2006/04/26

CRESCI COM A MÚSICA CONTEMPORÂNEA

Philippe Pierlot, um histórico na interpretação da chamada música antiga, foi uma figura central da Festa da Música, intitulada A Harmonia das Nações, que aconteceu em Lisboa entre 21 e 23 de Abril. Ofereceu-nos um elevado número de concertos com um amplo repertório, tanto estilística quanto instrumentalmente, e, finalmente, encerrou a "festa" (os concertos dos outros grupos que se seguiram a Dido and Aeneas foram repetições) com o grande ex-líbris deste evento: uma interpretação genial e electrizante de Dido and Aeneas de Henry Purcell. Conversamos com o director-executante no final de um dos concertos que realizou dia 22 de Abril, no qual interpretou, com o Ricercar Consort, obras de Purcell e Lawes.

Álvaro Teixeira Acabamos de o escutar interpretando e dirigindo obras muito antigas...

Philippe Pierlot Toquei um repertório à volta de Henri Purcell, seguramente estre os compositores barrocos dos mais importantes. Ele pertençe a uma época muito muito rica em Inglaterra, particularmente a época elisabeténe e nesta época em Inglaterra há um número absolutamente impressionante de compositores de um nível excelente. Os mais conmhecidos são Bird, que não é um compositor muito conhecido mas que, em meu endender é um dos grandes compositores da história da música, quase ao nível de alguém como Bach, ao nível da ciência e da profundidade da composição. Bird que não tocámos neste concerto...

(risos)

PP Purcell é o herdeiro desta tradição polifónica inglesa, muito pessoal, no sentido destes compositores que posssuem uma verdadeira identidade, ligada, talvez, à insularidade dos ingleses, e voilá, as peças que tocamos hoje, particularmente a fantasia Purcell são ao mesmo tempo o apogeu e o canto do cisne desta tradição porque, despois de Purcell, esta tradição de escrever fantasias para conjuntos de cordas, vai acabar, sendo portanto a apoteose e o fim desta rica escola.

AST Mas estas obras soam a algo extático, não acha?

PP Então...

AST Não se sentem as modulações...

PP Não partilho nada da sua opinião...

(risos)

PP Acho exatamente o contrário...

(risos)

PP Dentro da música barroca, e em particular nas fantasias, Purcell é dos compositores mais audaciosos, ao nível, justamente, da harmonia. Purcell foi muito influênciado pela música italiana. Bom... a música que tocamos neste concerto, é verdade, vem de uma outra tradição. Da tradição da música muito melancólica. É verdade que não é uma música extrovertida. É totalmente o contrário disso. É uma música muito interior. Na obra de Purcell há outro tipo de produções mais influênciadas pela escola italiana porque Purcell gostava muito dos compositores italianos, mas ele apreciava-os não pelo seu aspecto exuberante, mediterrâneo, digamos, mas, pelo contrário, pela profundidade das suas composições. E naquela época em Itália existiam compositores que faziam exatamente investigação no sentido de encontrarem harmonias mais ricas e expressivas. Estamos no lado oposto a figuras muito conhecidas como Vivaldi que é mais exuberante e mais...

AST E quais são esses compositores italianos a quem se está a referir?

PP Na música instrumental um compositor que seguramente influênciou Purcell foi Vitali. Coreli vem mais tarde mas há na escola de Roma gente como Carissimi, Cavalli, há também um compositor menos conhecido chamado Maratolli. São compositores muito audaciosos que fizeram muita investigação. Mais tarde, no século dezoito, há a nascença do classicismo que se vai instalar com as formas bem conhecidas como o concerto e a sonata.

AST Muito bem. Nesta festa da música traz-nos exclusivamente repertório da Inglaterra, não é verdade?

