GÉRARD CAUSSÉ INTERPRETA PASCAL DUSAPIN
Pascal Dusapin é um dos compositores mais interessantes da actualidade. Infelizmente em Portugal não teremos outra oportunidade para escutar obras suas, pelo menos na temporada Gulbenkian. Por isso foi de absoluta pertinência a decisão do violetista Gérard Caussé de executar a peça de Dusapin antes do intervalo e não no início do recital, tal como estava previsto no programa geral.
Gérard Caussé é um excelente violetista e um músico com grande inteligência. A interpretação que fez da obra de Dusapin (e do resto do programa) revelou isso mesmo. A obra está dividida em duas secções. A primeira parte da primeira secção gira em torno de notas pedais à volta e a partir das quais disparam figurações à maneira de ornamentos. Esta secção termina com uma frase que deixa o movimento em suspenso. A segunda secção é fundada em sucessões de acordes de duas notas, utilizando a surdina e em que se exploram as dinâmicas extremas dos pianíssimos que Caussé trabalha com a maestria própria de um grande intérprete. A secção acaba com uma frase suspensa tal como a anterior. Trata-se de uma obra bem construída e sobretudo de uma obra com musicalidade, dentro de uma estética que tem singularizado e imposto Dusapin como um criador de primeiro plano mundial.
O resto do recital foi preenchido com obras de Schumann, Schubert, Paul Hindemith e Brahms. Excusado será dizer que a casa estava a bastante menos de metade. O pessoal quer é divas. Mas talvez necessitem é de divã... De divã de psicanalista evidentemente!
Nota: Curiosamente parece que feri susceptibilidades com a maneira como finalizei esta "crítica". Estejam tranquilos: já Freud dizia que somos todos neuróticos. Vou-vos deixar uma curiosa frase de Lacan (em cujas "linhagens" eu me integro) que aparece algures no Seminário XI: o amor é persuadir "al otro de que tiene lo que puede completarnos". Sosseguem portanto. A vossa devoção ás "divas" é um acto de amor. E os agentes e editores sabem muito bem como nos persuadir que elas têm aquilo que pode completar a nossa estrutural incompletude. Mas não é assim tão linear. Lacan separa o plano do amor e o do "objecto a" (o objecto do desejo). É tendo em conta esta dissociação que o processo analítico (determinada maneira de conduzir o processo analítico) se revela como a única forma de aceder ao "verdadeiro eu" que não é únicamente o eu que deseja mas também o eu que goza de uma maneira singular. Do ponto de vista clínico, o conceito de semblante introduzido por Lacan marcou uma rotura fundamental na técnica analítica. Muito curiosamente a rotura institucional nada teve a ver com questões de "essência" como a aplicação deste conceito na análise, mas com a problemática da durabilidade variável das sessões analíticas. Foi isto que formalmente levou à expulsão de Lacan da IPA e à imediata divisão do movimento psicanalítico internacional, coisa que de qualquer das maneiras teria de acontecer devido não só à profunda divergência teórica e prática entre as duas metodologias analíticas mas especialmente ás atitudes prepotentes e excluentes por parte da referida IPA. Actualmente existem a tal IPA (Associação Internacional de Psicanálise, que se diz "100% freudiana" mas cujo presidente é adepto do cognitivismo norte-americano!!!), a AMP (Associação Mundial de Psicanálise, www.wapol.org que agrega no seu seio várias escolas e associações, entre as quais a EOL, www.eol.org.ar) que é o rosto institucional da vertente lacaniana dirigida por Alain-Miller, o genro de Lacan e a Associação Lacaniana Internacional ( www.freud-lacan.com ). Existem outras organizações internacionais de psicanálise que não referi aqui. Entre os lacanianos existem várias tendências. Lacan variou algumas vezes de "paradigma fundamental" empenhado na busca do "regulador essencial" da "condição humana", nunca fechando a porta à possibilidade de novas descobertas ou aprofundamentos conceptuais. Os "100% freudianos" (...) aparentemente primam pelo seu monolitismo calibrado por uma suposta fé nas "verdades fundamentais" descobertas por Freud... Um dia, na minha página (psicanalises.blogspot.com) irei escrever sobre a questão do semblante que ocupa o lugar eternamente vazio do objecto a. AST
2004/10/26
2004/10/24
AS GRAVAÇÕES DE MAURICE OHANA PARA A ERATO
É um estojo de quatro cd's re-editados pela Erato que custa um pouco mais de 20 euros sendo um conjunto fundamental para todos os que querem conhecer a música produzida no século passado.
Maurice Ohana é uma figura absolutamente singular entre os criadores do século XX. Independente e adverso à "escola bouleziana", imediatamente se juntou com outros compositores seus contemporâneos para tentar resistir à ditadura e ao poder institucional de Boulez e seus seguidores. Foi assim que surgiu o grupo Zodíaco.
