2006/12/27

2006: ano da morte de György Sándor Ligeti

Catalogue des œuvres

1945, Cantate no 1 Et circa horam nonam, pour mezzo-soprano solo, deux chœurs mixtes et accompagnement instrumental, sur un texte de la liturgie latine.
1946, Magány (Solitude), choral pour chœur mixte a cappella sur un poème de Sándor Weöres. Créé à Stuttgart le 18 mai 1983 par la Schola Cantorum Stuttgart dirigée par Clytus Gottwald.
1950, aladi joc pour deux violins (1950)
1950, Andante et Allegro pour quatuor à cordes
1951, Concert românesc pour orchestre (1951)
1951-1953, Musica ricercata pour piano (1951-1953)
1953, Six Bagatelles pour Quintette à vents
1953-1954, Métamorphoses nocturnes, Premier Quatuor à cordes. Créé à Vienne par le Quatuor Ramor, le 8 mai 1958.
1957, Glissandi, musique électronique
1958, Artikulation pour bande magnétique, réalisé au Studio für Elektronische Musik de la Radio de Cologne (W.D.R.). Créée le 25 mars 1958 à Cologne lors d'un concert de la série Musik der Zeit
1958-1959, Apparitions pour orchestre. Créées le 19 juin 1960 à Cologne par l'Orchestre symphonique du N.D.R. de Hamburg sous la direction d'Ernest Bour.
1961, Atmosphères pour grand orchestre. Créées le 22 octobre 1961 au festival de Donaueschingen par l'Orchestre symphonique du Südwestfunk de Baden-Baden sous la direction de Hans Rosbaud.
1961-1962, Volumina pour orgue [révision en 1966]
1962, Aventures
1962, Poème Symphonique pour 100 métronomes (Dix personnes déclenchent des métronomes réglés à des vitesses différentes ; la pièce se termine lorsque le dernier métronome s'arrête) . Créé le 13 septembre 1963 Hilversum (Pays-Bas) sous la direction du compositeur.
1963-1965, Requiem pour soprano et mezzo-soprano solo, deux chœurs mixtes et orchestre . Créé le 14 mars 1965 à Stockholm par les Chœurs et l'Orchestre symphonique de la Radio suédoise sous la direction de Michael Gielen. Cette musique a été utilisée par Stanley Kubrick dans son film 2001 Odyssée de l'espace.
1965, Aventures et Nouvelles Aventures, double action scénique en 14 tableaux pour trois chanteurs (soprano, contralto et baryton) et sept instrumentistes. Créées le 19 octobre 1966 au Württembergisches Staatstheater Stuttgart sous la direction de Friedrich Cerha.
1966, Concerto pour violoncelle. Créé le 19 avril 1967 à Berlin par Siegfried Palm (dédicataire), avec l'Orchestre symphonique de la Radio de Berlin dirigé par Henryk Czyz.
1966, Lux Aeterna pour 16 voix mixtes solistes a cappella. Créé le 2 novembre 1966 à Stuttgart par la Schola Cantorum Stuttgart dirigée par Clytus Gottwald.
1967, Lontano pour grand orchestre. Créé le 22 octobre 1967 au festival de Donauschingen par l'Orchestre symphonique du Südwestfunk de Baden-Baden sous la direction d'Ernest Bour.
1967, Lux Aeterna
1967-1969, Deux Études pour orgue
1968, Continuum pour clavecin
1968, Continuum pour clavecin
1968, Deuxième Quatuor à cordes
1968, Dix pièces pour Quintette à vents
1968, Quatuor à cordes n° 2. Créé le 14 décembre 1969 à Baden-Baden par le Quatuor LaSalle.
1968-1969, Ramifications pour 12 cordes solistes. Créées le 23 avril 1969 à Berlin, par l'Orchestre symphonique de la Radio de Berlin sous la direction de Michael Gielen ; Version pour douze cordes solistes, créé le 1er octobre 1969 à Sarrebruck, par l'Orchestre de chambre de la Radio de la Sarre sous la direction d'Antonio Janigro.
1969-1970, Concerto de chambre (Kammerkonzert) pour 13 instrumentistes. Créé le 1er octobre 1970 au festival de Berlin par l'ensemble « Die Reihe » dirigé par Friedrich Cerha.
1971, Melodien pour orchestre (1971)
1972, Double Concerto pour flûte, hautbois et orchestre
1973, Clocks and Clouds pour 12 voix féminines
1973-1974, San Francisco Polyphony pour orchestre. Créée le 8 janvier 1975 à San Francisco par l'Orchestre symphonique de San Francisco sous la direction de Seiji Ozawa.
1978, Le Grand Macabre (Der grosse Makaber), opéra en deux actes sur un livret de Michael Meschke et György Ligeti d'après la pièce de Michel de Ghelderode La Ballade du Grand Macabre. Créé en suédois le 12 avril 1978 à l'Opéra royal de Stockholm, sous la direction de Elgar Howarth. Créé en version allemande originale le à l'Opéra de Hambourg le 15 octobre 1978, sous la direction de Elgar Howarth. Créé en français dans une traduction de Michel Vittoz à l'Opéra de Paris le 23 mars 1981 sous la direction de Howarth et dans une mise en scène de Daniel Mesguich. Version révisée en 1996, créée au festival de Salzbourg le 28 juillet 1997 sous la direction d'Esa-Pekka Salonen, dans une mise en scène de Peter Sellars.
1982, Trio pour violon, cor et piano
1985, 1989-1990, Études pour piano
1985, Six Études pour le piano (Premier Livre)
1985-1988, Piano Concerto (1985-88)
1988, Concerto pour piano et orchestre. Version intégrale en cinq mouvements créée le 29 février 1988 au Konzerthaus de Vienne par Anthony di Bonaventura (piano) et l'Orchestre symphonique de la Radio autrichienne (O.R.F.) sous la direction de Mario di Bonaventura.
1988-1994, Huit Études pour le piano (Deuxième Livre)
1990, Concerto pour violon et orchestre. Version intégrale en cinq mouvements créée le 8 octobre 1992, à Cologne par Saschko Gawriloff (violon) et l'Ensemble Modern sous la direction de Peter Eötvös.
1992, Concerto pour violon
1995, Étude pour le piano (Troisième Livre)
1998-1999, Hamburg Concerto pour Cor solo et orchestre de chambre avec quatre cors naturels obligés
2000, Síppal, dobbal, nádihegedűvel: Weöres Sándor verseire

Bibliographie

BAYER FRANCIS, De Schönberg à Cage. Klincksieck, Paris 1987
GRIFFITHS P., Modern Music, György Ligeti. Robson Books, London 1983
György Ligeti in Conversation. E. Eulenburg, London 1983
György Ligeti. Dans « Musik-Konzepte » (53), Munich 1987
LIGETI GYÖGY, Neuf Essais sur la musique. Éditions Contrechamps, octobre 2001
Ligeti-Kurtág. Dans « Contrechamps » (12-13), L'Âge d'homme, Lausanne 1990
MICHEL P., György Ligeti, compositeur d'aujourd'hui. Minerve, Paris 1985
NORDWALL O., György Ligeti. Eine Monographie. Schott, Mainz 1971.
in www.musicologie.org/Biographies/ligeti_gyorgy.html














A Comuna de Oaxaca

Estado de Oaxaca, vizinho de Chiapas, onde eclodiu na passada Primavera a insurreição que ficou conhecida pelo nome de «Comuna de Oaxaca» e cuja população, como em Chiapas, é em grande parte indígena.
O movimento de protesto subsequente a mais uma fraude eleitoral (técnica usual e antiga do partido que se encontra no poder no México) converteu o recente processo pós-eleitoral num amplo movimento de base, acentuando assim as fortes contradições sociais e políticas que estão a abalar o México desde a insurreição zapatista de 1994 e através das quais se desenham perspectivas universais de luta, em particular com base nas práticas comunitárias indígenas.














Arabella

A Orquestra da Wiener Staatsoper, dirigida por Franz Welser-Möst, apresentou uma leitura suprema da Arabella de Richard Strauss (na Wiener Staatsoper). Os solistas foram exemplares: Adrianne Pieczonka interpretou Arabella, Genia Kühmeier fez de Zdenka, Michael Schade foi Matteo e Thomas Hampson representou Mandryka. Welse-Möst brindou-nos com uma leitura clara e potente, servida pela orquestra que esteve, muito francamente, excelente. A cenografia foi de Sven-Eric Bechtolf: eis um exemplo de como se faz algo interessante e moderno sem aborrecer os músicos, que são as verdadeiras vedetas. A casa, completamente cheia, aplaudiu longamente os artistas: muito merecidamente. Livios Pereyra














HOUSE-ATTACK

Erwin Wurm deixa claro que procura ridicularizar e esmagar o conceito de vida da pequena-burguesia. Expressa o seu desprezo de forma radical pelo "lar-doce-lar" ao colocar uma casa do avesso contra o cimento frio, impessoal e enorme do MUMOK. Toda a mostra do artista radica na ironia do seu ponto de vista: porches (carros) gordos e vivendas obesas que falam e se lamentam. Uma mostra importante e um acontecimento internacional. Pilar Villa















2006/12/16

A história traduziu-se na obra de Fernando Lopes-Graça

Como forma de homenagear o compositor Fernando Lopes-Graça re-editamos a conversa tida com Marc Tardue após a interpretação, realizada na Aula Magna da Universidade de Lisboa, do Requiem pelas Vítimas do Fascismo em Portugal

Álvaro Teixeira: Há cerca de duas semanas, creio, parei o carro para escutar na rádio o final da 9ª de Malher. Qual o meu espanto quando disseram que era a Orquestra Nacional do Porto! Fiquei impressionado porque não imaginei que em Portugal se pudesse tocar Malher daquela maneira.

Marc Tardue: Foi na rádio?

AT: Sim, sim...

MT: Mas eu não dei autorização... Deve ter sido outra obra...

AT: Pois, deve ter sido... Fosse que obra fosse estava muito bem tocada. Nunca tinha ouvido uma orquestra portuguesa a tocar daquela maneira e isto é o relevante. O que é que nos podes dizer sobre o assunto, tu que és o conductor-titular e director-artístico da orquestra?

MT: Quero dizer que é uma nova orquestra e tive a possibilidade de recrutar novos músicos através de um concurso internacional. Colocámos a barreira muito alto. Exigimos aos candidatos um nível verdadeiramente bom. Com os músicos muito bons que já estavam na orquestra e com os novos conseguimos uma orquestra excepcional. Estes músicos estão motivados, trabalham muito apesar de nem sempre terem as condições necessárias. Mas agora com a Casa da Música esperamos que tudo melhore. Iremos ainda mais longe. Esta orquestra é muito disciplinada e existe um desejo de fazer qualquer coisa de primeira classe mundial. Penso que o dinheiro que nos dão é devido a isto.

AT: De facto ouvi duas interpretações da mesma obra em dias consecutivos por orquestras diferentes e gostei muito mais da sonoridade da ONP.
Bom... Ouvimos a Requiem de Lopes-Graça, que é ao estilo de Lopes-Graça, mas gostava de saber se vocês têm o hábito de apresentar música do século vinte, e música contemporânea, ou se isto foi a excepção.