PP Pois. De facto o projecto de La Foule Journé, aqui Festa da Música, deste ano, era à volta da Inglaterra. Quando nos contactaram este era o tema que estava previsto e depois ao longo do tempo foi evoluindo para a Harmonia das Nações, mas nós já tinhamos começado a preparar algumas obras. Por isso também vamos fazer um programa com Núria Rial com Haendel. Também é verdade que no nosso repertório temos sempre imensa música alemã como Bach e os seus ancestres... Mas eu penso que o tema da música inglesa é um tema muito bom e muito interessante pois esta música está entre a mais rica mas é talvez a menos conhecida e, é necessário dizê-lo, a menos acessivel ao público pois como sublinhou, e bem, há muita melancolia e extaticismo nesta música. Não é uma música que dê vontade de balançar-nos enquanto a escutámos. Mas possui uma riqueza que é muito interior e que requer uma certa iniciação para conseguir apreciar toda a sua excelência.

AST Numa certa medida é uma espécie de Harnoncourt dos tempos modernos...

(risos)

AST Pensa "evoluir" para o classicismo, ou não?

PP Em duas semanas partimos para o Japão e lá vamos tocar Haydn e Mozart...

AST Ha!

PP Mas é a excepção para nós...

AST Ho...

PP Bom... Eu toco viola de gamba, por isso o meu repertório é sensivelmente o século dezassete, o século dezoito também... todo este periodo em que a viola de gamba teve uma grande projecção e muito repertório foi escrito para este instrumento. Mas eu toco também o bariton que é um instrumento menos conhecido, parecido com a viola de gamba, mas com cordas simpáticas, e para o qual Haydn escreveu muita coisa. E é verdade que me sinto muito próximo da música de Haydn. Por outro lado, pela primeira vez dirigi o Exultate de Mozart, recentemente.

AST Este é um percurso bem conhecido... músicos que começam pela música muita antiga, passam ao barroco e pouco depois ao clássico. Para já não falar dos que "saltam" para o romãntico... Harnoncourt acabou a dirigir Bruckner...

PP Não penso que esse vá ser o meu caso. Nunca se sabe como a vida vai evoluir... É verdade se me propusessem dirigir uma ópera de Mozart dificilmente recusaria. É uma música da qual me sinto próximo... Mas o meu interesse principal, e penso que vai continuar a sê-lo ainda durante muito tempo, é o século dezassete. Não creio que me vá afastar desse repertório. Penso que aqueles que evoluem para o classicismo e o romatismo é porque, enquanto chefes de orquestra, o classicismo e o romantismo é uma música que dá mais satisfação. Consigo compreender que aqueles que só dirigem sejam atraídos para este repertório. A música de Vivaldi, por exemplo, é um domínio em que um chefe de orquestra pouco pode acrescentar depois das obras serem trabalhadas nos ensaios. Poderiamos dizer que orquestra pode tocar sózinha. Apesar de tudo, quando estou lá á frente dos músicos, posso induzir a certas inflexões no momento do concerto.

ASTMas você toca, dirigindo simultãneamente o agrupamento.

PP Isso depende das obras e do tamanho do grupo. Quando trabalho com côro ou com uma orquestra com solistas, torna-se necessário estar à frente a dirigir para coordenar todo o conjunto e ser quem mantém a consitência interpretativa. Quando não há um chefe pode ser interessante porque permite maior liberdade de iniciativa aos músicos e dar azo a versões diferentes. Mas existir um chefe que coordene todo o conjunto pode revelar-se importante também.

AST Finalmente é a interpretação do chefe de orquestra que nos interessa... como no classicismo e no romantismo... não concebo uma orquestra tocar as sinfonias de Mahler sem um verdadeiro maestro à frente... é verdade que a Filarmónica de Berlim, depois da morte do Karajan, fazia isso com Beethoven... à moda do Karajan... Não o fazia com Mahler. Evidentemente. Mas nós queremos é a versão, a re-interpretação, de tal ou tal maestro. Se fôr de facto um maestro... Porque se fôr um idiota armado em chefe-de-orquestra mais vale deixar a orquestra tocar sózinha... na verdade a Filarmónica de Berlim, depois do Karajan, tocava sempre igual e os maestros movimentavam os braços, acompanhando-a. Só mesmo directores a sério, grandes artistas com carisma, conseguiram fazê-la tocar como eles desejavam. E não foi fácil...