O interesse desta colecção é que trespassa as várias fases de Ohana que são todas elas reveladoras de um imenso criador que é um marco fundamental não só na história da música contemporânea como de toda a história da música e da cultura.
As notas são de Caroline Rae, uma estudiosa da obra do compositor. Indispensável. AST
É um estojo de quatro cd's re-editados pela Erato que custa um pouco mais de 20 euros sendo um conjunto fundamental para todos os que querem conhecer a música produzida no século passado.
Maurice Ohana é uma figura absolutamente singular entre os criadores do século XX. Independente e adverso à "escola bouleziana", imediatamente se juntou com outros compositores seus contemporâneos para tentar resistir à ditadura e ao poder institucional de Boulez e seus seguidores. Foi assim que surgiu o grupo Zodíaco.
O interesse desta colecção é que trespassa as várias fases de Ohana que são todas elas reveladoras de um imenso criador que é um marco fundamental não só na história da música contemporânea como de toda a história da música e da cultura.
As notas são de Caroline Rae, uma estudiosa da obra do compositor. Indispensável. AST
BEETHOVEN POR KISSIN
O pianista russo veio a Lisboa fazer a integral dos concertos de Beethoven para piano acompanhado pela Orquestra Gulbenkian dirigida pelo actual maestro titular, Lawrence Foster.
Que dizer dos três primeiros concertos para piano uma vez que falhei os dois últimos?
Que Kissin é um talento já o sabiamos. Mas que as suas leituras primam pelo bizantinismo, isso foi novo. Um Beethoven percutido e acentuações que contrariam a partitura são coisas que podem funcionar pela diferença se existe uma concepção bem estruturada subjacente. Não me pareceu que Kissin tenha uma metafísica própria, ou outra qualquer, suportando as suas interpretações. Por isso o modelo russo (e universal...) para estes concertos continua a ser o grande Gilels frente ao qual Kissin não passa de uma vedeta famosa. Kissin tem talento e uma grande técnica. Mas isso não basta para o afirmar como um dos paradigmas em Beethoven.
Nota: Há pelo menos duas possibilidades de gravações da integral destes concertos por Emil Gilels. A primeira já a referi numa das selecções de cd's que tenho colocado nesta página. Trata-se de uma compilação da Brilliant Classics que contém os concertos para piano de Beethoven gravados ao vivo em 1976 com a Orquestra Sinfónica do Estado da URSS sob direcção de Kurt Masur. Para mim esta integral é genial e dificilmente ultrapassável. O estojo de seis cd's, cujo preço pode variar entre 18 e 22 euros, contém várias sonatas para piano do compositor entre as quais a Hammerklavier, sendo Gilels considerado depois de décadas o "intérprete" desta obra. Existem pequenos problemas pontuais na nitidez das gravações mas a monumentalidade destas interpretações compensa as esporádicas moléstias de uma gravação ao vivo na URSS do anos 70 que apesar de tudo me parece bastante boa.
Outra possibilidade é um estojo da Emi-France (não chegou a Portugal) que contém a totalidade de obras para piano e violino com orquestra de Beethoven. A orquestra é a da Sociedade de Concertos do Conservatório de Paris (os registos foram feitos entre 1954 e 1954) e os primeiros concertos sob direcção de André Vandernoot têm uma pendente excessivamente romântica que não me agrada de todo. Além disso no concerto op 15 há um engano de montagem. Em vez do primeiro movimento deste concerto aparece o do op 19!!! De resto o som é mau apesar de serem gravações de estúdio.
No entanto a versão do concerto op 58 (nº4) acompanhado pela Philarmonia Orchestra sob direcção de Leopold Ludwig é por muitos considerada a "grande referência". AST
O pianista russo veio a Lisboa fazer a integral dos concertos de Beethoven para piano acompanhado pela Orquestra Gulbenkian dirigida pelo actual maestro titular, Lawrence Foster.
Que dizer dos três primeiros concertos para piano uma vez que falhei os dois últimos?
Que Kissin é um talento já o sabiamos. Mas que as suas leituras primam pelo bizantinismo, isso foi novo. Um Beethoven percutido e acentuações que contrariam a partitura são coisas que podem funcionar pela diferença se existe uma concepção bem estruturada subjacente. Não me pareceu que Kissin tenha uma metafísica própria, ou outra qualquer, suportando as suas interpretações. Por isso o modelo russo (e universal...) para estes concertos continua a ser o grande Gilels frente ao qual Kissin não passa de uma vedeta famosa. Kissin tem talento e uma grande técnica. Mas isso não basta para o afirmar como um dos paradigmas em Beethoven.