MT: Eu já apresentei obras contemporâneas em estreia mundial na Suiça e em França. Ganhei um prémio no concurso de Genéve pela interpretação de música contemporânea. Existem coisas muito interessantes e outras que têm menos interesse. É necessário colocar cada obra no seu contexto, no contexto em que foi escrita. Lopes-Graça viveu um periodo particular que está refletido na sua música. Sente-se um grande sofrimento e cólera naquela obra. Ele não deve ter sido feliz, tenho a impressão. Ele escreveu coisas difíceis para o côro e para os solistas. Coisas muito difíceis. Coisas bi e poli-tonais por vezes coladas por notas que nem sequer fazem parte dos acordes. Há coisas que causam irritação mas que levam o público a sentir que a vida não é sempre bela. É uma obra muito dramática e sente-se uma grande tradição pois ele escreve muito bem e faz pequenas imitações de Mozart e Verdi, de outros requiem. Encontram-se mesmo excertos de música da idade-média. É uma espécie de desafio para o público. Para mim é este o interesse e o poder desta obra. Eu sei que Lopes-Graça não cria em deus mas utilizou o requiem talvez no sentido de um memoriam para as vítimas do fascismo em Portugal.

AT: Ao nível da música contemporânea quais são os vossos planos?

MT: Apresentamos uma obra de Tinoco, outra de Filipe Pires e vamos fazer um concerto para piano do primeiro. Mas estamos limitados pois o nosso orçamento sofreu um grande corte. Não temos dinheiro para alugar o material.

AT: Qual material?

MT: As partituras para toda a orquestra e o pagamento dos direitos de autor. Por isso temos de escolher coisas já do domínio público. Gostaria por exemplo de fazer Charles Ives que não é exatamente contemporâneo mas para o público do Porto é bastante avant-gard. Gostaria também de fazer Pendereki.

AT: Que está vivo...

MT: Sim e também John Adams, mas nem sempre temos essa possibilidade. O nosso objectivo é construir um público. No Porto temos o Remix que faz a música verdadeiramente contemporânea. Nós devemos tocar Brahms, muito Mahler, Schönberg e Berg, quando possivel.

AT: Achas que o público do Porto é conservador?

MT: Em Portugal no general... isto não é um insulto. Eles não tiveram a possibilidade de aprenderem e ouvirem esta música. Não basta tocar uma obra. É necessário educar o público. Tem de se lhe dar a possibilidade de seguir o percurso da história da música até aos nossos dias. Nós temos muitas ideias para no futuro fazermos exatamente isto. Mas como em todas as dietas é necessário um regime equilibrado.

AT: E ao nível da vossa relação com a escola superior de música do Porto e os novos compositores?

MT: Sempre tive a ideia de fazer uma espécie de workshop e atliers para os jovens compositores. Seria muito interessante que Portugal desse a possibilidade aos jovens maestros e compositores não de apresentar sómente uma obra que se esquece de seguida. A minha ideia é ter dentro de um ano, em conjunto com a Casa de Música, dois compositores residentes que poderão escrever para nós obras para nós tocarmos durante esse ano e desta maneira poderemos trabalhar em conjunto. Também para o público ouvir cinco ou seis obras de um compositor leva-o a perceber o que é um estilo e uma linguagem particular. Para os músicos será igualmente interessante.

AT: Espero que esse projecto que me parece interessante vá em frente.

MT: Os meus músicos querem. Têm vontade e motivação mas neste momento estamos muito limitados ao nível orçamental. Espero que com a Casa da Música as coisas começem a andar.

AT: E eu espero que o Ministério da Cultura veja e ouça bem o vosso trabalho que eu acho francamente muito bom.

MT: Recebi em Outobro* a medalha de mérito cultural de Portugal e penso que há um desejo de ir mais além. Eu sei que há problemas de dinheiro em todo o mundo. Há que fazer escolhas e ver as coisas muito claramente. As duas sinfónicas portuguesas (a OSP e a ONP) têm e merecem todo o apoio.

AT: E irão tê-lo, estou certo.

* 2004














Garzón, di Pietro e... Morgado?

Mas Carolina precisa de ter credibilidade? Carolina apenas precisa de dizer verdades que os tribunais possam provar. Nada mais.

Porque no fundo, em Portugal, estamos a começar pelo futebol, mas o best-seller de Carolina pode ter efeitos arrastadores. Todos ansiamos por isso. E porquê? Porque desejamos que começe pelo futebol, mas, se Maria José Morgado fôr certeira e implacável, muitos figurões vão deixar de ver o céu azul e passar a vê-lo aos quadrados pretos e brancos.

Porque Maria José Morgado pode fazer uma triangulação e isto alargar ao branqueamento de capitais. Ou fazer um passe em profundidade e atingir as autarquias. Ou rematar de fora da área e aproximar-se dos partidos. Ou marcar um penaltie e acertar em políticos em pleno desfrutar do seu enriquecimento rápido e fácil. Horácio Piriquito in Oje, 18 de Dezembro de 2006, pag 4















DOUTORES DA TRETA

Os "doutores-veteranos", parte dos quais ocupam lugares em cursos universitários de utilidade duvidosa, pagos com o dinheiro do estado, quando deveriam, em meu entendimento, estar a fazer cursos técnicos e de formação profissional, os "doutores-veteranos", dizia, encontram nas praxes académicas um modo, talvez o único ao longo da suas "carreiras", de afirmação dos egos inchados de nada. É um problema de líbido mal dirigida (e digerida), isso já o sabemos. O miolo da questão é que esses "doutores" e "engenheiros", veteranos todos eles, violentam os limites do elementar respeito pelo "outro", limites sem os quais o mundo passaria a cenário de guerra permanente e generalizada. Muitos desses "veteranos" portugueses, em outros países da Europa, e não só, estariam em liberdade condicionada ao respeito pela integridade do "próximo". Outros estariam já sem a referida limitada liberdade dado terem demonstrado, muito insistentemente, que são animais de trela. Como por estes e aqueles lados não se colocam trelas em gente, só restará ao Estado colocá-los num lugar onde pensem (esperança inútil...) sobre os seus consecutivos atentados à mais elementar dignidade da "outra" e do "outro". Os "doutores-veteranos" são um dos casos mais gritantes das causas do atraso de Portugal, que tem vindo a ser tranquilamente ultrapassado pelos novos membros da UE. Os "doutores-veteranos" não transmitem a qualidade, a generosidade e a excelência: transmitem a hierarquia pela hierarquia, como se isso tivesse qualquer valor. Transmitem a brutalidade e o prazer, perverso, de subjugar e humilhar os mais desprotegidos. Muitos dos "doutores" e "engenheiros" veteranos estão nas juventudes partidárias à espera oportunidades de carreira. Vários políticos profissionais em Portugal entraram para a política no tempo em que eram "doutores-veteranos". Outros foram dirigentes das associações de estudantes que são um trampolim para a política e para a conquista de "cargos". Na verdade, com "élites" como os "doutores" e "engenheiros" portugueses, todos eles muito veteranos, não há país que consiga acompanhar o passo da história. AST



Um professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), com sede em Vila Real, decidiu fazer um breve inquérito escrito e anónimo sobre a praxe académica a alunos de duas turmas do 1.º ano. Os resultados da iniciativa foram surpreendentes e deixam perceber a violência de algumas destas práticas.
Entre outras denúncias, os estudantes dizem que foram obrigados a "fazer posições sexuais em público", a "fazer de escravos" dos chamados "doutores", tratando da limpeza das suas habitações. Os jovens caloiros denunciam ainda que tiveram de suportar "certas brincadeiras indecentes", "morcões [larvas de insectos] nas meias, nos cabelos e no corpo", tiveram que comer alho, cebola e malagueta, rastejar na lama. in http://www.petitiononline.com/praxe/













Para Maria José Morgado sai caro ao Estado não dar prioridade ao combate à corrupção. O crime cresce diariamente em Portugal, aumenta as desigualdades sociais e atrasa ainda mais o desenvolvimento da economia. A corrupção... gera um país ainda mais pobre e atrasado. in http://sic.sapo.pt (05-02-2006 12:51)












Os procuradores passam, os políticos revezam-se, os Governos mudam... e o resultado é sempre o mesmo: nada. in Jornal de Negócios, 07/12/2006, pag 2 (editorial), sobre a corrupção em Portugal











Jorge Vasconcelos "bateu com a porta". Mas o presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) não vai de "mãos a abanar": vai receber 12 mil euros por mês até encontrar um novo emprego. in www.correiodamanha.pt (2006-12-17)














2006/12/07

MOZART SEGUNDO ANNE TERESA

A Companhia Rosas, dirigida por Anne Teresa de Keersmaeker, apresentou a produção "Mozart Concert Arias" no Teatro Municipal São Luiz em Lisboa, cuja estreia aconteceu no festival de Avignon em 1992. Antes de mais é de bom tom esclarecer que a artista teve razão ao considerar pouco pertinente a minha classificação de "neo-clássico", partindo de um curto excerto apresentado em vídeo. Por outro lado foi a artista que escolheu aquele excerto para a apresentação do trabalho. Logo...

Ainda que esta criação não possa ser rotulada de "neo-clássica", as formas arredondadas dos movimentos remetem-nos de alguma maneira para uma ideia de "recuperação da dança" onde até o trabalho de chão obedece a um polimento da forma. Em 1992 os trabalhos de Anne Teresa foram uma alternativa relevante, dentro de um registo europeu de modernidade, ás estéticas que, implicitamente, proclamavam que a dança estava morta. Quando se quer trabalhar o gesto a partir de obras de um único criador, as possibilidades ficam de algum modo limitadas e, partindo deste pressuposto, parece-me que Anne Teresa conseguiu um bom balanceamento entre repetição do movimento e variação do mesmo. Existem movimentos-momentos "ícones" nesta obra: os passos das bailarinas acompanhadas do lento balançar dos homens é um desses "momentos-movimentos" que por si só impregnariam o trabalho de "carisma". Também o choro e sua reiteração constituem outro "índice-icónico-simbólico" desta criação que não procura ser original mas busca a construção de uma estética do gesto e do movimento, complementando (uma das complementações possíveis) uma colagem (entre várias possíveis) de árias de Mozart.

A interpretação musical esteve globalmente bem e o trabalho de luzes foi eficiente, tendo o São Luiz re-apresentado uma produção no mínimo interessante na qual Anne Teresa nos oferece a sua leitura, uma das suas leituras possíveis, de Mozart. De um determinado Mozart. AST


Nota: dia 10 de Dezembro o Teatro Municipal de São Luiz trouxe o Wim Mertens, agora na versão "duo", e encheu a casa, claro. O curioso seria analisar o sucesso de uma música pobre, desinteressante, repetitiva por essência e monótona por acréscimo. Vale a pena dizer que a generalidade dos grupos de jazz, de música tradicional, e mesmo de "pop-rock", produzem música mais interessante que o famoso "minimal-repetitivo-pró-nostálgico-pró-pop", "cantor" que esganiça em falso falsete pró-nasal. O "caso" é sociológico, não estético-artístico, não sendo possível escrever-se uma crítica de música "produtiva" tendo por base as criações de Wim Mertens.














Augusto Pinochet (Chile) - assassino, orquestrador de massacres e traficante de drogas. Morreu por estes dias sem ser julgado porque a Inglaterra, que o ditador apoiou na guerra das Maldivas contra a Argentina, recusou a extradição pedida por Espanha. Os EUA apoiaram a ditadura do camafeu Pinochet. O exército chileno prestou-lhe honras militares e 60 mil chilenos gritaram vivas ao antigo ditador.


O que o antigo chefe de serviço de informações do Chile veio revelar foi que a fortuna da família Pinochet, de quase trinta milhões de dólares, foi conseguida através de uma rede criada pelo antigo presidente, que se dedicava ao fabrico e à venda de estupefacientes... Será que no Chile também existem as tristemente célebres prescrições? Hélio Bernardo Lopes in Jornal do Norte, Vila Real - Portugal, 07/08/2006













In July he (Alexander Litvinenko) claimed...that the President (Vladimir Putin) was a habitual pedophile...also contented that Putin had been on the take from Mafia groups for years... in Time-Europe, December 18, 2006, pag 26














2006/12/05

O MEU TRABALHO COMPLEMENTA MOZART

Anne Teresa de Keersmaeker não necessita de apresentação. A famosa coreografa esteve em Lisboa onde apresentou um trabalho concebido sobre árias de Mozart.