PP Pois. Diz-se frequentemente que a Filarmónica de Berlim podia tocar o Beethoven, sem maestro, à maneira de Furtwängler ou do Karajan... Mas bom... a verdade é que quando o Furtwangler ou o Karajan estavam lá era seguramente diferente...

AST Pois...

PP Eu sou antes de tudo um instrumentista. Quando dirijo é porque é de facto necessário ir lá para a frente. Também porque desejo dar a minha visão da obra. Há uma ópera de Marin Marais que viu o dia graças à minha iniciativa. Depois do século dezassete não tinha voltado a ser apresentada... Fui eu que a re-escrevi. É sobretudo este tipo de coisas que me interessam enquanto chefe-de-conjunto...

AST Também é um musicólogo...

PP Desde sempre um dos aspectos que me atrai nesta música é a vertente da descoberta. Daí o nome do nosso grupo Ricercar. É o estado de espírito de estar sempre em investigação, quer do repertório, quer da maneira de o interpretar. É apaixonante porque percebemos que há uma quantidade impressionante de obras ainda por descobrir, por vezes de obras maiores de compositores a re-descobrir. Mesmo ao nível da interpretação de obras mais conhecidas, e nós dedicamo-nos neste momento a trabalhar algumas criações de Bach, ainda há muito para pesquizar, por exemplo ao nível da gestão das forças instrumentais e vocais, ao utilizar um grande orgão de igreja, por exemplo... nós acabamos de fazer um registo utilizando um grande orgão, não um orgão positivo como habitualmente se faz em concerto e também nos discos, decidimos fazer este registo com um verdadeiro orgão, um grande instrumento, como Bach o fazia na sua época. Isto parece um detalhe mas é este género de coisa que pode influênciar enormemente uma interpretação. Isto foi só um exemplo para lhe explicar que na música do passado, de cujas raízes estamos já muito afastados, há ainda muitas práticaa e hábitos a re-descobrir e esta é a vertente mais rica e apaixonante para quem trabalha e interpreta este género de música.

AST Uma resposta de um minuto para acabarmos: o que pensa da produção musical contemporânea?

PP Eu evoluí num meio musical onde a música contemporânea era muito importante. Nasci em Liége na Bélgica, onde o director do conservatório na época em que eu o frequentei era Henri Pousseur...

AST E Boesmans...

PP Exato. O Philippe Boesmans nasceu na minha cidade. Mas o Pousseur, que não é uma figura muito conhecida como compositor, fazia parte do círculo de Stockausen, Bério, Cage e no conservatório quando fiz os meus estudos escutei a interpretação de todas as obras de todos esses compositores que vinham regularmente ao conservatório para falarem sobre elas e orientarem a sua criação. Foi uma música na qual cresci e o nosso grupo encomenda muito regularmente obras a jovens compositores para serem executadas nos nossos instrumentos antigos.

AST Philippe Pierlot: muito obrigado por esta conversa densa e rica. Estarei lá para escutá-lo nos concertos que se seguem.



2006/04/23

O PÚBLICO GOSTA DE VIVALDI

Depois do concerto número 66 da Festa da Música, realizado no grande auditório do CCB em Lisboa, hoje, domingo 23, com a casa repleta de um público entusiasta que obrigou o famoso contra-tenor, Philippe Jaroussky (acompanhado pelo Ensemble Matheus), a fazer um encore, no final deste concerto, dizia, conversámos com o artista.

Álvaro Teixeira Esteve a fazer um programa inteiro com música de Vivaldi. O que significa este compositor para si?

Philippe Jaroussky Vivaldi é um dos compositores que marcou muito o início da minha carreira. Cantei muito Vivaldi, também fiz uma integral das suas óperas...

AST Para qual etiqueta?

PJ Para naïve mas fiz também para Dinâmique. Vivaldi fez parte das minhas primeiras experiências em cena e continuo a cantá-lo muito. Foi o meu encontro com o Ensemble Matheus que tornou esta experiência vivaldiana ainda mais importante grupo com o qual tenho imensos projectos e vamos gravar em disco este programa que apresentamos neste concerto. Faremos o registo este Verão.