Nota: Há pelo menos duas possibilidades de gravações da integral destes concertos por Emil Gilels. A primeira já a referi numa das selecções de cd's que tenho colocado nesta página. Trata-se de uma compilação da Brilliant Classics que contém os concertos para piano de Beethoven gravados ao vivo em 1976 com a Orquestra Sinfónica do Estado da URSS sob direcção de Kurt Masur. Para mim esta integral é genial e dificilmente ultrapassável. O estojo de seis cd's, cujo preço pode variar entre 18 e 22 euros, contém várias sonatas para piano do compositor entre as quais a Hammerklavier, sendo Gilels considerado depois de décadas o "intérprete" desta obra. Existem pequenos problemas pontuais na nitidez das gravações mas a monumentalidade destas interpretações compensa as esporádicas moléstias de uma gravação ao vivo na URSS do anos 70 que apesar de tudo me parece bastante boa.
Outra possibilidade é um estojo da Emi-France (não chegou a Portugal) que contém a totalidade de obras para piano e violino com orquestra de Beethoven. A orquestra é a da Sociedade de Concertos do Conservatório de Paris (os registos foram feitos entre 1954 e 1954) e os primeiros concertos sob direcção de André Vandernoot têm uma pendente excessivamente romântica que não me agrada de todo. Além disso no concerto op 15 há um engano de montagem. Em vez do primeiro movimento deste concerto aparece o do op 19!!! De resto o som é mau apesar de serem gravações de estúdio.
No entanto a versão do concerto op 58 (nº4) acompanhado pela Philarmonia Orchestra sob direcção de Leopold Ludwig é por muitos considerada a "grande referência". AST
2004/10/20
SINFONIAS DE LUTOSLAWSKI
As Sinfonias 3 e 4 de Witold Lutoslawski foram gravadas pela Los Angeles Philharmonic para a Sony em 1985 e 1993 respectivamente, sob direcção de Esa-Pekka Salonen. A última sinfonia foi uma encomenda desta orquestra, estreada nesse mesmo ano de 1993 sob direcção do compositor.
São os registos de Salonen que agora estão disponiveis em formato económico por cerca de 7 euros na Sony Classical. Devo dizer que também tenho o registo da terceira sinfonia sob direcção do autor e que prefiro o de Salonen.
Lutoslawski apesar de viver no antigo "bloco de leste" estudou as "técnicas ocidentais" e soube sempre preservar a sua individualidade criativa, ainda que acusado por uns de conservador e por outros de "elitista". Inteligentemente soube desenvolver a sua própria escrita servindo-se da enorme conhecimento das tradições da música ocidental e de alguma maneira dos estudos de matemática que desenvolveu na Universidade de Varsóvia. No que a este aspecto diz respeito há que sublinhar que os conhecimentos matemáticos não tiveram proeminência no seu pensamento composicional, ao contrário do que aconteceu com um Xenakis e com Boulez em que a matemática direccionou o pensamento musical, ainda que eles afirmem que só se serviram da matemática para atingir o resultado musical que já tinham em mente... Apesar de tudo, entre estes dois compositores situados em pólos estéticos e conceptuais diferentes, Xenakis parece-me mais criativo na forma como transpõe técnicas matemáticas da arquitectura para a música. Pierre Boulez desenvolve um pensamento rigorosamente serial.
Lutoslawski manteve um pensamento estruturante de ordem musical e por isso vemos (ouvimos) um trabalho onde essencialmente entram em jogo motivos e temas, o que lhe valeu a tal acusação de conservadorismo.
Estamos em presença de um grande músico e de um grande talento criativo. Por isso todos os rótulos são excrecências vindas nomeadamente das bandas de determinada ideologia estética que dificilmente evitará o colapso e provavelmente o seu desaparecimento da "grande história" a médio prazo. É interessante verificar que já hoje compositores como Boulez não figuram de alguns tratados de análise de música do século vinte. É a reacção mais que previsivel ao totalitarismo de Boulez e dos seus seguidores que destruiram e destroem carreiras daqueles que não seguiam ou seguem os seus pressupostos técnico-estéticos. De resto a música desta escola é toda muito parecida... O melhor é mesmo ouvir-se o "mestre" (Boulez).
A 4ª Sinfonia de Lutoslawski é mais "conservadora" que a 3ª. Há uma afirmação clara e inequivoca do material temático como fundamento do "modus operandi", coisa que na 3ª (que foi uma encomenda da Chicago Symphony Orquestra, então tutelada por George Solti que dirigiu a estreia da obra) também acontecia mas ficava na penumbra devido ao tipo de escrita que se esquivava à direccionalização pela função temática. Na 4ª há uma viragem para uma escrita mais clássica o que traz à luz o papel estruturante dos temas.