Álvaro Teixeira Que significa para si trabalhar sobre a música de Amadeus?

Anne Teresa de Keersmaeker É inspirador. A sua música é de tal maneira sublime que é muito especial para mim trabalhar com base nas suas obras.

AT Claro que depende dos intérpretes musicais, mas não corre o risco de ver o seu trabalho, se os intérpretes forem músicos de grande nível, passar para segundo plano?

ATK Não. Eu acredito compreender a música de Mozart e fazer um trabalho que de algum modo a complementa.

AT Anne Teresa: amanhã vamos ter uma orquestra a tocar em instrumentos modernos. Não preferiria que a interpretação fosse feita em instrumentos históricos?

ATK Claro que sim mas a música é tão boa que mesmo com instrumentos modernos vai ser uma excelente performance.

AT Pude ver algumas imagens deste trabalho e penso que foge ao seu estilo habitual. Porque optou por uma estética neo-clássica?

ATK Os figurinos podem ser convencionais mas os movimentos não podem ser classificados como tal.

AT Não estou muito de acordo: o "duo" do bailarino com a cantora, no filme que fizeram para a imprensa, era totalmente neo-clássico...

ATK Bem... de algum modo sim. Foi assim que eu senti e foi essa a minha opção.

AT Dá-lhe prazer trabalhar com música "live"?

ATK Claro. Mas quando se necessita de uma orquestra, como é o caso, torna-se muito caro.

AT Anne Teresa: infelizmente vamos ter de concluir agora devido a um problema com o aparelho que está a gravar a nossa conversa. Foi um prazer falar com uma das criadoras contemporâneas que mais admiro.





A jornalista russa Ana Politkovskaya, uma das jornalistas mais críticas em relação à política do presidente russo, Vladimir Putin, foi assassinada...
"Seu assassinato é um golpe no coração do jornalismo russo. Não será possível compensar sua perda, já que não há ninguém como Politkovskaya e nunca haverá", disse Igor Yakovenko, secretário-geral da União de Jornalistas da Rússia.
http://noticias.uol.com.br
(07/10/2006 - 16h17)

2006/11/24

RESSURREIÇÃO

Novamente a genial segunda sinfonia do grande Gustav Mahler, composta entre 1888 e 1894, revista em 1903 (em 1910 Mahler fez algumas alterações manuscritas na partitura), conduzida por Kazushi Ono* - utilizando a revisão de 1903 - à cabeça dos côros e da Orchestre Symphonique de la Monnaie (Bélgica), sendo solistas nas vozes a soprano Susan Chilcott e a contralto Violeta Urmana. Um "live" de 2002, colocado nas lojas pela etiqueta "apex" da WarnerClassics por pouco mais de cinco euros.

É verdade que as cordas deste agrupamento não são as da Berliner ou da Wiener Philharmoniker, mas a força que Ono consegue extrair da orquestra, fundada na superior qualidade e inspiração dos metais, na eficácia das madeiras, na potência e precisão das percussões e, evidentemente, nas cordas que sustentam consistentemente a excelência dos outros naipes, faz deste registo mais um exemplo de uma interpretação com o(s) sentido(s) dirigido(s) para e pelo sublime, que é a essência desta música.

No texto que acompanha os dois cd's vem um excerto de uma carta de Mahler ao crítico Marschalk na qual o compositor faz um curto esboço da estrutura da obra mas o texto já tinha explicado que foi no funeral do pianista e conductor Hans von Bülow, amigo do compositor, que a ideia de criar uma sinfonia com côro adquire consistência. A entrada do côro, na quarta parte** do quinto movimento, é um dos momentos mais sublimes da história da música. Já ouvi melhor, mas os côros de La Monnaie conseguem garantir o "coeficiente" indispensável para manter a interpretação dentro de um registo determinado pelo belo que transcende absolutamente o lugar da "normalidade". Na parte final do quinto movimento, Violeta Urmana dá continuidade ao impulso temático apresentado pelo corne inglês com a flauta na primeira parte, mais adiante apresentado pelo trombone e aqui retomado pela voz com o corne inglês***, que conduz ao remate final - fundado sobre o tema que simboliza a "ressurreição", que nos é re-exposto pelas vozes masculinas e já tinha sido anunciado pelo coral de metais (a sua primeira enunciação aconteceu pouco depois da abertura, quadro sonoro que foi re-pescado do 3º movimento, enunciação feita pela trompa havendo depois desenvolvimentos com base neste enunciado ao longo de todo o movimento), re-aparecendo com a sua máxima elevação espiritual na primeira apresentação do côro - remate este que é uma das conclusões mais grandiosas e inspiradas de toda a criação artística. AST

* o que tem esta interpretação de genial? 1)o conceito global de tempo e os tempos adoptados 2)a luminosa transparência com que nos são oferecidos os vários quadros sonoros 3)o trabalho temático que é suportado por um conceito global da obra cujo fundamento está em um e que condiciona dois.

** as "partes" a que me refiro são as faixas em que neste cd o movimento é dividido. Noutros registos o movimento aparece numa só faixa e noutros, muito poucos, num maior número de divisões. Estas divisões normalmente correspondem à mudança de "quadro sonoro".

*** não é do meu interesse fazer uma análise deste movimento que para mim é o apogeu da criação orquestral. Este tema, genialmente simples, pode ser analisado como um retardo repetido de meio tom sobre a dominante (a frase descendente que surge como "necessidade" deste retardo resolve na tónica da tonalidade onde nos encontramos que de seguida é submetida a uma modulação ascendente que aumenta a tensão dramática). Tão simples e com um efeito tão grande que só encontro paralelo na simplicidade das quatro notas, três repetidas, sobre as quais Beethoven construiu toda uma sinfonia. Neste caso o tema tem uma função dramática, não geminal, ao contrário do que se passa com as quatro notas de Beethoven. É preciso entender-se que a grande genialidade necessita de pouca racionalização, apesar de ser quem determina as grandes estruturas da racionalidade.






Convém que seja noite porque ele ri
e o seu riso é uma coisa insuportável,
uma feérica praia muito limpa
coberta de pancada e água escura.


Mário Cesariny de Vasconcelos
in Os Bantus e as Aves
citado em A Noite e o Riso
de Nuno Bragança


MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS
nasceu no dia 9 de Agosto de 1923, em Lisboa,
onde morreu no dia 26 de Novembro de 2006





Litvinenko morto pelos serviços secretos

Ex-expião russo do FSB. Em 2001 obteve asilo político no Reino Unido... in Metro-Portugal, 29 de Novembro de 2006, pag's 1, 8 e 9




2006/11/20

Mário Sottomayor Cardia (1941-2006)

Foi meu professor de axiologia e ética na universidade. Uma pessoa educada, serena, que alguns alunos tentaram denegrir, aproveitando uma época em que boa parte da imprensa portuguesa o apresentava como um indivíduo absurdo, uma espécie de palhaço, simplesmente porque se tinha disposto a disputar a presidência sem o apoio de partidos políticos e sem "máquina". Mas não será esse um direito de todos os cidadãos? Não estabeleceu Cardia um paradigma ao ter exercido, ou tentado, um direito dos cidadãos livres, consagrado na constituição portuguesa? Não deveria a imprensa ter tratado com mais respeito alguém que lutou contra a(s) ditadura(s)?
Exatamente nesses tempos em que a imprensa tentava humilhar Sottomayor Cardia, uma "menina", que se considerava muito inteligente e "muito intelectual", escandalizada pelo professor lhe ter atribuído "onze", na escala de zero a vinte, conseguiu arrastar outros alunos num abaixo assinado onde propunham o afastamento da pessoa e professor honesto que sempre foi Sottomayor Cardia. Uns "meninos" que face a outros docentes, mais protegidos ou "poderosos", dos quais todos, ou quase, tinham algo a reclamar, não ousavam sequer apontar o dedo ou levantar a voz. Reclamavam e muito! Em privado e sem nunca desencadearem qualquer procedimento público. Talvez porque existe a ideia que os professores universitários portugueses, depois de passarem a agregados e associados, fazem o que querem, e a avaliação do seu desempenho é um bluff. E que os catedráticos, em Portugal, materializam uma espécie de "sabedoria última" mas, também se sabe muito bem, que muitos não mantiveram os seus conhecimentos "em dia", possuindo uma "sabedoria última"... congelada!* Voltando a Cardia, os alunos aproveitaram-se do desgaste público que ele estava a sofrer para o atacarem. Atitude que revela uma "má humanidade".

Sottomayor Cardia foi uma pessoa boa, um professor discreto, que passei a admirar quando me contaram que foi torturado pela "pide", a polícia fascista, e que manteve uma postura "heróica". Lembro-me que no trabalho que fiz para a disciplina que ele ensinava equacionei partes da Crítica da Razão Prática. Já passaram muitos anos. No entanto recordo-me das sugestões inteligentes que, com uma simplicidade impressionante, Sottomayor Cardia me fez. Não sou católico, mas "paz à sua alma". Ele merece-a bem. AST

* embora as situações abaixo referidas supostamente não aconteçam na universidade pública onde Cardia foi professor, deve ser dito que a actual lei portuguesa da autonomia das universidades, que investe os reitores do poder de reconhecerem diplomas emitidos por instituições estrangeiras, passando a ser válidos dentro da universidade respectiva, abre a porta para o reconhecimento de "diplomas de doutoramento" comprados a obscuras "universidades" privadas, que existem nomeadamente nos Eua, permitindo a qualquer "esperto" que "adquira" um "doutoramento" desses, no caso de um reitor o reconhecer, poder ser professor (ou investigador...) na universidade do reitor que o aceitou. Também os diplomas de doutor emitidos pelas universidades espanholas, que não têm qualquer validade em Espanha porque os diplomas que valem são emitidos centralmente e assinados pela/o ministra/o que tutela as universidades e pelo rei, passam a ser "válidos" em Portugal se um reitor os reconhecer para exercício na "sua" universidade (desrespeitando, se tal acontecer, o que foi assinado em Bolonha onde consta que todo o diploma que não tenha valor no país de origem não tem validade no espaço comunitário europeu). Não só é paradoxal, como permite a disseminação da mediocridade e dos "empregos para os amigos", a lei que actualmente regula a autonomia das universidades portuguesas!














2006/11/05

SEMPRE INTERPRETEI MÚSICA CONTEMPORÂNEA

Se nos pedissem para indicar um nome significativo da interpretação do periodo clássico, a probabilidade desse nome ser Christopher Hogwood seria muito elevada. O histórico músico veio a Portugal, ao Porto, à Casa da Música, dirigir a Orquestra de Câmera de Basel, num programa com obras de Prokofiev e uma sinfonia de Haydn. Foi aí que, durante o intervalo do concerto, conversamos com ele.

Álvaro Teixeira Lembra-se da integral das sinfonias de Mozart que gravou há muitos anos atrás?

Christopher Hogwood Foi a primeira integral com instrumentos da época e foi muito completa. Gravamos as diferentes versões que existem dos movimentos de algumas sinfonias. As pessoas ficaram surpreendidas.

AT Neste concerto conduz Prokofiev. Porquê Prokofiev e Haydn?

CH Porque Prokofiev gostava muito de Haydn e uma sinfonia clássica de Haydn é uma muito boa combinação. Eu gosto de misturar obras clássicas com obras do século vinte. Eu faço muitos programas misturando clássicos e antigos com obras neo-clássicas. Haydn e Prokofiev, Haydn e Stravinsky, Haendel e Hindemith, Telemann e Martinu, e outras combinações.