AST Qual é o vosso repertório para além de Vivaldi?

PJ Faço muito o repertório italiano, como Porpora. Também faço Haendel e muitos compositores. Também canto repertório mais antigo, do "seisciento", como Monteverdi, Cavalli e todos esses grandes compositores. Trabalho muito esses dois séculos de música italiana mas também me debruço muito sobre o repertório dos "castrati". O que não me impede de, de tempos em tempos, fazer outro tipo de música como "la mélodie française", por exemplo, Debussy, Fauré, gosto muito, então, de tempos em tempos, faço concertos...

AST Mas eles não escreveram para contra-tenor...

PJ Mas escreveram para voz!

AST Mas por outro lado na música contemporânea há muita coisa para contra-tenor...

PJ Já estrei duas peças.

AST Quais?

PJ ...ssier que escreveu uma grande cantata para contra-tenor e orquestra e outra de Nicola Braci. E há outros projectos...

AST Tem novos projectos?

PJ Não posso revelar ainda.

(risos)

AST Também não ia perguntar...

(risos)

AST Então tem prazer em cantar música contemporânea?

PJ Muito mesmo porque finalmente na música barroca faz-se muita pesquiza, a aproximação que fazemos é de re-criação. Na música contemporânea há um estado de espírito muito próximo do mundo barroco, de pesquiza, além de que estamos a criar coisas novas e é muito bom estarmos a cantar algo que foi escrito para nós, especialmente para a nossa voz. É que passamos o tempo a adaptar a nossa voz ás obras que cantamos, obras que foram à época, escritas para determinados cantores muito particulares.

AST Isso acontece frequentemente?

PJ Sim, sim...

AST Sente isso sobretudo com que compositores?

PJ Todos praticamente pois eles utilizavam os "castrati" e as particularidades de cada "castrati", particularidades muito individuais, o que nos leva a ter de adaptar permanentemente a nossa voz a obras que foram escritas para "castrati" determinados. Nós temos de ser muito mais camaleões...

AST Sente-se o Andreas Scholl dos tempos actuais?

PJ Quê? Não sei , não sei. Sei que as pessoas são muito tocadas pela música de Vivaldi, que a música de Vivaldi lhe fala de maneira muito directa. Mesmo ás pessoas que não conhecem Vivaldi anteriormente.

AST Uma música fácil, então...

PJ Fácil em que sentido?

AST Fácil de se gostar...

PJ Sim.

AST E tem luminosidade.

PJ Voilá! Penso que é uma música boa para um cantor... Por exemplo é o meu primeiro concerto em Portugal...

AST Que foi um estrondoso sucesso...

PJ Sim, parece...

(risos)

PJ Foi muito agradável. A verdade é que o público reagiu com entusiasmo desde a primeira ária o que foi para mim uma grande libertação e fez-me sentir bem ao longo de todo o concerto. Trata-se uma grande sala que estava cheia...

AST Vivaldi faz sempre sucesso, creio...

PJ Sim. É um grande embaixador para os cantores.

AST Quer dizer qualquer coisa especial?

PJ Espero voltar porque infelizmente não tive tempo para visitar Portugal. Espero portanto voltar.

AST Vem de onde?

PJ De perto de Paris.

AST Mas o seu nome...

PJ É de origem russa.

AST País de grande cantores e grandes músicos...

PJ Estive em Moscovo há três dias atrás...

AST Continua portanto a ter relações com a Rússia!

PJ Foi a primeira vez que lá fui.

AST Ha bom. Posso saber quem foram os seus professores?

PJ Nicolle Falien. Desde há dez anos. Nunca mudei de professora. Dá aulas particulares em casa dela, em Paris.

AST Para acabar quero dizer-lhe que espero que volte brevemente a Portugal, de preferência com outro repertório. Talvez com obras contemporâneas... Podemos esperar que um dia a Festa da Música seja com obras contemporâneas...

PJ Com todo o prazer! De toda a maneira o próximo ano não será barroco e não penso que venha.

