2005/05/27

ABERTURA PARA ORQUESTRA DE JOÃO DOMINGOS BOMTEMPO


Dia 26 a Orquestra Gulbenkian interpretou a Abertura para Orquestra em Dó menor do compositor português. Uma obra de grande talento e inteligente organicidade. Uma criação maior que demonstra que o português foi um compositor inspirado. Bem mais interessante e com mais "veia musical" que outros mais tocados e conhecidos. A orquestra parece ter preparado mal esta obra revelando sucessivas desafinações por parte dos primeiros violinos, "fenómeno" que não é de espantar nesta orquestra...
Seguiu-se o Concerto para violino op. 61 de Beethoven magnificamente interpretado pela célebre Viktoria Mullova que arrebatou a sala. É de facto uma imensa violinista e detentora de uma têmpera de grande artista. A prestação da orquestra foi razoável apesar das descoordenações no último andamento.
O programa acabou com as Danças Eslavas op.46 de Dvorák que não são, para mim, "grande música" mas tiveram uma boa interpretação por parte do agrupamento da Gulbenkian. Lawrence Foster, o maestro titular, foi eficaz. Ast




Um e-mail que vale a pena publicar

É de facto uma obra extraordinária. Sabe que Bomtempo não lhe chamou "Abertura"? O nome original é "Sinfonia para Huma Grande Orchestra". Sendo verdade que, no século XIX, era possível usar ambos os termos indistintamente, não vejo razões para não utilizar a designação original. Conhecendo bem o manuscrito original, acredito estarmos em presença do 1º andamento de uma das cinco sinfonias de Bomtempo que se perderam (!!!) já no século XX. (Ernesto Vieira afirma em 1901 existirem sete sinfonias; como só conhecemos duas...). Seria assim a "incompleta" de Bomtempo...
Há realmente duas passagens terrivelmente difíceis, tanto para os primeiros como para os segundos violinos (que nesta obra não podem fazer cera, têm mesmo de trabalhar tanto como os primeiros). Um abraço, e continue o seu bom trabalho de crítica inteligente e isenta. César Viana














Serviço público: Um taxista agrediu o proprietário de um conhecido bar na capital portuguesa de que resultou a morte da pessoa. Parece que em Portugal se está a fazer passar potênciais criminosos por "profissionais", o que é muito grave quando estão a desempenhar um serviço público e/ou ao público. Tudo questões de (não) educação e (não) formação básica. Que nos levam a questionar para que serve o ensino básico, universal, gratuíto e obrigatório em Portugal. Ou pelo menos a forma como funciona a dita educação básica e elementar que o estado disponibiliza gratuitamente para todos os que a sabem aproveitar mas também para aqueles que não a querendo disfrutar de forma positiva e criativa a "abandalham" e impedem os colegas de se desenvolverem plenamente. O editor.















2005/05/21

ANTÓNIO PAPPANO DIRIGE A ORQUESTRA SINFÓNICA DE LONDRES

Actual titular do Convent Garden, Pappano teve uma actuação fantástica à frente da justamente célebre sinfónica inglesa que nos trouxe obras de Bernstein, Chostakovitch e Rachmaninov. Pappano revelou-se um dos principais e mais prometedores chefes de orquestra da actualidade, onde a absoluta precisão se alia a uma grande inteligência e musicalidade.
On the Waterfront é uma espantosa Suite Sinfónia de Leonard Bernstein que teve nestes intérpretes uma leitura deslumbrante que hipnotisou a grande sala do Coliseu de Lisboa onde se viam algumas clareiras na plateia.
O Concerto para Violoncelo e Orquestra nº1 de Dimitri Chostakovitch, do qual falamos recentemente, teve como protagonista a jovem Ha-na Chang, Coreana, 22 anos, que levantou o público das cadeiras. A sua técnica suprema e a sua intuição musical fazem dela uma grande artista mundial da qual muito há a esperar.
Finalmente a Sinfonia nº2 de Sergei Rachmaninov, que é uma obra longa e formalmente pouco consistente, teve nesta formação uma leitura grandiosa que conseguiu "encher as medidas" de toda a sala. Apesar da obra...
Um concerto de primeiríssimo plano que foi um dos grandes acontecimentos da temporada que agora acaba. Ast















OUÇAM A SOMA DOS SONS QUE SOOAM


É este o título da obra de Jorge Peixinho interpretada pelo Remix Ensemble na Gulbenkian.