Melhor que qualquer proposta analítica é a audição das duas sinfonias que vêm acompanhadas por outra obra prima: "Les Espaces du sommeil" para orquestra e baritono, obra composta em 1975 e estreada em 1978 pela Filarmónica de Berlim e o histórico Fischer-Dieskau dirigidos pelo compositor. AST
As Sinfonias 3 e 4 de Witold Lutoslawski foram gravadas pela Los Angeles Philharmonic para a Sony em 1985 e 1993 respectivamente, sob direcção de Esa-Pekka Salonen. A última sinfonia foi uma encomenda desta orquestra, estreada nesse mesmo ano de 1993 sob direcção do compositor.
São os registos de Salonen que agora estão disponiveis em formato económico por cerca de 7 euros na Sony Classical. Devo dizer que também tenho o registo da terceira sinfonia sob direcção do autor e que prefiro o de Salonen.
Lutoslawski apesar de viver no antigo "bloco de leste" estudou as "técnicas ocidentais" e soube sempre preservar a sua individualidade criativa, ainda que acusado por uns de conservador e por outros de "elitista". Inteligentemente soube desenvolver a sua própria escrita servindo-se da enorme conhecimento das tradições da música ocidental e de alguma maneira dos estudos de matemática que desenvolveu na Universidade de Varsóvia. No que a este aspecto diz respeito há que sublinhar que os conhecimentos matemáticos não tiveram proeminência no seu pensamento composicional, ao contrário do que aconteceu com um Xenakis e com Boulez em que a matemática direccionou o pensamento musical, ainda que eles afirmem que só se serviram da matemática para atingir o resultado musical que já tinham em mente... Apesar de tudo, entre estes dois compositores situados em pólos estéticos e conceptuais diferentes, Xenakis parece-me mais criativo na forma como transpõe técnicas matemáticas da arquitectura para a música. Pierre Boulez desenvolve um pensamento rigorosamente serial.
Lutoslawski manteve um pensamento estruturante de ordem musical e por isso vemos (ouvimos) um trabalho onde essencialmente entram em jogo motivos e temas, o que lhe valeu a tal acusação de conservadorismo.
Estamos em presença de um grande músico e de um grande talento criativo. Por isso todos os rótulos são excrecências vindas nomeadamente das bandas de determinada ideologia estética que dificilmente evitará o colapso e provavelmente o seu desaparecimento da "grande história" a médio prazo. É interessante verificar que já hoje compositores como Boulez não figuram de alguns tratados de análise de música do século vinte. É a reacção mais que previsivel ao totalitarismo de Boulez e dos seus seguidores que destruiram e destroem carreiras daqueles que não seguiam ou seguem os seus pressupostos técnico-estéticos. De resto a música desta escola é toda muito parecida... O melhor é mesmo ouvir-se o "mestre" (Boulez).
A 4ª Sinfonia de Lutoslawski é mais "conservadora" que a 3ª. Há uma afirmação clara e inequivoca do material temático como fundamento do "modus operandi", coisa que na 3ª (que foi uma encomenda da Chicago Symphony Orquestra, então tutelada por George Solti que dirigiu a estreia da obra) também acontecia mas ficava na penumbra devido ao tipo de escrita que se esquivava à direccionalização pela função temática. Na 4ª há uma viragem para uma escrita mais clássica o que traz à luz o papel estruturante dos temas.
Melhor que qualquer proposta analítica é a audição das duas sinfonias que vêm acompanhadas por outra obra prima: "Les Espaces du sommeil" para orquestra e baritono, obra composta em 1975 e estreada em 1978 pela Filarmónica de Berlim e o histórico Fischer-Dieskau dirigidos pelo compositor. AST
2004/10/19
UM RECITAL EXCELENTE A MEIA SALA
O Quarteto Vermeer apresentou-se na Gulbenkian poucos dias após a sala abarrotar com uma cantora mediática produzida por uma grande editora e amplificada pelos media que mais não fazem que reproduzir desmesuradamente a imagem que a etiqueta e os agentes vendem.
Como um quarteto de cordas não tem e dispensa todo este aquele aparato de produção de semblante, o público que ocorre procura música e felizmente encontra-a.
O recital dos Vermeer foi um recital de elevado nível e conteúdo musical que o público quase histérico que aplaudiu a famosa soprano não teve, exceptuando as aberturas de óperas executadas pela orquestra que funcionaram como momentos de repouso para a diva. Evidentemente que os quartetos de cordas foram escritos para pequenas salas e consequentemente para pequenos públicos. Inteligente premonição dos compositores...