AT Nunca interpretou música contemporânea? Só neo-clássicos como aqueles?

CH Eu já dirigi estreias mundiais de obras contemporâneas. Por exemplo de John Woolrich. Mas também dirigi obras de Schnittke, Ligetti, Pendereki...

AT Alguns directores começaram pela música antiga e depois foram avançando até aos contemporâneos. Muito poucos. A maioria fica nos românticos...

CH Quando era estudante toquei muita música contemporânea. Por isso para mim não é novo interpretar repertório contemporâneo. Actualmente eu faço poucos concertos utilizando instrumentos históricos.

AT Porquê?

CH Não há muitas orquestras que utilizem instrumentos históricos e grande parte das que utilizam não necessitam de conductor.

AT Mas dirigiu as sinfonias de Mozart...

CH A partir do cravo...

AT É verdade! E Jaap Schroder era o primeiro-violino.

CH Exatamente.

AT Dirige regularmente esta orquestra (Kammerorchestra Basel)?

CH Sim. Em trabalhos que também incluem registos. Já gravamos cerca de seis cd's.

AT Vive no Reino Unido?

CH Sim. Sou professor em Cambridge e aí vivo.

AT A Academy of Ancient Music continua a existir?

CH Sim, claro. Agora mesmo estão a tocar na Holanda, se não estou em erro. Tocam muito. Mas eu já não faço parte.

AT Mas não é o director-artístico?!

CH Não. O novo director é Richard Egarr.

AT O cravista?!

CH Sim. É o novo director desde Setembro.

AT Antes era Manze, Andrew Manze, violinista, mas o nome do Christopher Hogwood aparecia sempre como o director-artístico.

CH Fui director quando Manze era o konzertmeister. Agora Richard Egarr é o novo director.

AT Isto é novidade para mim... Bem... Dirige orquestras sinfónicas?

CH Sim. E também dirijo frequentemente óperas. Em Paris, no Scalla...

AT Que ópera fez no Scalla?

CH Dido e Eneas, de Purcel.

AT Mas isso é música antiga. Modernas, fez alguma?

CH O Rake's Progress de Stravinsky. Também trabalho regularmente com o Tonhalle de Zurich.

AT O que pensa da actual situação musical na Europa?

CH Para responder a essa questão seria necessária uma semana, mas suponho que cada país necessita de mais suportes financeiros. Por todo o lado existem problemas relacionados com isto. Em muitos países existem problemas com o ensino da música. Não sei qual é a situação em Portugal... Em Espanha é mau. Em Itália não é melhor... Ensinar bem ás crianças sai caro mas é necessário.

AT Mas no Reino Unido o governo não dá muito dinheiro para as orquestras. São mais os sponsors... E parece funcionar bem...

CH Cada orquestra gasta grande parte do seu tempo a arranjar sponsors. Tempo que deveria ser melhor aproveitado. É uma pena... Depois as pessoas não sabem o que isso significa. Pensam que são os sponsors que devem escolher os programas, coisa que não pode acontecer nunca. Os sponsors têm de ouvir a música que os artistas desejam tocar. Ser sponsor não significa poder escolher o programa. A orientação de uma orquestra não pode ser mudada pelo desejo dos sponsors.

AT Mas, por exemplo, se olharmos para as orquestras francesas... O estado dá-lhes muito dinheiro e elas continuam menos boas que aquilo que se esperaria...

(risos)

CH Mas o governo britânico também dá muito dinheiro ás óperas. Para suportar uma casa de ópera é necessários muito dinheiro e em Londres são duas casas de ópera. Londres tem cinco orquestras sinfónicas. É muito para uma cidade! Em França é diferente porque é um grande país e as orquestras estão melhor distribuídas.

AT Em Londres as óperas estão sempre cheias...

CH Estão cheias mas continuam a necessitar de sponsors! As pessoas não fazem ideia do dinheiro que é necessário para fazer funcionar uma casa de ópera. Não imaginam que o bilhete que compram não paga os custos.

AT Deve-se continuar a gastar dinheiro com a ópera?

CH Sim. Eu gosto de dirigir óperas. Há óperas modernas muito boas. Por vezes são produções estranhas mas cheias de imaginação. A produção de opera contemporânea está muito activa. Assim como a dança. Os jovens gostam e vão muito frequentemente. A ópera é mais popular entre o jovens que a música sinfónica.

AT Não é uma pena que nesta casa não se possa encenar uma ópera?

CH Não há uma ópera em Portugal?

AT Sim... Mas nesta casa onde estamos agora não é possível encenar óperas. Não há nem lugar para a orquestra nem espaço para a cena. Não é uma pena?

CH Mas há uma casa de ópera em Portugal ou não?

AT Há, mas no Porto não.

CH No Porto não há uma casa de ópera?

AT Não.

CH Eu concordo! Deveria haver uma casa de ópera no Porto. Aí está um novo projecto.

(risos)

AT Eu creio que a segunda parte do concerto está prestes a começar e eu vou terminar a nossa entrevista dizendo-lhe que foi um grande prazer conversar com uma figura tão relevante para a música e a arte como o Christopher Hogwood. E espero que volte brevemente aqui, à Casa da Música.

CH Aqui existe uma boa orquestra sinfónica, suponho.

AT Sim. A Orquestra Nacional do Porto. É a melhor orquestra portuguesa.

CH Em algumas revistas li as programações dessa orquestra e acho que têm uma visão muito inteligente. Se vir os responsáveis diga-lhes que gostaria de desenvolver alguns trabalhos com a orquestra.

AT Eles irão ler esta entrevista. Suponho que todos se irão sentir honrados e contentes com a vontade do Christopher Hogwood em desenvolver projectos com a ONP. Por isso espero encontrá-lo brevemente de novo aqui.

2006/10/29

THE SMARTEST GUYS IN THE ROOM

"Enron", documentário de Alex Gibney (Eua 2005), encerrou o Doc Lisboa 2006, mostrando-nos a face mais radical do chamado "liberalismo": aquele "liberalismo" que consegue tirar "coelhos da cartola" que providenciam ganhos de milhões para alguns dos gestores de topo, e que, no final, conduz ao empobrecimento dos mesmos de sempre: pequenos e médios accionistas que não acederam à "informação priveligiada" e dezenas de milhares de funcionários (não só da Enron) que ficaram sem trabalho. Neste caso, peculiar, até foram arrastados grandes accionistas, os bancos, que fecharam os olhos ás violações das mais elementares "leis do mercado", e da contabilidade, na expectativa de lucros gigantescos. Bancos esses que no final lavam as mãos como se a culpa fosse exclusivamente dos "smartest guys" da Enron.

Um documentário elucidativo do funcionamento do mercado financeiro, que no caso Enron atingiu o seu apogeu máximo com grande estrondo. Algumas pessoas consideraram não ser este um filme para encerrar o festival. De facto, se pensarmos nas grandes figuras presentes neste festival como Vittorio De Seta e Makoto Satô, cujas estéticas, muito diferentes, estão nos antipodas da de Gibney, terei de dar razão a essas pessoas. No entanto, "Enron: the smartest Guys in the Room" foi, e muito bem, apresentado neste "doc". O que para mim é o principal: trata-se de um filme, no mínimo, "pedagógico". A não perder.

No que diz respeito aos filmes em competição que foram premiados e que entendo merecerem uma referência neste espaço, para além do já referido "Kz", quero destacar o trabalho de Cristobal Vicente, "Arcana" (Chile 2005), sobre a prisão de Valparaiso. Trabalho desenvolvido desde 1998, quando a prisão ainda estava em funcionamento, que tem valor como documento e como obra cinematográfica. O travelling aéreo final, partindo da terra avermelhada da prisão abandonada, é exemplo do que acabo de afirmar. O som foi trabalhado com grande inteligência. Um filme excelente que só recebeu uma "menção honrosa" (que palavra feia...).

Excelente e divertido é o filme de Tiago Pereira sobre o que resta das antigas tradições orais do norte de Portugal. Um Portugal "profundo", para muitos desconhecido, que Tiago trouxe, da melhor maneira, até nós. "Onze Burros Caem de Estômago Vazio" (Portugal 2006), só dura 28 minutos. São 28 minutos fantásticos que foram, muito justamente, premiados. Absolutamente a não perder.

Em "Un Pont sur la Drina" (Bélgica 2005), Xavier Lukomski mostra-nos em plano fixo a ponte sob a qual passaram centenas de cadáveres humanos mutilados durante a guerra da Bósnia. A ponte que "viu" horrores e sobre a qual, actualmente, a vida decorre com aparente normalidade. Ouvem-se os testemunhos prestados em tribunal marcial. AST












INCRÍVEL INDIA

Pirjo Honkasalo, da Finlândia, seguiu uma família que, para homenagear a alma da falecida mãe, decidiu fazer uma peregrinação de 6000 km, desde a foz do Ganges até à nascente nos Himalaias.

Em "Atman", que em sânscrito significa alma, de 1996, e que conclui a "Triologia do Sagrado e do Demónio", Honkasalo mostra-nos uma Índia vista a partir do seu interior, uma das Indias que escapam aos turistas e a muitos viajantes: a India vista pelos olhos dos indianos, ou pelo menos uma boa aproximação. Mas também a India das multidões que louvam Shiva e que bebem água "sagrada" do Ganges, onde se vêm cadáveres de vacas e pessoas a boiar. A India dos "fenómenos", a India mística.

O "guião" da realizadora foi a ida e o regresso da parelha que, abandonada pelos membros da família (no início eram 16), concretizou a peregrinação, incluindo o ritual de distribuição da água que trouxeram do Ganges pelos aldeãos, sem o qual a peregrinação ficaria incompleta. Um dos documentários mais interessantes apresentados no doclisboa 2006. AST















VARJOJA PARATIISISSA

A Cinemateca Portuguesa está a apresentar um ciclo comemorativo dos 55 anos dos Cahiers du Cinéma, ciclo esse que integra vários filmes defendidos por aquela publicação e dois que não o foram, tal como referiu um responsável dos "Cahiers".

Dia 26 de Outobro foi apresentado um filme, de 1986, do finlandês Aki Kaurismaki, traduzido para português como "Sombras no Paraíso". Trata-se de um filme que nos fala de um "amor normal" que acontece entre duas pessoas "vulgares", que só deixarão de o ser se imaginarmos que existe uma "ideologia" por trás deste trabalho. Em meu entender é um filme "realista", onde a ausência de grandes sentimentos e de grandes dramas se insere no registo do "finlandês comum", mais que em qualquer conceito estético-ideológico de fazer filmes. Há quem não pense assim. É difícil, para quem vive no sul da Europa, em França ou na Alemanha, país de "grandes ideais", que, frequentemente, descambam em grandes atrocidades, é difícil, dizia, conceber um filme "importante", cujos protagonistas sejam um "homem do lixo" e uma empregada de supermercado. O facto dos protagonistas (Kaurismaki não quer que eles sejam "heróis" mas tão pouco deseja que eles sejam "anti-heróis") serem "pessoas comuns", pessoas comuns com capacidade para tomar decisões, demonstra a vontade de aproximação à "realidade", a uma realidade determinada, é certo, mas uma realidade que cria mais laços com os espectadores que as ficções onde se exageram todos os elementos, onde os "heróis" são "seres extraordinários" e onde se tenta fazer uma "metafísica do cinema".