Foi um momento em que de alguma maneira se homenageou o compositor prematuramente falecido e também um momento em que podemos uma vez mais compreender aspectos da estética musical de Peixinho. Ele tinha uma capacidade interessante em lidar com a grande forma. A peça com cerca de 15 minutos em um único andamento, onde não existem roturas temáticas substânciais, atesta-o.

Basta comparar com todas as outras obras apresentadas onde ou havia movimentos claramente demarcados ou existiam cortes temáticos evidentes que introduziam a variação e o contraste. A metamorfose em Peixinho acontece dentro e partir do mesmo, o que gera uma consistência elevada mas também é um risco que a não ser bem gerido pode criar uma sensação de monotonia. Tal não acontece pois o compositor era mestre na gestão da tensão. Esta obra é só uma amostra do talento e capacidade de um criador que trabalhou pouco ao nível sinfónico graças a um país que não o soube estimar.

O espectáculo acabou com o Concerto para Clarinete de Elliott Carter, que é uma interessante obra onde o contraste e as oposições solista/agrupamento ou naipes são concebidas de maneira inteligente e eficaz, resultando numa criação de interesse máximo. Ast















SINFONIA 14 DE CHOSTAKOVITCH COM BORIS MARTINOVICH E MIHAELA KOMOVAR


A Orquestra Metropolitana de Lisboa, dirigida por Brian Schembri, re-criou esta obra genial dia vinte na aula magna da universidade de Lisboa, tendo como solistas aqueles fabulosos cantores.

Martinovich demonstrou por que é considerado um dos melhores baixos-baritonos da actualidade. Com uma voz potente mas clara, bem colocada e expressiva, foi protagonista de alguns dos momentos mais emotivos deste concerto. Komocar, a surpresa, trata-se afinal de uma soprano grave capaz de performances do mais elevado nível, devendo-se a ela em grande parte a grandiosidade deste espectáculo.

Esta criação inteligentemente contrastante, densa e com elevada consistência formal, como todas as sinfonias do compositor, pode ser de alguma maneira comparada ao Canto da Terra de Mahler. Estilísticamente são bem diferentes, mas em termos conceptuais podem-se estabelecer parentescos evidentes. Esta sinfonia número catorze é uma impressionante obra lírico-sinfónica de grande impacto emocional. A leitura que nos foi oferecida (literalmente pois foi um concerto de entrada livre) foi inteligente, musical e fez juz a esta obra principal da arte musical.

A orquestra (cordas e percussões) entregou-se totalmente e o maestro foi eficaz e preciso, revelando ter estudado bem a obra, o seu estilo e o seu "espirito". Para resumir basta dizer que foi uma grande interpretação.

A primeira parte foi preenchida com o concerto número um para violoncelo e orquestra do compositor russo sendo Irene Lima a solista. Trata-se de uma obra de elevado grau de dificuldade para o violoncelo solo. Irene Lima revelou-se uma excelente artista. No entanto este concerto exige uma técnica mais apurada, sobretudo nas tessituras sobre-agudas. A orquestra esteve muito bem, com um naipe de madeiras que uma vez mais demonstrou ser excelente. A trompa cumpriu com honestidade e as cordas revelaram-se coesas.