No que respeita à actuação dos Vermeer é possivel falar-se de música e de estilo e dizer-se que poderia ser mais assim ou assado. Poderia dizer-se por exemplo que os pianíssimos que constam na partitura do Mendelssohn não foram executados e que a paleta dinâmica foi bastante contida. Poderia avançar-se com a ideia de uma interpretação racionalista do romântico Mendelssohn. Pessoalmente gostei do conceito que os Vermeer defenderam. O mesmo não pensou a violinista de uma orquestra em conversa de final de concerto que frisou exatamente aquela ausência dos pianíssimos que constam na partitura acrescentando que são de muito difícil execução. Tal como a violinista, achei o Quarteto de cordas de Carl Czerny (exatamente: aquele dos exercícios para piano) uma obra muito interessante, muito bem escrita e a interpretação que os Vermeer nos ofereceram paradigmática.
Do Quarteto nº8 D112 de Schubert com que o recital começou não posso dizer que me sentisse especialmente "galvanizado" mas o nível global da execução foi bom.
Quanto ao encore que foi o andamento final do quarteto "Sunrise" de Haydn, tenho de dizer claramente que prefiro as interpretações dos Festetics, dos Lindsay ou dos Mosaiques. Mas devo acrescentar que se tratam de agrupamentos que se dedicam fundamentalmente ao classicismo e tocam em instrumentos da época, excepto os Lindsay que tocam (genialmente) todo o repertório para quarteto de cordas.
Básicamente tivemos um recital de grande nível com a casa por metade. O que não deixa de ter as suas vantagens. Multidões à procura do suposto sublime provocam-me náuseas. Sobretudo quando falam e comentam (ostensivamente) fazendo-se passar por "especialistas" do género... AST
O Quarteto Vermeer apresentou-se na Gulbenkian poucos dias após a sala abarrotar com uma cantora mediática produzida por uma grande editora e amplificada pelos media que mais não fazem que reproduzir desmesuradamente a imagem que a etiqueta e os agentes vendem.
Como um quarteto de cordas não tem e dispensa todo este aquele aparato de produção de semblante, o público que ocorre procura música e felizmente encontra-a.
O recital dos Vermeer foi um recital de elevado nível e conteúdo musical que o público quase histérico que aplaudiu a famosa soprano não teve, exceptuando as aberturas de óperas executadas pela orquestra que funcionaram como momentos de repouso para a diva. Evidentemente que os quartetos de cordas foram escritos para pequenas salas e consequentemente para pequenos públicos. Inteligente premonição dos compositores...
No que respeita à actuação dos Vermeer é possivel falar-se de música e de estilo e dizer-se que poderia ser mais assim ou assado. Poderia dizer-se por exemplo que os pianíssimos que constam na partitura do Mendelssohn não foram executados e que a paleta dinâmica foi bastante contida. Poderia avançar-se com a ideia de uma interpretação racionalista do romântico Mendelssohn. Pessoalmente gostei do conceito que os Vermeer defenderam. O mesmo não pensou a violinista de uma orquestra em conversa de final de concerto que frisou exatamente aquela ausência dos pianíssimos que constam na partitura acrescentando que são de muito difícil execução. Tal como a violinista, achei o Quarteto de cordas de Carl Czerny (exatamente: aquele dos exercícios para piano) uma obra muito interessante, muito bem escrita e a interpretação que os Vermeer nos ofereceram paradigmática.
Do Quarteto nº8 D112 de Schubert com que o recital começou não posso dizer que me sentisse especialmente "galvanizado" mas o nível global da execução foi bom.
Quanto ao encore que foi o andamento final do quarteto "Sunrise" de Haydn, tenho de dizer claramente que prefiro as interpretações dos Festetics, dos Lindsay ou dos Mosaiques. Mas devo acrescentar que se tratam de agrupamentos que se dedicam fundamentalmente ao classicismo e tocam em instrumentos da época, excepto os Lindsay que tocam (genialmente) todo o repertório para quarteto de cordas.
Básicamente tivemos um recital de grande nível com a casa por metade. O que não deixa de ter as suas vantagens. Multidões à procura do suposto sublime provocam-me náuseas. Sobretudo quando falam e comentam (ostensivamente) fazendo-se passar por "especialistas" do género... AST
2004/10/18
WILHELM FRIEDEMANN BACH: obras para cravo por Christophe Rousset
Sobre Wilhelm Friedemann paira o espectro de ter espoliado os manuscritos paternos. Wilhelm faz parte daquele rol de artistas que morreram na miséria. Não admira portanto que tivesse que vender ao desbarato as obras primas do pai para não morrer de fome...
Nos tempos que correm isto parece extraído de um livro de contos mas o próprio J.S. Bach para além de ter de compor com regularidade e ter de dirigir as suas obras (e tocá-las ao orgão e ao cravo) encarregava-se da conservação e limpeza dos instrumentos. Para alguns dos compositores contemporâneos que pensam sempre estar a fazer história em cada compasso que inventam, isto faz definitivamente parte das curiosidades só possiveis em "épocas bizarras".