AST Então talvez daqui a dois anos.

PJ Espero que sim.

AST Eu também. Foi um prazer conversar consigo.




2006/04/22

Entrevista com Skip Sempé

Interpretou Couperin, Marais e Telemann na Festa da Música, que decorreu de 21 a 23 de Abril, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. No final conversámos com Skip Sempé, um dos cravistas mais interessantes e solicitados da actualidade.

Álvaro Teixeira: Acabou de tocar algumas peças de cravo de Couperin e pareceu-me que tem uma particular inspiração para este compositor.

Skip Sempé: Tenho sempre inspiração para tocar a música francesa porque é um nosso repertório de predilecção depois de tantos anos toco o Marais, o Rameau, o Couperin. É um repertório ao qual estou particularmente ligado e ao qual dediquei muito trabalho, muitos concertos e muitos discos.

AST Regista para que etiqueta?

SS Temos a nossa própria etiqueta. Chama-se Paradiso. Mas antes gravamos para Harmonia Mundi, Astré e Alpha.

AST Gosta de fazer este génro de recital, acompnhado por outros músicos que ora tocam em conjunto, ora se apresentam como solistas? Eu, como público, gosto muito pois é mais variado.

SS Gosto de tocar como solista mas gosto também de fazer música de câmera. Ser solista a tempo inteiro nem sempre é muito interessante.

AST Prefere o repertório françês ou o repertório mais tradicional, como Bach, por exemplo?

SS Há poucas coisas que não gosto mas não sou grande fã de Haendel e Vivaldi. Gosto de Bach mas também da música francesa, de Scarlatti, Telemann mas também gosto muito da música renascentista, tanto ao nível de grupo como na situação de solista. Sobretudo do repertório que foi negligênciado ao longo de décadas.

AST Por exemplo?


SS A música de dança do século XVII assim como a ópera de cãmera desse mesmo século, tudo isso é um repertório que não é verdadeiramente conhecido. O público adora a descoberta desse género de obras.

AST Então o classicismo não está no seu âmbito...

SS Não é a minha música. Há colegas, muitos, que fazem esse repertório, assim como a música romântica. Nós estamos mesmo na via da música da renascença e do barroco, com os instrumentos em que essa música era tocada.

AST Há muitos cravistas que tocam Haydn, por exemplo. E Mozart...

SS Sim mas eu prefiro fazer a música da renascença que tocar o repertório clássico. Prefiro fazer a música do século dezasseis que a música criada entre 1750 e 1830.

AST Ok. Nota uma grande diferença, enquanto intérprete, entre a música do norte, Holanda por exemplo, e a do sul? Vivaldi, etc. Diferenças ao nível da essência... e da forma...

SS Essa diferença sempre existiu entre os países que têm muito sol e aqueles onde há muita neve, frio e céu cinzento. Mas creio que nos séculos XVII, XVIII e mesmo no século XIX as estéticas foram bastante mais partilhadas que anteriormente. O violino italiano ganhou muita influência em toda a Europa, assim como o bel-canto com Haendel em Londres e Bach em Dresden. De facto a música barroca teve origem em Itália. E esta estética de fazer tudo pleno de luminosidade ganhou muitos adeptos na Europa do Norte e me Inglaterra também.

AST E a música francesa está no meio?

SS É uma música que se aproxima dos países latinos porque os franceses têm a tendência de impulssionar e tornar visível a sua costela latina. Mas a frança não é, de todo, um país latino. Mas na estética musical a França procura este lado ensolarado de criar música, sendo mais país ensolarado que nórdico.

AST Nasceu nos Estados Unidos... Costuma fazer muitos concertos lá?

SS: Não, não. Estudei lá, na Universidade e no conservatório, mas a maior parte do nosso trabalho é feito cá na Europa. E foi cá que gravamos todos os nossos discos. Mas há um público nos Eua muito fiel à música antiga, nomeadamente em São Francisco, em New York, em Chicago, Houston, etc. Mas de facto, a capital da música antiga das Américas, tanto do norte quanto do sul, é Montreal. Há mais música antiga em Montreal que em todos os outros países da América.