No final, quando embarcam num barco que os conduzirá a Tallin, que naquele tempo fazia parte da União Soviética, poder-se-á ver qualquer coisa parecida à veiculação de uma ideologia, em correlação com a aridez daquela Finlândia (a Finlândia dos anos 70) que Kaurismaki nos dá a ver. Mas trata-se de uma partida. Elemento demasiado poético para ser tomado como um simbolismo específico. AST















POTOSI

"Nosostros, los de Allá" é o trabalho de final de curso de Anna Klara Ahrén, Anna Weitz e Charlotta Copcutt, produzido entre a Suécia, o Chile e a Bolívia, em 2005. Como trata das minas de Potosi, na Bolívia, que deliberadamente não visitei quando lá estive, decidi ver o documentário.
As três estudantes, se por um lado nos mostraram a triste superficialidade dos "novos viajantes", todos orientados pela mesma "bíblia" (uma edição de guias de viagens muito utilizada), por outro lado mostraram-nos um pouco do que pensam aqueles que trabalham como "loucos" para ganhar uns "cêntimos", definição dos mineiros de Potosi dada por um turista que denota uma estupidez radical.
Todos parecem ganhar, desde as agências de viagens, à empresa que administra a mina, até aos políticos que gostariam que os mineiros trajassem à moda colonial, como quando eram escravizados pelos espanhóis, para os turistas terem um quadro histórico ainda mais fiel. Uma vez que as condições de trabalho são as mesmas que no tempo colonial... Os turistas ganham a experiência, "radical", de descerem ás minas e respirarem um ar rarefeito em oxigénio mas, sobretudo, tal como explicaram, observarem as condições de trabalho miseráveis. A "bíblia" recomenda: a não perder.
Este filme mostra-nos o lado mais absurdo e macabro do turismo contemporâneo: um turismo em que os habitantes dos países ricos se divertem, dizendo que estão ali para "aprender", a observar o trabalho quase escravo, demonstrando uma curiosidade patética. Pena que ninguém tivesse dito que pelo menos metade do dinheiro que os turistas pagam, deveria, por direito inalienável, ser entregue aos "actores": aos mineiros que os "viajantes" vão observar. Naquele dia, segundo disse o dono da agência, tiveram 28 turistas. Cada um pagou dez dólares. Num dia a agência "encaixou" 280 dólares. Quanto ganharão os guias? A questão não foi colocada, apesar de um dos guias ter sido entrevistado. Desconfio que ganham pouco. Talvez um pouco mais que os mineiros. Mineiros que são duplamente explorados, como operários e como "actores", pela administração que recebe da agência por cada turista que visita a mina. As estudantes que fizeram o documentário não colocaram estas questões. Os turistas entrevistados também não. Depois de mais uma experiência de viagem (e de filmagens) espera-os um belo jantar e mais uma noite de copos. Tudo a preços fantásticos. A Bolívia, para os estrangeiros, é um dos paraísos na Terra. Para quê fazer ondas? AST
















O CICLO DA CASA

Amos Gitai, considerado o realizador israelita mais importante, teve alguns documentários apresentados no doclisboa 2006. No seu ciclo de três filmes sobre uma vivenda, mostra-nos os sucessivos donos. Os proprietários originais, árabes, foram considerados "ausentes", tornando-se propriedade do governo israelita que num primeiro momento a alugou.

Em "Bait" (1980), um velho médico palestino visita a casa, que é a casa da sua infância, explica como tiveram de se "ausentar", para salvarem as vidas, devido à guerra de 1948. Vêm-se simultâneamente os trabalhos de ampliação pelo novo proprietário, novo proprietário quando o filme foi realizado, que a está a transformar numa "villa". O velho médico explicou que teve de fechar o seu consultório em Jerusalem porque os impostos que o governo israelita lhe cobrava eram muito altos. Os seus pacientes, árabes, não lhe podem pagar honorários muito elevados, ao contrário dos pacientes dos médicos judeus. Quanto à casa da sua infância, os seus filhos têm dinheiro e gostariam de a adquirir, pois está ligada à história familiar. Porque não a compram, perguntou o documentarista. Impossível. Os israelitas não vendem casas a palestinos, foi a resposta. Este documentário foi censurado pela televisão israelita.

Em "News from Home / News from House", realizado em 2005, Gitai continua a escrever a história de casa. Uma judia, habitante actual, passou a infância em Istambul e interroga-se porque tudo mudou. Na Istambul da sua infância coexistiam, em paz, judeus, muçulmanos, cristãos e outros. Era bonita a diversidade que lá se vivia, acrescentou. AST














Kz

De Rex Bloomstein, produzido no Reino Unido em 2005 e apresentado no doclisboa 2006, é um documento fundamental para se compreenderem, em toda a sua inimaginável dimensão de bestialidade, os actos dos nazis.

As testemunhas não são sobreviventes judeus, mas vizinhos (ainda vivos quando as filmagens foram realizadas) do campo da morte em Mauthausen. Aparece também o depoimento de um ex-membro da juventude hitleriana...

Por outro lado o realizador mostra-nos como o horror, praticado num local que hoje deveria estar reservado ao silêncio, é explorado pelos bares das redondezas, onde se bebe, se dança e se canta muito. Há que ganhar dinheiro, aproveitando com os visitantes que não se sentem nauseados com as atrocidades que foram praticadas. Ou com os que vêm a afogar na cerveja, na cidra e nas canções, as lembranças de um passado monstruoso... Rex Bloomstein, com este trabalho, lembra-nos que nunca é demais re-lembrar que o "mal absoluto" não foi, não é, um mero exercício de pensamento. AST












2006/10/20

O MAL ABSOLUTO

No país do filósofo que preconizou o fim da história com a afirmação do "absoluto", tomou forma aquilo que poderemos definir como o paradigma absoluto do mal: o nazismo.

Os regimes "totalitários", definição "soft" para regimes fundados na violência e na repressão, acabaram por olhar o nazismo, clara ou envergonhadamente, como o seu "paradigma". Seria um exercício interessante vasculhar as histórias de vida de alguns defensores da "vida", contra o direito das mulheres à interrupção da gravidez. Seria de facto uma curiosidade "interessante" se se constatasse, ainda que remotamente, que "muito lá no passado", alguns dos grandes defensores da "vida" e da "família", colaboraram, activa, passivamente, ou pelo silêncio, com os mais atrozes regimes que torturaram e mataram indivíduos e famílias. Já agora será ocasião para perguntar de que modo, em cada país, a igreja católica se opôs ao genocídio levado a cabo pelos nazis. Será que em muitos lugares se limitou a olhar o "ser" que se "desvela" na história, tal como fez Heidegger? E as outras igrejas e religiões, já agora?

Olga, um filme de 2004, de Jayme Monjardim, apresentada na 1ª Mostra de Cinema Brasileiro, em Lisboa, pode não ser um "paradigma estético" da realização cinematográfica, se isso por acaso existe. Nele acontecem "cenas clichés" que, evidentemente, não podiam dispensar as belas mamas, quero dizer belos seios, de Camila, que de resto teve uma performance impressionante na interpretação de Olga Benario, o mesmo se passando com Caco Ciocler que representou Luis Carlos. Mas este filme é sobretudo um documento "para-histórico" importante para a humanidade se confrontar, ainda que em diferido, com o "puro mal", a "pura atrocidade", que Heidegger, com muita filosofia, dizia fazer parte da "humanidade do homem". Deveria ter dito "humanidade" de uma certa espécie, ou sub-espécie, de homens e mulheres. AST












2006/10/15

Entrevista com Christophe Coin

Christophe Coin ofereceu uma interpretação magnífica do concerto RV 417 de Vivaldi, durante um concerto na Casa da Música (Porto - Portugal) em que dirigiu a EUBO (European Union Baroque Orchestra), num muito interessante programa com obras de Locatelli, Dall' Abaco, Hellendaal e Geminiani. Conversamos com o célebre violoncelista durante o intervalo.

Álvaro Teixeira Todo o mundo conhece Christophe Coin, um grande violoncelista que trabalha especialmente o repertório antigo e clássico, cujas interpretações são incontornáveis, e que está conosco na qualidade de director convidado da EUBO. Christophe: é um prazer recebê-lo aqui no Porto e para mim é um prazer muito grande estar a conversar consigo. Conheço e admiro o seu trabalho desde há muitos anos, nomeadamente com o Quarteto Mosaiques que é uma referência mundial na interpretação, muito particularmente, dos quartetos de Haydn e Beethoven. Foi o Christophe quem escolheu o repertório desta noite?

Christophe Coin Pediram-me para fazer um repertório à volta do barroco italiano e o tema é "Crossing Borders", tratando-se de compositores que deixaram os seus países para trabalharem noutros. Haendel é o grande ausente desta noite, pois também deixou o seu país de origem, mas, por outro lado, trazemos compositores menos conhecidos como Hallendal, um holandês que trabalhou em Inglaterra, entre outros lugares, e que criou muitas obras belas. Trazemos outros mais conhecidos como Locatelli, Geminiani e Vivaldi, sendo o concerto que interpretamos deste compositor uma das suas obras menos conhecidas e muito raramente interpretada. A obra de Locatelli (Il pianto d' Arianna para violino e cordas) é muito interessante, tratando-se de "música programática" à volta "del pianto de Ariana". É, basicamente, um repertório à volta do "concerto grosso" italiano que nos mostra as suas diferentes vertentes.

AT Para mim este repertório é muito mais interessante que se nos trouxesse compositores e obras que ouvimos regularmente. Continua a trabalhar com os Mosaiques?

CC Claro. Brevemente teremos vinte anos de actividade e vamos gravar em Setembro os três quartetos de Arriaga, compositor basco, morto em 1926, celebrando-se o seu centenário este ano pois nasceu em 1906 e teve uma morte prematura aos vinte anos.

AT Portanto interpreta repertório para além do antigo e clássico.

CC Sim. Interpretamos nomeadamente os quartetos de Bartok e Debussy.

AT Com cordas de tripa ou de metal?

CC De tripa. O metal nos instrumentos de cordas é relativamente recente. Os quartetos de Bartok e Debussy foram executados em instrumentos com cordas de tripa quando foram criados. Claro que os arcos são diferentes dos utilizados na música antiga...

AT E de música contemporânea, nunca pensou interpretar nada?

CC Não é a minha especialidade. No entanto vamos provavelmente tocar uma obra de Arvo Part.

AT Brrr... Estamos na Casa da Música do Porto. Um edifício (supostamente) emblemático da arquitectura contemporânea. Que lhe parece a acústica?

CC São necessários alguns arranjos. Penso que serão possiveis.

AT Assim o espero. Para além da EUBO dirige outras formações?

CC Sim. Dirijo o Ensemble Baroque de Limonges e sou convidado regularmente para dirigir repertório clássico e romântico com orquestras convencionais. Como violoncelista sou habitualmente convidado para interpretar muito repertório para além do antigo e do clássico.

AT É um percurso típico partir-se do antigo até, pelo menos, ao final do romantismo? Aconteceu com Harnoucourt de quem foi aluno...

CC Cada artista tem a sua singularidade. A diversidade de interpretações enriquece a possibilidade de se escutarem as mesmas obras sob diferentes leituras. Não me parece que possamos falar em percursos típicos.

AT Christophe Coin: o público espera-o ansiosamente para a segunda parte do concerto. Uma vez mais foi um enorme prazer estar aqui conversando com um artista emblemático como o Christophe.

CC O prazer também foi meu.

2006/10/03

LAZAR BERMAN O MÁGICO DOS SONS

O último cd, de um conjunto de sete, começa exatamente com uma interpretação excepcional, "live" (como a generalidade das obras deste conjunto, assim como de todas as edições e re-edições designadas por Historic Russian Archives) da genial sonata para piano D 960 de Schubert, seguida dos arranjos feitos por Liszt de canções do mesmo austríaco.

Lazar Berman foi um discreto pianista que morreu em Florença, em 6 de Fevereiro do ano passado. É considerado por muitos como o maior intérprete de Liszt de todos os tempos. Um pianista que se cansou da vida "trota-mundos" dos artistas famosos, estabelecendo-se, quase permanentemente, em Imola (Itália). Um pianista cujos registos em disco ou cd são raros: daí a importância deste estojo com que a Brilliant Classics nos brinda a um preço de 3 euros por cd.

