedade culturalmente bem sustentada, capaz de seleccionar informação de forma inteligente, cognitivamente estruturada com capacidade de escuta e respeito pela singularidade de cada um, capaz de desempenhos intelectuais com um mínimo de complexidade, com capacidade crítica mas capaz de um trabalho metódico e disciplinado, trata-se em Portugal de uma longínqua, muito longínqua, miragem. Não sei como será nos outros países do sul mas a fazer fé nas estatísticas o caso português parece ser muito grave e a não se alterar condicionar a "Europa" a tomar medidas excepcionais. Ast















2004/11/02

CORONATION ANTHEMS DE HAENDEL POR SIR DAVID WILLCOCKS




Eis uma edição da Columns por cerca de 4 (quatro) euros que pode ser já considerada "a referência" para esta obra. Uma referência tardia pois esta gravação data de 1996 assim como o respectivo "copright" sendo pouco compreensível a chegada a Portugal quase 10 anos depois. Será que só dez anos depois se deixou pôr em causa os tradicionais cd's a 20 euros?! Ou será para manter o atraso médio da chegada da informação a este país (não falemos de formação pois aí o panorama é bem mais dramático...)?
Seja como fôr a data da licença da Amsterdam Classics para a Columns Classics é esse ano de 1996.


Sir David Willcocks dirige dois agrupamentos fabulosos: a Dutch Baroque Orchestra e o Stadsknapenkoor Elburg.


Esta obra para côro e orquestra foi apresentada na Abadia de Westminster em 15 de Outobro de 1727 na coroação de George II. No entanto a crítica no Norwich Gazette data de 14 de Outobro e refere-se ao ensaio geral o que demonstra que na Inglaterra setecentista havia maior liberdade de circulação e informação que no Portugal de hoje. Aconselho-vos a irem aos primeiros arquivos deste "blog". Hão-de perceber. Por enquanto não me apetece ser mais explícito.


Voltando ao que nos interessa pois histórias à portuguesa não são história, Sir David Willcocks é um daqueles músicos a quem já não interessa o dinheiro. Por isso gravou este registo-referência para a Columns, mais uma etiqueta que nos traz os ares libertadores da Europa protestante que Max Weber opunha à Europa católica, obscurantista e atrasada.
A Holanda desencadeou este fenómeno irreversível das edições a preços não especulativos contra toda a indústria discográfica instalada e músicos paradigmáticos imediatamente a ele aderiram. Os grandes músicos ficam e fazem a história. O dinheiro produz imagens que tragiversam a história mas diluem-se na primeira confrontação com obras determinadas pela genialidade. Sempre foi assim, mesmo antes do "império da imagem". Sempre será. Aqui está um universal! AST