AST Há diferenças entre o público europeu e o americano?

SS Não. Os públicos da Europa são muito diferentes entre si. Diferentes segundo o concerto, o lugar do concerto, a atmosfera do concerto... Há o público do domingo depois do almoço, o público do sábado à noite, o público da ópera... Há o público jovem e o público dos habitués... O público num concerto numa grande catedral reage de maneira diferente do público numa pequena sala que assiste a um recital de cravo.

AST Acha o público português demasiado indisciplinado? Tocou, com insistência, um telemóvel enquanto tocavam...

SS Não é escandaloso. Não se pode procurar um novo público e esperar que esse novo público possua demasiada disciplina. Eu gosto doa artistas que estão descontraídos durante a actuação. Por isso se o público está descontraído creio que pode ser uma experiência bonita...

AST Em Nantes também acontece isto dos telemóveis?

SS Pode-se encontrar um público indisciplinado na Alemanha do Norte e um público com uma disciplina extraordinária em Palermo. Não se podem fazer generalizações. Felizmente!


2006/04/16

CARL SCHURICHT, O VISIONÁRIO

A colecção CenturyMaestros da etiqueta History, editou uma colecção de dez cd's com gravações deste chefe de orquestra que pode ser adquirida, em Lisboa, a um preço promocional de sete euros.

Entre elas a quase totalidade das sinfonias de Beethoven (faltam a 8ª e a 9ª). As leituras de Schuricht distânciam-se das interpretações pesadas e lânguidas de outros contemporâneos seus, nomeadamente de Furtwangler. Schuricht tem uma interpretação plena de vida e contraste, sendo simultâneamente mais clara que a daquele seu contemporâneo. As leituras de Carl Schuricht são, sem margem para dúvidas, interpretações-referência, sendo simultâneamente percussoras das concepções contemporâneas que são resultado de uma aproximação histórico-estilística à "essência" da escrita beethoveniana. Claro que a sonoridade está longe do ideal mas o ruído de fundo foi praticamente eliminado, ainda que à custa da eliminação de algumas ressonâncias e da percepção de profundidade, o que de resto é normal numa gravação mono.

O estojo de dez cd's dedicado a Schuricht termina com uma genial leitura de Das Lied von der Erde, num concerto ao vivo à frente da Concertgebouw Orchestra em 5 de Outobro de 1939. Schuricht potêncía as colorações luxuoriantes da orquestração, para além da força dramática desta criação ímpar. Se o tenor Carl Martin Ohmann está à altura do génio da obra e da veia do director, já a prestação da mezzo Kerstin Thorborg deixa a desejar, constituindo-se no elo demasiado fraco de um registo que podia (e devia) estar entre as referências fundamentais para esta obra imensa. Evidentemente que a sonoridade é o outro elo fraco. Mas pouco mais se poderia fazer de uma gravação ao vivo de 1939, que apesar de tudo está melhor que outras da mesma época realizadas em estúdio. Para todos os efeitos trata-se de um registo imprescindivel pela inspiração do director, pela prestação de Ohmann e pelo desempenho da célebre orquestra. O estojo no seu conjunto é uma preciosidade. Literalmente ao preço da chuva. AST















DA FÚRIA NARCISISTA

Num texto interessante reproduzido no excelente blog anonima.blogspirit, Corinne Sacca-Abadi, da Asociación Psicoanalítica Argentina, analizando o trabalho de Orlan, comenta:

"No hay muerte, grita el discurso desesperado de Orlan y grita tan fuerte que inevitablemente remite a aquello que calla. Calla el dolor, la impotencia, la humillación de ser uno más de los millones de seres anónimos que pueblan este planeta. Con sus intervenciones quirúrgicas intenta encubrir la furia narcisista que le genera la realidad de la muerte, la incompletud, la castración simbólica que nos convierte a todos en sujetos de la cultura, falibles, incompletos, carentes y mortales."

