2004/04/05

UM BOM CONCERTO EM CONDIÇÕES LAMENTÁVEIS

Por Álvaro Teixeira

... o director falava com a orquestra referindo-se a «escândalo» e preconizando legatos mais acentuados.

... uma interpretação mais «ligada» poderia minimizar a «secura» da sala.

Em conversa com David Shallon (o maestro) este esclareceu-me que o «escândalo» era a acústica horrível da Sala Júlio Verne do Teatro Camões...

«Escândalo» era também a péssima organização e o barulho que durante o ensaio fizeram a focar as luzes, acabando por ser os músicos da orquestra a mandar calar os funcionários. Este último episódio pude-o eu, estupefacto, presenciar enquanto Gavrilov, indiferente a tudo, fazia passagens do 3º Concerto para piano e orquestra de Rachmaninov.

in Diário de Notícias, 11 de Julho, 1998


Alguém com elevada responsabilidade nos eventos do Teatro Camões, durante a Expo98 (e que parece ter tido um "ataque de nervos" depois de ter lido esta crítica...), disse-me, à entrada para a estreia daquela coisa chamada White Raven (O corvo branco), pelo qual pagamos na época (consta) um milhão de contos (cerca de 5 milhões de euros - só em honorários do P. Glass!): "veja lá se não foi a última vez que escreveu para o DN" (não sei se esteve relacionado... mas a verdade é que não voltaram a publicar textos meus!)

Eu até fui muito "mansinho" no que escrevi, porque estava com mêdo que nem aquilo publicassem: os técnicos que andavam a colocar os focos fizeram o que nunca aqueles músicos (e eu próprio) tinham visto em parte alguma do mundo. Um gritava em altos berros: "Ó Zé! Manda a merda do cabo, pá!". O outro atirava o cabo que ficava a balançar em cima da cabeça dos músicos (que estavam a ensaiar) enquanto o primeiro ia de suporte em suporte (sempre por cima dos músicos) até atingir o cabo. Depois era (sempre aos berros): "Já tá pá?", "Não, mais para a direita", "E agora?", "Um nada para a esquerda". Portugueses no seu melhor...

David Shallon, quando os músicos espontaneamente pararam de tocar e começaram a mandar os técnicos calarem-se, saltou do palco e veio ter comigo (eu era a única pessoa que se encontrava na plateia) a gritar que "uma coisa assim nem em África", onde ele me contou (quando se acalmou depois de eu lhe ter explicado que não pertencia ao Teatro Camões e só ali estava para assistir ao ensaio-geral, que foi ensaio único) ter ido várias vezes dirigir concertos. 

Depois havia a questão da acústica, que não se devia falar dela: é que a sala era nova e ia estrear aquela "coisa", chamada de "O Corvo Branco", da qual o Estado português nem sequer ficou com os originais da partitura (só ficou com fotocópias, não assinadas nem rubricadas pelo compositor! No joke!) pela qual pagou uma enorme "pipa de massa". Simplesmente surreal!

Julho de 2018: exatamente 20 anos após a minha última crítica no Diário de Notícias, o dito cujo "finou-se"... Paz à sua alma, mas fico muito triste pelo que fizeram aos jornalistas, nomeadamente ao editor da secção "multimedia", que era também crítico de cinema, o Eurico de Barros, com quem nunca sequer conversei para além de questões relacionadas com número de carateres que eu podia escrever, e que teve a coragem, rara em Portugal, de publicar o que veio a ser a minha última crítica impressa, colocando-se ele próprio em risco)

Décadas depois...