O público presente ovacionou longamente (e justamente) os protagonistas deste grande concerto que nos deixa a pensar como as imagens e as virtualidades condicionam totalmente os comportamentos do público português. A sala que leva muitas centenas de espectadores, tinha apenas algumas dezenas. Perderam (e muito) os que faltaram. Não só perderam um grande concerto sinfónico no qual foi interpretada uma obra fantástica, como perderam o que para mim foi claramente o melhor concerto lírico-sinfónico da temporada e o melhor evento de toda a temporada lírica portuguesa. Agora que se agarrem ás suas imagens (e aos respectivs cd's). Ast















JORGE MOYANO INTERPRETA CHOPIN

Acompanhado pela Orquestra Gulbenkian o pianista interpretou no dia 19 o concerto nº2 de Chopin (que na realidade é o nº1).
Se no primeiro andamento o fraseado de Moyano foi pouco transparente e demasiado linear, já no segundo o intérprete deu-nos uma leitura do "larghetto" plena de poesia. Também no terceiro andamento Moyano teve uma boa performance conseguindo um contraste eficaz e um movimento ritmico convincente. Este concerto é particularmente bem orquestrado. Dizer, como se pôde ler nas notas do programa, que em Chopin "a orquestração é débil" e que nunca há "de facto" diálogo entre o piano e a orquestra é uma tonteria que até o ouvinte desprevenido compreende ser uma idioteira total. É esse o cliché do final do romantismo. Que Chopin não sabia ou não se interessava pela orquestração. Mas isso foi um cliché de há cem anos atrás! Nada mais absurdo e basta ouvir o primeiro movimento para perceber que as intervenções do fagote, do oboé e do clarinete são "diálogos" com o piano. A orquestração do segundo movimento é absolutamente espantosa: trata-se aí sim quase de puro acompanhamento, mas um acompanhamento que contribui decisivamente para todo o balanceamento estrutural do movimento. Só um idiota não compreende isso e pode dizer barbaridades como as que se lêm no programa do concerto. Também no terceiro movimento a orquestração é absolutamente eficaz contribuindo para o contraste dançante dos temas. Chopin esse demasiado inteligente para o caso de não ser necessário uma orquestra para os seus concertos de piano, prescindir dela, como o fez Schumann no seu concerto sem orquestra.
A Orquestra não esteve mal, apesar da não direcção de Scimone que está doente mas sempre dirigiu assim ou seja, incrivelmente mal, sem alma, batendo desacertadamente o tempos (nem sequer marca os compassos), arrastando-se atrás da orquestra que se não se segurar por ela própria entra em colapso e pára. Aliás espantou-me a boa performance no Idilio de Siegfried de Wagner que abriu o concerto pois as cordas estiveram excelentes numa obra em que os violinos, especialmente os primeiros, têm um papel fundamental.
Mas nada justifica a grosseria dos músicos da orquestra que foram incapazes de se levantar e oferecer uma cadeira ao maestro, nitidamente doente, depois deste ter pedido ao pianista um extra (para contentamento de uma sala repleta de público entusiasta) e ficou de pé, durante longos momentos, a escutá-lo num "encore" de Chopin (uma grande valsa) onde o intérprete demonstrou a sua profundidade de leitura e a sua grande intuição musical. Ast




"Quando pudermos ver nos ecrãs o equivalente à Vida de Brian, com Maomé como protagonista, realizado por um Theo van Gogh árabe, então teremos dado um grande passo." do livro De Maagdenkooi (A jaula das virgens) de Ayaan Hirsi Ali, citada no volume seis da edição portuguesa do Courrier Internacional














2005/05/06

SAKARI ORAMO DIRIGE SIBELIUS E MAHLER

À frente da Orquestra Gulbenkian o conhecido maestro finlandês apresentou-nos A Filha de Pohjola e Luonnotar de Jean Sibelius, esta última com a participação da soprano Anu Komsi, da mesma nacionalidade.

A primeira obra é uma criação onde a magia está presente no discurso musical e na fantástica orquestração do compositor finlandês que encontra neste director um intérprete que intui a "essência" do seu espírito musical e criativo. Uma obra maravilhosa onde o maestro arrancou a orquestra de um certo amorfismo e a ganhou para uma interpretação totalmente conseguida pese algumas falhas irrelevantes no conjunto.