A verdade é que Wilhelm Friedemann chegou a assinar composições suas como se de obras do pai se tratassem. Desta forma rendiam substancialmente mais...
E são as obras supostamente para cravo deste romanesco Wilhelm gravadas pelo discreto e talentoso Rousset para a Harmonia Mundi no longínquo ano de 1986 que nos chegam agora na colecção musique d'abord. Por cerca de sete euros.
As notas que acompanham o cd são do próprio Rousset o que torna qualquer outra análise dispensável. O que posso dizer é que este cd é um pequeno tesouro a preço de saldo pois tanto as obras como a interpretação são do melhor já feito em música antiga. As notas em três idiomas são uma lição tanto para o melómano como para o estudioso. E para os "críticos" também! AST
Sobre Wilhelm Friedemann paira o espectro de ter espoliado os manuscritos paternos. Wilhelm faz parte daquele rol de artistas que morreram na miséria. Não admira portanto que tivesse que vender ao desbarato as obras primas do pai para não morrer de fome...
Nos tempos que correm isto parece extraído de um livro de contos mas o próprio J.S. Bach para além de ter de compor com regularidade e ter de dirigir as suas obras (e tocá-las ao orgão e ao cravo) encarregava-se da conservação e limpeza dos instrumentos. Para alguns dos compositores contemporâneos que pensam sempre estar a fazer história em cada compasso que inventam, isto faz definitivamente parte das curiosidades só possiveis em "épocas bizarras".
A verdade é que Wilhelm Friedemann chegou a assinar composições suas como se de obras do pai se tratassem. Desta forma rendiam substancialmente mais...
E são as obras supostamente para cravo deste romanesco Wilhelm gravadas pelo discreto e talentoso Rousset para a Harmonia Mundi no longínquo ano de 1986 que nos chegam agora na colecção musique d'abord. Por cerca de sete euros.
As notas que acompanham o cd são do próprio Rousset o que torna qualquer outra análise dispensável. O que posso dizer é que este cd é um pequeno tesouro a preço de saldo pois tanto as obras como a interpretação são do melhor já feito em música antiga. As notas em três idiomas são uma lição tanto para o melómano como para o estudioso. E para os "críticos" também! AST
2004/10/17
RENÉE FLEMING EM LISBOA
Poderia ter sido no pavilhão atlântico ou no coliseu!
Um recital de colagens de "melodias de sempre".
Não eram mas soaram a tal, descontextualizadas das obras a que pertencem. É impressionante como se podem banalizar grandes obras reduzindo-as à miserável condição de "cantos de natal".
É também a diferença entre um grande músico e um músico que só é grande porque arrasta multidões e arrasta multidões porque tem uma Deutsche Grammophon a tratar-lhe da imagem.
É uma grande cantora?
Particularmente não acho mas muitos dizem que sim. Mas ser uma boa ou muito boa cantora não é sinónimo de ser uma grande artista. Os seus registos não farão história, ao contrário dos de outras sopranos que na actualidade até cobram "cachets" menores. É uma imoralidade (e uma má política): o cachet de Fleming daria para trazer dois ou três grandes músicos. Daqueles cujos registos serão as referências de amanhã. E de hoje... AST
Poderia ter sido no pavilhão atlântico ou no coliseu!
Um recital de colagens de "melodias de sempre".
Não eram mas soaram a tal, descontextualizadas das obras a que pertencem. É impressionante como se podem banalizar grandes obras reduzindo-as à miserável condição de "cantos de natal".
É também a diferença entre um grande músico e um músico que só é grande porque arrasta multidões e arrasta multidões porque tem uma Deutsche Grammophon a tratar-lhe da imagem.
É uma grande cantora?
Particularmente não acho mas muitos dizem que sim. Mas ser uma boa ou muito boa cantora não é sinónimo de ser uma grande artista. Os seus registos não farão história, ao contrário dos de outras sopranos que na actualidade até cobram "cachets" menores. É uma imoralidade (e uma má política): o cachet de Fleming daria para trazer dois ou três grandes músicos. Daqueles cujos registos serão as referências de amanhã. E de hoje... AST
2004/10/13
A INSUSTENTÁVEL AUSÊNCIA DE GENIALIDADE
Angela Hewit. Um recital que recomendei aos leitores a quem peço desde já desculpa pelo engodo. Quero recordar que escrevi que nunca ouvi esta pianista ao vivo. Excepto ontem...
Os bravos foram imensos, o que demonstra que o público (e não só...) é manipulável pela imagem (e o nome) que se lhe "vende".