Esta Lazar Berman Edition é tanto mais preciosa quanto vem de arquivos até à pouco tempo não disponíveis, e se muitas das interpretações são de facto re-edições, outras tratam-se simplesmente de registos feitos pelas rádios "soviéticas" que nunca estiveram disponíveis em disco ou cd.

Uma interpretação deve fazer as pessoas pensar, diz Berman numa entrevista da qual nos são dados excertos nas notas que acompanham os cd's.

A minha abordagem não é intelectual, não somente na música mas também na vida, acrescenta de seguida. O que parece uma contradição é-o aparentemente e isso compreende-se escutando, por exemplo, a interpretação que Lazar nos dá da "Appassionata" de Beethoven, no quinto cd.

No 4º cd cd Lazar Berman interpreta a oitava sonata para piano de Prokofiev sendo evidente o enorme leque dinâmico, a especial sensibilidade e a grande intuição musical deste artista.

No terceiro cd, temos a quarta sonata de Alexander Scriabin da qual Lazar nos oferece uma leitura eléctrica, seguindo-se uma inspirada interpretação da "Fantasia" op 28 do mesmo compositor. Infelizmente, a qualidade sonora destes registos incluídos no terceiro cd, é fraca.

Claro que mais de dois dos cd's são dedicados a Liszt, ou não estivéssemos face a um dos maiores intérpretes das obras do compositor nascido na mesma Hungria que viu nascer Lazar Berman. Há no entanto que destacar a interpretação da "sonata", num registo de 1955. Apesar da compressão das dinâmicas e da falta de tridimensionalidade sonora, percebe-se rapidamente que estamos perante uma interpretação suprema. Utilizando pulsações mais rápidas que as escolhidos pela generalidade dos pianistas, Lazar oferece-nos uma clareza de antologia, um control dinâmico perfeito, uma percepção de forma e uma capacidade expressiva que bem fazem desta leitura um dos principais paradigmas na interpretação desta obra grandiosa. AST

Nota: como curiosidade posso informar que as re-edições "musique d'abord" (harmonia mundi) e "helios" (hyperion) custam, nas principais Virgin e HMV de Londres, em Oxford e Picadilly Circus, três libras e 50, ou seja cerca de 5 euros. Os conjuntos de 5 cd's da Virgin custam cerca de nove libras e as re-edições triplas da DeutschGrammophon podem ser compradas por 6 ou 7 libras.
Da mesma maneira, os bilhetes para os concertos em casas de primeiro plano mundial, como o Barbican ou o Queen Elisabeth Hall, podem ser adquiridos através dos respectivos sites na web por preços a partir de 8 ou 9 libras. Há que acrescentar que todos os lugares têm boa acústica, boa visibilidade e conforto idêntico.
Apesar de não terem poços a jorrar petróleo estas instituições conseguem oferecer ao público preços "muito interessantes", desenvolvendo uma "política social" à qual deveriam estar obrigadas instituições que existem na base de bens legados por benfeitores. Sobretudo se esses benfeitores já morreram e os seus familiares se afastaram.
Claro que quando os cargos e os privilégios são vitalícios e o petróleo jorra do chão, podem-se dar ao luxo de serem um dos principais mecenas de uma das companhias de ópera mais importantes de um país rico. Um país rico onde o governo não suporta financeiramente as companhias de ópera e de teatro. Nem as "grandes orquestras mundiais" que lá residem. Ou pelo menos não suporta o grosso do "bolo"... Mas, ao mesmo tempo, um país onde as empresas privadas são "bons mecenas", sendo-o com generosidade e continuidade.
Mas fica bem... irem de um país pequeno e pobre, onde cobram preços elevados pelos ingressos nos concertos que promovem, para os países ricos mostrarem quanto ricos "eles" são... Afinal, depois de destruirem a única companhia portuguesa de projecção mundial, sempre devem ter sobrado uns dinheiros para distribuir...












2006/09/25

SONATAS PARA PIANO DE FRANZ SCHUBERT

O pianista Michael Endres gravou a integral das sonatas do compositor autríaco para a editora Capriccio que, em 2005, a disponibilizou num conjunto de seis cd's por cerca de vinte euros*.

Este ciclo de obras, frequentemente substimado, é um marco incontornável da literatura pianística, sendo igualmente criações onde a estética romântica se impõe, inaugurando uma nova época, ainda que enquadrada por uma formalização clássica que perdurou até nas grandes formas sinfónicas de Bruckner e Mahler. Para não falarmos dos "neo-clássicos" (e não só...) de hoje. Na realidade o romantismo revolucionou totalmente no aspecto harmónico (pense-se nas últimas peças para piano de Liszt, por exemplo) e na orquestração (pense-se na "Sinfonia Fantástica" de Berlioz, por exemplo) mas, se excluirmos a invenção do "leit-motiv" que é um recurso extra-musical que procura dar consistência ao drama que se desenrola em tempos artificialmente arrastados (o "poema-sinfónico" é conciso e musicalmente eficaz, ainda que recorra igualmente a simbolismos extra-musicais, que de resto estão igualmente presentes nas sinfonias de Mahler, e deve ter-se em conta que foi Beethoven, na sexta sinfonia, quem utilizou esta classe de pensamento estrutural, na grande forma, pela primeira vez), e a sonata para piano de Liszt, que foi de facto inovadora em termos de concepção estrutural servindo-se de uma esquematização que vem do classicismo, o periodo designado romântico, grosso modo, limitou-se a utilizar as formas do classicismo. No entanto na música para piano a "forma sonata" foi praticamente abandonada (Chopin privilegiou as pequenas formas, ainda que tenha composto três sonatas, Schumann trabalhou muito particularmente o encadeamento de peças estruturadas de maneira bastante simples, e Liszt aplicou a grande parte da sua obra para piano a mesma concepção que utilizou nos "poemas sinfónicos"). Neste contexto, o ciclo de sonatas de Schubert, no final do classicismo e início do periodo romântico, faz a charneira entre as duas estéticas.

Mas, principalmente, as sonatas para piano de Schubert são obras de grande genialidade, inspiração e singularidade, que encontraram em Endres um intérprete de grande talento. Escute-se, por exemplo, o Allegro final da sonata D 958, que vem no 4º cd: o exímio controle das dinâmicas, dos crescendos e dos contrastes, a inteligente e contida utilização do pedal, o trabalho dos motivos e a concepção global do andamento tornam esta interpretação numa "referência".

O terceiro cd, que inclui as sonatas D 537, D 568 e D 840, revela pequenos problemas técnicos de gravação, o que não é motivo para não se adquirir esta colecção, que de resto nos é proposta a um preço "muito interessante". AST

* preço (20 euros) praticado pela Companhia Nacional de Música, em Lisboa.


BERLIN STAATSOPER CANCELA PRODUÇÃO!

É de espantar que a polícia alemã, que se considera muito eficaz, não tenha conseguido identificar a origem de uma chamada, ameaçando com mortes no caso de uma produção operística ser levada à cena. Fica-se com a ideia que a Alemanha tem uma tolerância alargada em relação ao fundamentalismo islâmico. Mesmo a reacção da chanceler ("chancelerina"... que termo abstruso...) soa a "politicamente necessário": se houvesse vontade política de defender e salvaguardar, exemplarmente, a liberdade, ter-se-iam dado ordens para ser apresentado o que estava programado, tomando-se todas as medidas para se protegerem os artistas, o pessoal auxiliar, os espectadores, etc, e colocar-se-ia em marcha uma operação policial para identificar e deter os autores (e eventuais "operativos") das ameaças a uma liberdade elementar, fundamental e básica, que é a liberdade de criação artística. Isto remete-nos ao "caso van Gogh": um artista assassinado por exercer a liberdade de opinião nas suas criações! Desta forma, as expectativas em relação a uma "Europa das Nações", que assenta precisamente na liberdade de pensamento, de expressão, assim como na salvaguarda do direito à opinião crítica, não são exatamente as melhores... Bem fizeram os noruegueses que não quiseram entrar neste "filme". AST


2006/09/15

DO SUBLIME

Se o nosso mundo acabasse e se salvassem somente as sinfonias de Gustav Mahler, ficaria o melhor e mais genial que este mundo produziu. Ficariam, os futuros habitantes do mundo, caso os haja, com uma ideia errada da nossa realidade, onde o registo do sublime é demasiado pontual.

Entre as geniais sinfonias deste compositor, um judeu autríaco, a segunda, é uma obra imensa, impressionante, grandiosa, um dos lugares onde conceitos como "belo" e "sublime" ganham materialidade e se dotam de um paradigma, paradigma esse que lhes possibilita serem conceitos dotados de sentido.

Existem muitas interpretações grandiosas desta sinfonia. Desde aqueles que trabalharam directamente com o compositor a outros que conseguem oferecer-nos uma leitura significativa da obra. Tal origina a que seja tarefa fácil referir alguns nomes e registos importantes, sem termos de pensar muito. Mas quando num concerto ao vivo se juntam o impacto de uma obra desta natureza com uma leitura excepcional feita por artistas que, pelo seu talento e sensibilidade, constroem a história, nessas alturas, raras, temos o contacto directo com aquilo que abstractamente designamos por "sublime", referindo-nos, sempre num registo abstracto, a algo de muito excepcional e absolutamente transcendente dos melhores lugares comuns.

A Berliner Philharmoniker*, conduzida por Simon Rattle, com Magdalena Kozena e Soile Isokoski, respectivamente mezzo-soprano e soprano, e com o Niederläandischer Rundfunkchor, ofereceram-nos um desses raros momentos que ao longo de toda uma vida se tornam momentos paradigmáticos, que nos permitem o acesso directo ao transcendente e ao sublime e que dispensam qualquer discurso ou análise posterior, porque eles são "o paradigma", ou um dos paradigmas, com os quais tudo o resto é confrontado, numa relação de "modelo" ao "original". Rattle é uma das referências de sempre na interpretação das sinfonias de Mahler. Pode ser comparado com leituras diferentes de outros, poucos, geniais mahlerianos, numa confrontação de paradigmas interpretativos diferentes. Nada mais nada menos que isto. Kozena é das vozes mais musicais e mais belas de todos os tempos. Isokoski é igualmente uma grande artista dotada de uma sensibilidade rara. O Niederläandischer Runfunkchor, na sua primeira entrada, etérea e sustida, provocou as lágrimas em grande parte dos ouvintes: foi um "momento exemplar", um "il tempore". A Berliner Philharmoniker ofereceu-nos o que dela se esperava: a perfeição técnica, um "grande som" e uma elevada capacidade expressiva. Tudo isto servido pela espectacular acústica da Philharmonie. AST

* este concerto fez parte de musikfest berlin06. A segunda sinfonia de Mahler foi precedida por Stele de György Kurtág, uma obra muito interessante de 1994, numa leitura magnífica de Rattle à frente da Berliner Philharmoniker.


2006/09/04

SUITES DE JEAN PHILIPPE RAMEAU

A European Union Baroque Orchestra, dirigida por Roy Goodman, oferece-nos uma electrizante interpretação da Platée Suite, seguida das Pigmalion e Dardanus Suites.

As suites são extraídas das óperas com aqueles nomes e são basicamente constituídas pela abertura seguida dos movimentos de dança que são indispensáveis nas óperas da época. Não nos devemos esquecer que as suites instrumentais "puras" mais não são que agrupamentos de peças com ritmos e nomes de danças. Nestas suites extraídas de óperas encontramos os habituais movimentos de dança que no contexto original eram coreografados, sendo, como acima foi dito, peças fundamentais da obra uma vez que o público, basicamente a "entourage" real de Versailles, esperava no decurso de uma ópera poder assistir a vários momentos de dança. O processo de construção das suites era portanto a acoplagem de todos ou alguns do movimentos de dança precedidos pela abertura.