Luonnotar é uma obra dotada de um certo dramatismo imbuído de mistério. Trata-se de um outro espírito distinto das "paisagens" mágicas da obra anterior. Luonnotar é uma obra "profunda" e na medida em que todos os cisnes são brancos até que nos apareça um negro, a "profundidade" costuma andar de mão dada com o drama sendo que o "mistério" pode coexistir tanto com o drama, como com a magia. A escrita da voz move-se nos registos agudos contrapostos às tonalidades "profundas" e graves da orquestra. Apesar de considerada "especialista" em Sibelius a voz de Komsi é, nos agudos, demasiado aberta e pouco timbrada não conseguindo transmitir-nos o mistério colorido de drama (a criação pode também ser um drama. Ou o início dele...) que suporta esta obra, também ela de alguma forma maravilhosa.

Depois do intervalo Oramo dirigiu a Quarta Sinfonia do maior sinfonista de todos os tempos: Gustav Mahler. Desde já devo realçar que este concerto foi talvez o momento alto da actuação da Orquestra Gulbenkian ao longo da temporada que está prestes a terminar. Como à partida isto não diz muito (pode-se talvez deduzir que devo ter gostado) vou tentar desenvolver.
Esta sinfonia é a de execução mais simples (isto é: menos problemática) e é a mais curta do ciclo das sinfonias de Mahler (é disso que se trata: deram-se conta que logo no primeiro andamento o trompete enunciou textualmente o primeiríssimo tema da quinta sinfonia). No entanto possui um poderoso adágio (Ruhevoll) em que as cordas garantem o fundamento e a continuidade discursiva. Um "cluster tonal" impressionante introduz-nos na coda que termina o andamento e nos conduz de imediato ao movimento final que o criador indica como "muito agradável" e que foi extraído do ciclo Des Knaben Wunderhorn.
A direcção de Oramo demonstrou-nos que este director é já um grande chefe de orquestra. Talvez por isso conseguiu deste agrupamento da Gulbenkian um prestação bem acima do habitual. A tranquilidade suspensiva que conseguiu no adágio que afinal aparece como um "tranquilo" foi notável. As respirações a que induziu a orquestra e que pontuavam um discurso de uma "tranquilidade profunda e sentida", surpreenderam-me. Quando este andamento estava para começar e os músicos estavam já de instrumento debaixo dos maxilares (concerto de quinta), o maestro sorrindo colocou as duas mãos sobre a estante da partitura obrigando-os a colocar os instrumentos em posição de "attente" pois quem dá a entrada é ele e não a pressa dos músicos, mostrando-lhes desta maneira que iam para um "tranquilo" reflexivo, como toda a música de Mahler. Sem essa compreensão não existe interpretação mahleriana. A Orquestra Gulbenkian teve sorte. Teve sorte em ter Oramo a dirigir Mahler. E teve sorte porque com um maestro qualquer de terceira categoria esta interpretação poderia não passar de uma amálgama sem espírito, sem "substância" e logo sem sentido. Assim o agrupamento da Gulbenkian aproxima-se do fim da presente temporada com a "cotação em alta".
Individualmente tenho de salientar todo a performance do oboísta Pedro Ribeiro. Com este intérprete a Gulbenkian tem garantida pela tabelagem mais elevada a continuidade do trabalho iniciado por Swinnerton. Pessoalmente gosto bastante mais do desempenho de Ribeiro que de Swinnerton. O primeiro fagote esteve muito bem, o mesmo se passando com o corne inglês e as flautas. O clarinete de Esther Georgie... nesta obra esteve bem. Pois. Numa obra em que o autor pede frequentemente um som aberto, rústico e com um toque de agressividade, a primeira clarinetista sai-se bem. Muito bem esteve o clarinete baixo. Jonathan Luxton o "número um" do naipe das trompas merece um bravo. Malher exige sempre um trabalho solista por parte do primeiro trompa e Luxton correspondeu. Todo o naipe das trompas, com uma única ressalva no concerto de quinta, esteve bastante bem. Os trompetes, como habitualmente, com o Stephen "à cabeça", estiveram excelentes. Igualmente para a harpa e para os percussionistas com Voss nos timbales. As violas e os contrabaixos estiveram bem. O naipe dos violoncelos no conjunto revela uma sonoridade pouco homogénea, pouco redonda e pouco consistente. Uma situação estranha dado que é um naipe constituído por bons músicos. Os violinos estiveram regulares conseguindo fraseados nos pianíssimos do terceiro andamento que muito contribuiram para a boa performance global. Não gostei do solo do concertino principal no início do segundo andamento: ríspido como deveria ser mas tenso e quadrado. Gostei bem mais do solo da concertino auxiliar que tem um fraseado mais flexível e com mais "alma", coisa que parece ter-se ausentado do concertino principal. Anu Komsi no andamento final esteve melhor que em Sibelius. Trata-se de um canto que se movimenta sobretudo nos registos médios onde a artista denota um timbre bem mais suportado e cheio.