De facto tratou-se do pior recital de piano de que tenho memória. De facto qualquer dos finalistas do Concurso Vianna da Motta que aconteceu este ano conseguiria fazer melhor que esta pianista sem sonoridade. Falta-lhe tudo: leque dinâmico, capacidade de crescendos sustentados, clareza interpretativa (excepto em Bach), concepção de forma inteligentemente materializada no resultado sonoro, "profundidade" interpretativa. Tudo o que ela fez foi fútil, quadrado e desprovido de "veia". Algo entre o banal e o "light".
O público delirou!
AST
Angela Hewit. Um recital que recomendei aos leitores a quem peço desde já desculpa pelo engodo. Quero recordar que escrevi que nunca ouvi esta pianista ao vivo. Excepto ontem...
Os bravos foram imensos, o que demonstra que o público (e não só...) é manipulável pela imagem (e o nome) que se lhe "vende".
De facto tratou-se do pior recital de piano de que tenho memória. De facto qualquer dos finalistas do Concurso Vianna da Motta que aconteceu este ano conseguiria fazer melhor que esta pianista sem sonoridade. Falta-lhe tudo: leque dinâmico, capacidade de crescendos sustentados, clareza interpretativa (excepto em Bach), concepção de forma inteligentemente materializada no resultado sonoro, "profundidade" interpretativa. Tudo o que ela fez foi fútil, quadrado e desprovido de "veia". Algo entre o banal e o "light".
O público delirou!
AST
2004/10/12
JEAN-JOSEPH CASSANÉA DE MONDONVILLE (1771-1772)
Compositor quase desconhecido não fossem Les Musiciens du Louvre dirigidos por Marc Minkowski gravarem para a Archiv Production da Deutsche Grammophon as "Six Sonates en Symphonies", op 3. Foi em 1998 mas só agora me chegaram ás mãos.
Tratam-se de obras plenas de uma musicalidade luminosa, aqui numa interpretação caracterizada por dinâmicas impressionantes e bem sustentadas por um fraseado fabuloso conseguido pelos excelentes músicos que integram esta formação. A concepção de Minkowski é de uma inteligencia eminentemente musical, conseguindo fazer destas obras preciosidades que emanam prazer e deslumbramento em cada escuta. Não sei se existe uma re-edição económica. AST
Compositor quase desconhecido não fossem Les Musiciens du Louvre dirigidos por Marc Minkowski gravarem para a Archiv Production da Deutsche Grammophon as "Six Sonates en Symphonies", op 3. Foi em 1998 mas só agora me chegaram ás mãos.
Tratam-se de obras plenas de uma musicalidade luminosa, aqui numa interpretação caracterizada por dinâmicas impressionantes e bem sustentadas por um fraseado fabuloso conseguido pelos excelentes músicos que integram esta formação. A concepção de Minkowski é de uma inteligencia eminentemente musical, conseguindo fazer destas obras preciosidades que emanam prazer e deslumbramento em cada escuta. Não sei se existe uma re-edição económica. AST
2004/10/08
UM GRANDE CONCERTO COM MICHA MAISKY
A temporada Gulbenkian abriu com um concerto de excelência. Excelência devido à presença do grande violoncelista que interpretou com o despojamento e a imensa musicalidade que o caracteriza a obra Schelomo, rapsódia hebraica para violoncelo e orquestra de Ernest Bloch e Kol Nidrei para violoncelo e orquestra de Max Bruch.
Anteriormente já tinhamos escutado a Sinfonia nº1 de Leonard Bernstein com Cynthia Jansen (mezzo-soprano) como solista e que foi uma grande performance da orquestra excelentemente dirigida por Lawrence Foster que mais uma vez demonstrou ser um director inspirado capaz de conduzir uma orquestra que tem tido altos e baixos ao seu melhor. Devo dizer que a sonoridade das cordas foi fabulosa, assim como o desempenho das madeiras notóriamente dos primeiros oboé e fagote. Há que dizer que a orquestra necessita de oito contrabaixos para este tipo de obras sinfónicas. O facto de só ter seis empobrece a sonoridade global.
A segunda sinfonia de Bernstein é uma obra estruturalmente pouco conseguida. No entanto a batuta de Foster foi capaz de nos dar uma interpretação interessante desta criação do compositor-pianista-pedagogo que também foi um grande maestro que deixou registos para a história.
Maisky, em conversa no intervalo, disse coisas que são curiosas: o intérprete é um mediador entre o compositor e o público, tese que não é nova mas que tem mais pertinência quando re-dita por um intérprete genial. A outra é bem mais fundamental: um muito bom intérprete não toca com os dedos mas com a inteligência. Um músico de genio já não interpreta com a inteligência mas com o coração.