Se bem que Pigmalion seja a mais célebre entre as suites devido à celebridade do "ballet-ópera" donde foi extraída, baseado nas "Metamorfoses" de Ovídio, na minha opinião, a mais fabulosa é a Platée Suite. Nestas peças instrumentais, destinadas a serem dançadas, Rameau atinge um grau de criatividade e inspiração só comparável ás páginas mais geniais de toda a história da música. À abertura, que é em si mesma uma obra de grande musicalidade, segue-se uma pantomina com ritmo de minueto e uma dança cujo ritmo é contrastante, pelo andamento e pela forma, apesar de ser igualmente ternário. Logo de seguida a "Orage" quebra toda a tranquilidade criada pela "air de ballet": foram os deuses quem desencadeou esta tempestade que é o momento mais fantástico desta suite e uma das páginas mais inspiradas do barroco musical. A interpretação é tecnicamente perfeita, plena de musicalidade e inspiração. À "Orage" segue-se um diálogo musical designado por "Air des fous gais et des fous tristes" ao qual se seguem os minuetos que, surpreendentemente, se assemelham a uma cantilena triste. A suite termina de maneira ritmada e contrastante com "Rigaudons I & II". Já a Pigmalion Suite termina com "Air gracieux et gai et contredanse" que todos nós já escutamos algum dia, provavelmente sem sabermos que o autor é Jean-Philippe Rameau. A abertura desta suite é igualmente uma obra de génio, encontrando nestes intérpretes quem materialize o seu contido explendor de maneira absolutamente notável. Já a abertura de Dardanus começa com uma marcha em tonalidade maior à qual se contrapõe um segundo tema mais fluído mas com um carácter mais meditativo, temas excepcionalmente trabalhados por estes intérpretes de excelência dirigidos pelo grande músico e director Roy Goodman. Desta suite há que referir a célebre "Air gay en rondeau" que aqui é re-criada com uma respiração e um equilíbrio dinâmico surpreendentes. Estes registos fora-de-série, gravados entre 1999 e 2003, foram editados pela Naxos e postos à disposição do público em 2005. AST



Ha, Laden!

Gostava de séries americanas e desejava Whitney Houston de "forma intensa". Quando tinhamos sexo ele gostava de se "pedrar"... quando tudo terminava, desligava a música, caía na religião e ia rezar, conta Kola Boof... que... por revelar Bin Laden de forma tão surpreendente recebeu ameaças de morte. in Metro-Portugal, 11 de Setembro de 2006



2006/08/31

KETCHUP COM CHOCOLATE

A retrospectiva da obra de Paul McCarthy, presente até 3 de Setembro no Moderna Museet, em Stockholm, é, juntamente com a exposição das obras de Vassily Kandinsky (Василий Кандинский) que esteve presente na Tate Modern, em Londres, uma das mais importantes exposições mundiais realizadas nos últimos meses.

Para quem não conheça MacCarthy esta retrospectiva pode ser um "susto", ou mesmo uma mostra do que pode ser a "não arte". Junto das embalagens sujas pelo conteúdo (ketchup), viam-se placas dizendo "não tocar na obra de arte".

Mas a obra de MacCarthy vai muito além do ketchup. As barbas do pai natal estão sujas de chocolate. Só se pode deduzir que o bandido em vez de colocar os chocolates nas cheminés, para que as crianças os comam e engordem que nem uns porcos, ou porcas se preferirem, decidiu comê-los ele mesmo. Mas isto é pior que roubar os doces ás mesmas crianças!

Mais interessante é a do Urso com o Coelho. O Urso, com ar de grande prazer, sodomiza o coelho que, de boca aberta, aparenta não desgostar do suplício.

Criativo, criativo mesmo, é o robôt, uma perfeita imagem de um homem de "meia idade", agarrado a uma árvore, que num movimento de vai e vem, introduz o sexo, neste caso uma alavanca do mecanismo, num buraco da mesma. Mais ecológico e, claro está, para contentamento dos especialistas em pedagogia, é o outro, que, umas árvores ao lado, faz o mesmo com a "terra mãe"...

Mas o que me fascinou mesmo, ao ponto de ficar um bom quarto de hora a tentar perceber o que se passava, é o porco da entrada. O "tipo" respira, num movimento que se prolonga por todo o corpo, num sono que os deuses porcinos bem poderão invejar. Robôt ou um "ser a sério", mantido em estado de letargia, ainda que os robôs também o sejam ("seres a sério")? Finalmente baixei-me e lá descobri o mecanismo que MacCarthy não pretendeu esconder.

Os filmes de McCarthy bem poderão ser exemplos da vertente masoquista e esquizofrénica dos humanos mas, na verdade, o difícil é mesmo conseguir-se vê-los até ao fim. Todos sabemos que o sangue é ketchup e que a merda é chocolate. Talvez por isso mesmo, devido à fronteira, nem sempre evidente, entre o doce e a merda, nos sentimos tão incomodados. Nunca estamos seguros de saber onde está, e se está, a "linha" que demarca... AST







A propósito da crítica...















2006/08/25

JÄRVI INTERPRETA OBRAS DE SUMERA E TÜÜR

No que diz respeito ao concerto de hoje, o último a que assisti neste Baltic Sea Festival 2006, no penúltimo dia do mesmo, a nossa expectativa era elevada: Paavo Järvi à frente da Estlands Nationella Symfoniorkester (Estonian National Symphony Orchestra) dirigiu a sinfonia número quatro, Magma, uma obra para orquestra e percussões, de Erkki-Seven Tüür, que é um compositor de grande criatividade e singular capacidade de desenvolvimento temático. Desta obra fantástica, a electrizante percussionista Evlyn Glennie deu-nos uma leitura memorável, acompanhada por uma orquestra coesa que deu o seu melhor pela obra do compositor estoniano, conterrâneo da orquestra, sob a batuta precisa e inteligente de Järvi. Igualmente foi apresentada a sexta sinfonia de Lepo Sumera (1950-2000), que é uma das mais impressionantes obras musicais que alguma vez escutei. Järvi, um dos condutores mais interessantes da actualidade, deu-nos uma leitura grandiosa e comovente desta obra maior que há-de fazer história porque é absolutamente genial. Foi também feita uma magnífica leitura do Prélude à l'aprés-midi d'un faune, de Debussy e de Eldfågeln de Stravinsky, que finalizou o concerto. Nesta obra, infelizmente, o primeiro trompa "deslizou" uma vez, e o primeiro violoncelo, no seu curto solo, não esteve bem. Coisas que podem acontecer aos melhores... No entanto, este concerto, devido à leitura fora-de-série das obras de Tüür e Sumera, foi, em meu entender, o acontecimento mais relevante deste festival. AST

Curiosidade: o pai de Paavo, Neeme Järvi, é uma das grandes referências na interpretação da música "neo-clássica", nomeadamente Shostakovich.















SALONEN INTERPRETA SIBELIUS E CONTEMPORÂNEOS

No ante-penúltimo concerto deste Baltic Sea Festival 2006, a Sveriges Radios Symfonikester, dirigida por Esa-Pekka Salonen ofereceu-nos duas obras contemporâneas, seguidas da sétima sinfonia de Sibelius.

Maro, uruppförande, de Kimmo Hakola, da Finlândia, foi uma encomenda deste festival. Trata-se de uma obra para grande orquestra onde são exploradas densidades sonoras e tímbricas, dentro de uma estética próxima de um Ligetti, de onde emergiram paisagens sonoras diferênciadas e inspiradas na magia do mar, nomeadamente do Mar Báltico.

Eleven Gates, de Anders Hilborg, executada pela primeira vez em Los Angeles no início deste ano, teve neste concerto a sua estreia europeia. Trata-se de uma obra, como o nome indica, dividida em onze partes, sem pausas, que faz referências a obras de outros compositores. Musicalmente é um trabalho bem conseguido, que revela um conceito orquestral fantástico e que nos remete para paisagens sonoras mágicas, mas onde o acorde de dó maior que dá o nome à primeira "porta", e a encerra, seria, em meu entender, evitável, pois produziu um efeito kitsch, auditivamente dispensável. No entanto, no global, trata-se de um excelente trabalho que cativou o público e os músicos, tal como aconteceu com a obra de Kimmo Hakola.

A leitura que Salonen nos ofereceu da sétima sinfonia de Sibelius foi arrebatada, revelando, simultaneamente, uma grande consistência estética e formal. Ininterruptamente os movimentos sucederam-se num fluir natural que conquistou a sala que no final aplaudiu de pé. AST














2006/08/24

Concerto pelo Côro da Rádio Sueca

Dirigido por Peter Dijkstra o Radiokören apresentou algumas obras contemporâneas e do século passado, assim como "Warum ist das Licht..." de Brahms.

Entre as obras do século vinte foi apresentado o célebre "Agnus Dei" de Samuel Barber, que teve uma leitura excelente e cativante. Brahms não esteve mal mas as expectivas iam para as obras mais contemporâneas como Canticum Calamitatis Maritimae de Jaakko Mäntyjärvi. Uma obra interessante, densa e, justamente, muito apludida que foi escrita em memória das vítimas que morreram do desastre de ferry que aconteceu na Estónia em 1994.

Andliga Övnigar, de Carl Unander-Scarin, foi outra das obras que criou expectativas e que se revelou igualmente de grande interesse e musicalidade e que teve uma leitura fabulosa por este grupo coral tutelado por Dijkstra.

Songs of Ariel, de Frank Martin, foi outro conjunto de momentos interessantes e muito bem interpretados, de um concerto que terminou com ur Vigilia de Einojuhani Rautavaara, uma obra que nem surpreendeu nem fugiu ao habitual estilo do compositor.

Temos de reconhecer que este grupo coral possui elevada qualidade que se revela no controle perfeito das dinâmicas e respectivas nuances, da sonoridade e expressividade. Vê-se que são um grupo de artistas coeso, com excelente nível técnico e que adora o trabalho que faz. O repertório foi inteligentemente escolhido, fugindo aos padrões aborrecidos do repertório coral. Também por isso merecem um grande bravo. AST
















2006/08/21

GENIAL LEITURA DA SÉTIMA SINFONIA DE SHOSTAKOVICH

Esta sinfonia, escrita durante o cerco de Leninegrad em 1941, revela, talvez, um compositor dilacerado não só pelo dilema de servir como publicidade a um estado totalitário ou ser acusado de traidor, mas também pelo facto da cidade de Leninegrad estar a ser assediada pelas tropas nazis.

O segundo tema do primeiro movimento repete-se até à exaustão, num processo de aumento de densidades, como acontece no Bolero de Ravel, mas aqui o andamento não se conlui no auge desse processo. O tema é menos interessante e mais elementar que aquele utilizado por Ravel sendo, talvez, este aspecto que investe de uma ironia cáustica o primeiro movimento da sinfonia dominado pela ciclicidade obcessiva do referido tema.

Não é qualquer condutor ou qualquer orquestra que conseguem oferecer uma leitura interessante desta sinfonia, que pode transforma-se num imenso aborrecimento com muito som, muitos fortíssimos e, aparentemente, pouca complexidade estrutural. Trata-se afinal de uma obra que o povo pudesse compreender, tal como o regime exigia a Shostakovich...

Valery Gergiev, à frente da Mariinsky Theater Orchestra, conseguiu transformar uma obra potêncialmente desinteressante num "chef-d'oeuvre".