O balanço final, como agora se deduz fácilmente, é francamente positivo e surpreendi-me de algum modo ao escutar esta orquestra a tocar Mahler bem acima daquilo que normalmente esperaria. Não se esqueçam de enviar ao maestro um ramo de flores gigante. Pode ser que ele volte.


Referências discográficas para esta obra? A preços simpáticos?

Sem hesitar uma "referência entre as referências": George Szell à frente da Cleveland Orchestra com a soprano Judith Raskin. Um deslumbramento. Este cd oferece como "bónus" os Lieder eines fahrenden Gesellen por Frederica von Stade numa interpretação inesquecível. Re-edição na colecção essential classics da sony (ou a que a substitua actualmente). Colecção esta onde também pode encontrar a sexta sinfonia de Malher pelo mesmo agrupamento e maestro numa interpretação considerada uma das "referências absolutas".

Porém... a minha interpretação favorita da 4ª sinfonia é a de Klaus Tennstedt à frente da Philharmonia Orchestra num duplo cd da emi (colecção double forte) a "preço simpático". Duplo cd este que também tem uma interessante interpretação da 3ª sinfonia. O único senão é a presença de Lucia Poop no andamento final da 4ª sinfonia... Quanto à 3ª, entre as versões que tenho, recomendo a de Armin Jordan à frente da Orquestra da Suisse Romande que inclui uma fabulosa interpretação da Sinfonia Lírica de Zemlinsky. Uma re-edição económica da Virgin Classics. Ast









2005/05/05

FELICITY LOTT EM LISBOA

A famosa "diva", acompanhada ao piano por Graham Johnson, ofereceu-nos o segundo melhor acontecimento da temporada lírica portuguesa (o primeiro já o referenciei um pouco mais acima). Foi dia 3 na Gulbenkian (para não variar) e a escolha do repertório denota a enorme inteligência destes dois intérpretes de referência na arte do "lied". Poder-se-ia dizer que foi uma colagem de canções, como fizeram outras "divas". Seguramente que o foi. A questão diferencial reside não só nas canções escolhidas mas também na sua sequenciação e na forma ininterrupta como foram apresentadas, evitando aplausos e tosses convulsas. Mas não só. Os Drei Lieder der Ophelia de R. Strauss tiveram aqui uma leitura só comparável a interpretações "míticas" de artistas já desaparecidas ou que já não actuam, como Elisabeth Schwarzkopf. Para isso muito contribuiu o piano de Johnson que na actualidade é talvez o melhor pianista acompanhador de "lied". Mas também nas canções de Wolf, Hughes, Bliss, Britten e Weill, Lott demonstrou estar muito para além do vedetismo fútil das divas vulgares que cobram milhões para entreterem o público das peles de marta que felizmente não é o "público típico" em portugal. Felicity Lott demonstrou estar na sua maturidade técnica e interpretativa e ser uma cantora dotada de inteligência e intuição musical. Qualidades que não são evidentes em grande parte dos cantores/as líricos/as do nosso tempo. Com isto não estou a promover Felicity Lott a "maior cantora da actualidade". Essa "elevação" guardo-a para outras duas: Karita Mattila e Magdalena Kozena. Ast