A entrevista que não pôde ser feita porque apareci demasiado tarde ("estive cá três dias e você aparece agora no fim do concerto quando tenho de partir amanhã cedo?") foi de alguma maneira compensada por estas pequenas mas significativas "deixas". AST
A temporada Gulbenkian abriu com um concerto de excelência. Excelência devido à presença do grande violoncelista que interpretou com o despojamento e a imensa musicalidade que o caracteriza a obra Schelomo, rapsódia hebraica para violoncelo e orquestra de Ernest Bloch e Kol Nidrei para violoncelo e orquestra de Max Bruch.
Anteriormente já tinhamos escutado a Sinfonia nº1 de Leonard Bernstein com Cynthia Jansen (mezzo-soprano) como solista e que foi uma grande performance da orquestra excelentemente dirigida por Lawrence Foster que mais uma vez demonstrou ser um director inspirado capaz de conduzir uma orquestra que tem tido altos e baixos ao seu melhor. Devo dizer que a sonoridade das cordas foi fabulosa, assim como o desempenho das madeiras notóriamente dos primeiros oboé e fagote. Há que dizer que a orquestra necessita de oito contrabaixos para este tipo de obras sinfónicas. O facto de só ter seis empobrece a sonoridade global.
A segunda sinfonia de Bernstein é uma obra estruturalmente pouco conseguida. No entanto a batuta de Foster foi capaz de nos dar uma interpretação interessante desta criação do compositor-pianista-pedagogo que também foi um grande maestro que deixou registos para a história.
Maisky, em conversa no intervalo, disse coisas que são curiosas: o intérprete é um mediador entre o compositor e o público, tese que não é nova mas que tem mais pertinência quando re-dita por um intérprete genial. A outra é bem mais fundamental: um muito bom intérprete não toca com os dedos mas com a inteligência. Um músico de genio já não interpreta com a inteligência mas com o coração.
A entrevista que não pôde ser feita porque apareci demasiado tarde ("estive cá três dias e você aparece agora no fim do concerto quando tenho de partir amanhã cedo?") foi de alguma maneira compensada por estas pequenas mas significativas "deixas". AST
2004/10/02
JOHN O'DONNELL NO FESTIVAL DE ORGÃO
O organista que conseguiu encher totalmente a Sé de Lisboa decidiu oferecer um repertório inteiramente dedicado a Bach.
O Prelúdio e Fuga em Si menor bwv 528 pareceu-me padecer de uma interpretação uniforme com um fraseado linear que de alguma forma obscureceu as polifonias. Nem as opções de registos foram particularmente bem sucedidas. Não se poderá dizer foi uma interpretação empolgante...
O mesmo sucedeu na Sonata nº 4 em mi menor até ao "andante" onde a escolha dos registos foi luminosa (o efeito sonoro foi de requintado intimismo, de luminosidade espiritual, luminosidade por contraste), conseguindo um momento de grande poesia no interior desta peça, momento este que não teve consequências na linear monotonia que se seguiu. Tirando o "andante" também não posso dizer que me senti especialmente afectado por esta interpretação.
O grande momento da noite veio com o Prelúdio e Fuga em mi menor bwv 552. Aqui, tanto pela escolha dos registos como pela interpretação global, foi-nos oferecida uma leitura plena de musicalidade e arrebatação. Só por ela ficou justificada a ida à catedral.
Depois deste bela interpretação fiquei com pena de não ter assitido aos corais com prelúdio que antecederam esta última obra do programa. É que o enfado no final da sonata obrigou-me a ir respirar um pouco de ar fresco. AST
O organista que conseguiu encher totalmente a Sé de Lisboa decidiu oferecer um repertório inteiramente dedicado a Bach.
O Prelúdio e Fuga em Si menor bwv 528 pareceu-me padecer de uma interpretação uniforme com um fraseado linear que de alguma forma obscureceu as polifonias. Nem as opções de registos foram particularmente bem sucedidas. Não se poderá dizer foi uma interpretação empolgante...
O mesmo sucedeu na Sonata nº 4 em mi menor até ao "andante" onde a escolha dos registos foi luminosa (o efeito sonoro foi de requintado intimismo, de luminosidade espiritual, luminosidade por contraste), conseguindo um momento de grande poesia no interior desta peça, momento este que não teve consequências na linear monotonia que se seguiu. Tirando o "andante" também não posso dizer que me senti especialmente afectado por esta interpretação.
O grande momento da noite veio com o Prelúdio e Fuga em mi menor bwv 552. Aqui, tanto pela escolha dos registos como pela interpretação global, foi-nos oferecida uma leitura plena de musicalidade e arrebatação. Só por ela ficou justificada a ida à catedral.
Depois deste bela interpretação fiquei com pena de não ter assitido aos corais com prelúdio que antecederam esta última obra do programa. É que o enfado no final da sonata obrigou-me a ir respirar um pouco de ar fresco. AST
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