Primeiro há que dizer que esta orquestra é uma orquestra de primeiro plano, tecnicamente perfeita, com uma sonoridade grande e densa, com músicos dotados de grande versatilidade e talento. Depois há, para sermos justos, reconhecermos que Gergiev é um condutor genial, cujo carisma, em si mesmo, inspira os instrumentistas.

A maneira profunda e essencial como foi tocado o movimento lento deu-nos uma ideia da dimensão deste condutor e desta orquestra, mas a forma como foi trabalhado o primeiro movimento demonstrou, igualmente, isso mesmo. Deram-nos uma leitura orgânica, consistente e fantástica daquele andamento que pode ser difícil de "colar". Igualmente o "moderato" foi impactante e o "allegro non troppo" concluiu, com a grandiosidade pretendida (e exigida...), pelo regime dos sovietes, esta obra impressionante. AST

Curiosidade: por motivos de segurança parte dos instrumentos da orquestra ficaram retidos no aeroporto de Londres, tendo sido usados, neste concerto, instrumentos da orquestra da rádio sueca.














2006/08/20

BALTIC SEA FESTIVAL 2006

O Baltic Sea Festival, acontece em Stockholm e suporta a luta contra a pesca ilegal no Mar Báltico. Infelizmente este festival acontece ao mesmo tempo que o festival de Helsinki, obrigando a uma escolha. O interessante é que grande parte dos artistas e do repertório é finlandês ou estoniano (e russo...). Há que notar a ausência de qualquer orquestra ou agrupamento finlandes entre os agrupamentos que se apresentam neste festival de Stockholm.

Tanto em Helsinki como em Stockholm, o acolhimento foi amigável e despretencioso desde o primeiro momento, acabando, devido aos programas, agrupamentos e condutores, por optar por este Baltic Sea Festival.

No que toca aos programas oferecidos interrogo-me, com alguma perplexidade, porque não foi apresentada Lady Macbeth, de Shostakovich, interpretada pela orquestra do Mariinsky, em Londres*, semanas atrás, e sim o Falstaf de Verdi. Um enigma...

Quanto aos concertos previstos aconteceu uma baixa (divulgada na conferência de imprensa do dia 19, à qual não assisti), devido a problemas de dinheiro. Trata-se exatamente do que estava marcado para o dia 23, em que Paavo Järvi ia dirigir a Mariinsky Theatre Orchestra, interpretando a primeira sinfonia de Schumann e a décima de Dmitry Shostakovich. Uma baixa de peso...

Como alternativa foi-me proposto um concerto, que já estava programado mas ao qual não pensava ir, com o Swedish Radio Choir, que me foi apresentado como sendo um dos melhores grupos corais do mundo.

No "cocktel", antes do primeiro concerto, o ministro dos negócios estrangeiros da Suécia salientou que este festival demonstra que a zona do Báltico está unida em torno de valores não materiais mas artísticos e culturais. Esperemos sinceramente que assim seja... Esa-Pekka Salonen, director-artístico do festival, salientou a importância da vinda dos seus colegas Paavo Järvi, Valery Gergiev e Manfred Honeck.


A primeira obra a ser interpretada no primeiro concerto do festival foi Open Ground da compositora russa, que vive na Suécia, Victoria Borisova-Ollas, nascida em 1969, com quem conversei no final da primeira parte do concerto e reconheceu ser esta sua obra "um bocadinho tonal". O que não é crime nenhum! Victoria demonstrou ser capaz de um excelente trabalho orquestral e Honeck dirigiu eficazmente uma obra digna de abrir o festival, obra esta que de resto foi encomendada expressamente para a ocasião. Seguiram-se excertos do Idomeneo de Mozart que não me convenceram, tendo o desempenho do cantor sido demasiado mediano. De seguida foi interpretado o concerto para clarinete, com Fröst como solista. Fröst revelou uma técnica suprema, invejável, mas algum mecanicismo. Já no encore que ofereceu, uma obra de música tradicional, para além da técnica notável, revelou a sua capacidade de entrega e arrebatamento.

No "moderato" incial da quinta sinfonia de Dmitrij Shostakovich, Honeck conduziu a orquestra para uma leitura demasiado marcada. A Sveriges Radios Symfoniorkester revelou, sobretudo no naipe dos violoncelos, alguma falta de volume e densidade sonora. No entanto, a partir do "allegretto", o condutor revelou ter um conceito interessante, trabalhando com especial ênfase os contrastes dinâmicos, ao que a orquestra respondeu perfeitamente. No movimento lento foi-nos oferecida uma leitura bem sustentada e densa, ao qual se seguiu um esfusiante "allegro non tropo" que, no final, fez saltar o público das cadeiras aplaudindo e gritando bravos. AST


* Em Londres foi interpretada Katerina Izmaylova, que é uma revisão de Lady Macbeth of Mtsensk, feita por Shostakovich para apaziguar as autoridades soviéticas, revisão que o compositor assumiu como "a versão definitiva".











2006/08/06

LA NOZZE DI FIGARO

No segundo dia, The Riga Opera Festival 2006 apresentou a celebrada obra de Mozart.

Na verdade se dos cantores se esperava o melhor, o desempenho da orquestra, devido ao que aconteceu no dia anterior, deixou-nos em grande expectativa e receio de um desastre numa obra que todos conhecem bem. Grande foi a surpresa pelo facto da orquestra parecer outra: as cordas estiveram afinadas e consistentes, os metais apresentaram uma boa sonoridade (claro que não se podem comparar as partes dos metais em Mozart com as mesmas em Shostakovich...), o mesmo se passando com as madeiras (idem). Musicalmente tivemos uma performance de boa qualidade, preparada pelo conductor Zbignevs Graca e dirigida por Andris Veismanis, o conductor-assistente.
Nas vozes temos de assinalar o desempenho da cantora lituana Asmik Grigorian que, no papel de Susana, se afirmou absolutamente como a grande estrela desta performance. Armands Silins, como Figaro, foi igualmente um dos grandes expoentes da noite. Laimonis Pautienis corporizou muito bem o conde Almaviva, o mesmo se passando com Anna Wierzbicka, que encarnou a condessa Almaviva e Justyna Reczeniedi que interpretou Cherubino, sendo estas duas cantoras polacas. Se tivermos em conta que por falta de tempo não houve nenhum ensaio geral com o elenco referido, temos de reconhecer que fizeram um excelente trabalho.

Depois de saudar, merecidamente, os instrumentistas e cantores, tenho de falar do trabalho da encenadora Vera Nemirova. Nemirova fez o que muitos encenadores sonham: metamorfosear a obra musical e apresentar uma re-leitura da mesma em que a cenografia surja como o aspecto fundamental. Nemirova impediu que escutassemos devidamente a abertura porque colocou actores a incentivarem os ouvintes a bater palmas. Nemirova colocou uma das cantoras a cantar uma musica pop, porque entendeu que assim passava melhor a ideia de engate de praia. Nemirova introduziu textos novos fora dos recitativos: piadas idiotas para o publico rir. Ou sorrir... Nemirova quiz mostrar-nos que a performance acaba quando ela entende: terminada a partitura os cantores continuaram no palco a fazer uma cena gratuíta. Percebeu-se bem a ideia... Soubemos posteriormente que Nemirova pretendeu, criando uma terrível disputa com o maestro, que no final a orquestra tocasse novamente a abertura para a absurdidade com que rematou a noite ter como fundo sonoro nada menos que a genial abertura de Mozart...
O trabalho de Nemirova teve aspectos bons? Claro que teve. Revela rasgos e tira os cantores, neste caso um cantor, do palco: a aria do despeito de Figaro, entre os espectadores e com os focos sobre a plateia, foi brilhante. O trabalho com o kitch foi bem concebido e a ideia de re-situar a performance discorrendo e decorrendo dela mesma, não sendo inovadora foi interessante.

No entanto a forma como a obra musical foi afectada deve levar-nos a reflectir profundamente sobre o papel dos e das encenadoras: a partir do momento em que o seu trabalho causa problemas ao desempenho musical, para evitar ter de se prescindir do aspecto cenografico, tem de se deixar bem claro, e escrito no contrato, que compete à ou ao conductor a palavra final no que diz respeito aos aspectos funcionais da performance, ou seja: a/o conductor não pode exigir este ou aquele estilo de cenografia, mas pode obstar, por exemplo, que elevar uma cantora, obrigando-a a cantar suspensa, não se coaduna com a salvaguarda da qualidade musical pretendida.

Eugen Oneguin, de Tchaikovsky, apresentado no penúltimo dia deste festival, que terminou com Aida de Verdi, à qual já não assisti, revelou novamente uma orquestra com uma sonoridade péssima, das piores que alguma vez escutei, o que me leva a crer que a qualidade dos instrumentos deve ser muito fraca. Quando o naipe dos violoncelos tocava, o timbre era tão mau que encontro dificuldade em exprimir a minha incomodidade. Os metais e as madeiras voltaram a estar como aconteceu em Shostakovich: tocam afinados mas a sonoridade é horrível.* Os solistas estiveram bem, como habitualmente. Só não compreendo como conseguem ter um bom desempenho acompanhados por esta orquestra... O cõro, aceitável das outras vezes, aqui entrou quase sempre a gritar: pareciam desesperados para se fazerem ouvir! O conductor, o mesmo que dirigiu Shostakovich, tem, evidentemente, responsabilidades neste mau desempenho do grupo coral. A cenografia foi ridícula mas fez boa parceria com o melodrama de Pushkin, uma historieta "demodé" e desinteressante, a partir do qual Tchaikovsky elaborou o libretto. Enfim... Simplesmente inenarrável. AST

* os instrumentos que artistas que ganham 350 ou 400 euros mensais podem adquirir não devem produzir um grande som...
















LADY MACBETH DE MTSENSK NA LATVIAN NATIONAL OPERA

A impressionante e atribulada obra de Dmitry Shostakovich abriu o festival de Agosto da LNO. Esta obra, inspirada no livro de Nikolai Leskov, que teve como seguidor Dostoiesvsky, desencadeou uma tempestade no dia em que Stalin apareceu para a ver, saindo furioso num dos intervalos. No Pravda de 28 de Janeiro de 1936, dois dias depois daquele evento, foi publicado um violento texto que procura destruir a obra de Shostakovich.

Significativo o facto desta opera ter sido estreada aqui, em Riga, somente em 1963, quase trinta anos depois da estreia em Moscovo que aconteceu em 22 de Janeiro de 1934. A obra foi totalmente banida e nos anos 60, devido a alguma abertura permitida por Nikita Krutchev, foi possivel voltar a ser escutada no reino dos sovietes.

No que diz respeito a esta performance devo dizer que o encenador Andrejs Zagars teve um trabalho meritoso transpondo, de forma conseguida, para a actualidade o contexto do drama.

Aira Rurane teve um excelente desempenho no papel de Katerina Izmaylova, tendo sido a artista mais ovacionada da noite. Aleksandro Antonenko, dono de uma voz bem projectada, bem colocada e com um belo timbre, teve igualmente um grande desempenho no papel de Sergey. De uma maneira geral todos os solistas vocais estiveram bem, o mesmo se passando com o grupo coral. No que diz respeito aos instrumentistas tenho de dizer que as cordas estiveram fracas e desafinadas. Os metais tocaram as notas escritas na partitura mas ofereceram-nos uma sonoridade pobre. As madeiras tiveram um desempenho regular mas apresentaram timbres demasiado abertos insistentemente. Os intrumentos percutidos estiveram relativamente bem, mas isso é muito pouco.

Martins Ozolins, o condutor, seria facilmente substituido por um metronomo: limitou-se a marcar os tempos e a dar as entradas que achava importantes. Apagado e sem rasgos, deu-nos uma leitura asseptica de uma obra tremenda. Francamente... Shostakovich merecia (muito) melhor. AST