2005/05/03

XENIA ENSEMBLE E CHAMANISMO

Em tempos alertei para o bluff que poderia vir a ser um concerto que incluía "canto xamânico", apesar de o ter aconselhado. Posteriormente retirei o artigo em que fazia recomendações de concertos depois de constatar a mediania das interpretações de alguns dos artistas que tinha recomendado.

Na realidade este concerto do Xenia Ensemble foi um concerto bastante interessante que me fez lembrar as performances da minha falecida professora Constança Capedeville, injustamente esquecida do panorama musical português. A Constança tem obras bem mais conseguidas (Libera me e Amen para uma ausência, por exemplo) que as apresentadas no concerto deste ensemble. Algumas dessas obras foram alvo de uma edição em cd que actualmente não só é uma raridade com é uma preciosidade musical. Apesar de muitas vezes inspirada nos cânticos e recitativos dos monges budistas Constança Capedeville teve a ombridade de nunca relacionar as suas obras com budismo ou qualquer outra corrente "trancendental" bem em moda. A Constança era uma pessoa de grande desenvoltura espiritual e acreditava profundamente no que fazia como também em alguns aspectos das doutrinas orientais das quais nunca se serviu para "comercializar" a sua obra.

Depois desta "introdução" posso continuar a escrever um pouco mais sobre o concerto de 2 de Maio na Gulbenkian.
Cheguei atrasado. O que ouvi da obra de Franghiz Ali-Zadeh foi demasiado pouco e insuficientemente impactante para tecer quaisquer considerações sobre a peça Mugam Sajahi desta compositora. Compreendo bem a atitude de resistência face ao comunismo soviético que procurou esmagar todas as formas de religiosidade e que foi responsável pelo extremínio de parte da tradição chamânica siberiana assim como responsável pela contaminação radioactiva de parte da Taiga siberiana. Um acto de "ressuscitamento" só por si não é uma obra de arte. Mas, tal como acima escrevi, só assisti ao final da criação de Ali-Zadeh que nasceu em Baku (Azerbaijão, segundo as notas do programa).

Seguiram-se duas deliciosas peças de música tradicional chinesa interpretadas em pipa pela excelente Liu Fang. Uma artista dotada de grande técnica e subtileza que nos ofereceu momentos belíssimos entre as duas obras do "menú".

No que respeita à Ghost Opera de Tan Dun já foram referidos os aspectos performânticos "para além da música" que estiveram tão presentes em toda a obra de Constança Capedeville, investidos aqui de um simbolismo mais forte que na obra da minha falecida professora onde a performance por vezes era algo gratuíta e excedentária apesar de musicalmente as suas obras serem na generalidade mais interessantes, intensas e emotivas que esta Ghost Opera que obedeceu a um esquematismo gráfico-conceptual que em meu entender não garantiu suficientemente a consistência da obra. Obra que no entanto não deixou de ser um trabalho interessante e certamente gratificante para todos aqueles que se deslocaram à Gulbenkian. Finalizo com palavras do autor, extraídas do programa do concerto: "A tradição da ghost opera recua a milhares de anos: o actor da ghost opera entra em diálogo com a sua via passada e futura - um diálogo entre passado e futuro, espírito e natureza. Quando a Ghost Opera foi estreada em Beijing, 1500 pessoas na sala conheciam a canção popular e reconheceram a antiga tradição, mas não sabiam que um quarteto de cordas podia tocar rochas, juntamente com Bach e tocar papel, gongs, água e voz". Ast