Sem colocar em causa a leitura desta analista que faz parte da associação psicanalítica argentina "tradicionalista", não lacaniana portanto, gostaria de colocar-nos uma pergunta: mas tudo isto que Sacca-Abadi acima escreve não se aplicará a qualquer criador, seja mais "convencional", seja mais "vanguardista"?
Os conhecidos ataques de fúria de Beethoven, por exemplo, não seriam afinal a expressão da sua "fúria narcisísta"? E a sua obcessão formal, que se revela nas partituras totalmente corrigidas e rasuradas, não seria a expressão narcísica do desejo de ser um Ser único, excepcional e eterno?

Se este fosse um argumento para provar que o que Orlan produz não é arte, estaria condenado pelo absurdo. Na realidade, a "fúria narcisísta" revela-se, com muita mais virulência, no crítico, por exemplo, que de alguma maneira, sempre a reboque da criação de outrém, procura elevar, sem o admitir, o seu comentário a uma espécie de obra de arte de opinião, com aspirações a mestre da escrita, juíz que produz opiniões com "peso" cultural e político, revelando-se aqui a "fúria narcisísta" na sua vertente perversa pois visa uma elevação sobre a aniquilação, ou manipulação, do "outro", do artista, íntimamente visto como objecto de um gozo pervertido que se manifesta na tentativa do exercício de força e poder, que o crítico, o director, o consultor, ou o que quer que seja, tenta exercer e frequentemente exerce. Manifesta-se igualmente na elevação deste ou daquele artista a "criador de culto". Trata-se de uma perversão igualmente em relação ao público que procura manipular. Neste particular a figura do crítico é uma aberração, fruto de um narcisísmo patético. Crítico pode ser qualquer um e, no artigo em questão, Corinne Sacca-Abadi, a pretexto de uma leitura analítica do "caso Orlan", encarnou, absolutamente, o (mau) papel do crítico.

Porque é que são dados exemplos de supostos artistas que tiveram actos, performances se quiserem, tangêncial e aparentemente na mesma linha estético-sociológica? É elementar compreender-se, e ao crítico "honesto" contribuir para isso, que obras aparentes não o são: se umas merecem ser votadas ao esquecimento, outras podem ter relevância e, no mínimo, merecem o benefício da dúvida.

Poderiamos colocar a questão inversamente porque Orlan já está na história. De alguma maneira já se imortalizou. Na verdade, Orlan não é mais uma entre milhões de seres anónimos. Qual a pertinência de Corinne Sacca-Abadi em dizer que Orlan foge da morte anónima? Não será ela, analista-crítica que, fustigando Orlan, tenta fugir da sua morte anónima? Aquela afirmação é completamente gratuíta e desprovida de sentido exatamente porque se refere a alguém que se destacou da massa dos tais milhões que não vão deixar rasto. Gostar-se ou não do trabalho de Orlan passa a juízo de valor, subjectivo, pessoal, pouco relevante, mesmo se produzido por alguém que transcende o simples crítico, como Corinne Sacca-Abadi.

Nesta altura, a discussão de ser ou não arte aquilo que Orlan produz deixa de ter qualquer pertinência. O que passou a ser julgado é a opinião da analista-crítica e não a obra ou o estatuto de Orlan.

"Orlan transmite a través de sus operaciones el deseo de Ser eternamente, como un ser absolutamente excepcional y único", escreve Sacca-Abadi quase a finalizar o seu artigo.

Quem é, o ser excepcional e único, que no fundo, bem lá no fundo, como se costuma dizer, não deseja ser excepcional e único? Será isto apanágio exclusivo de Orlan? Será isto apanágio exclusivo dos artistas? Ou será que os artistas exibem com mais transparência aquilo que o ser vulgar com pretensões, como o crítico, o director, o consultor, o político, e por aí fora, esconde (mal), com toda a sua "fúria narcisísta", do olhar do "outro"? Inutilmente porque esses sim, vão morrer, ao contrário das suas expectativas, entre os milhões que não deixam rasto, ou deixam um rasto fraco, geograficamente delimitado e irrelevante para o mundo. AST













Orlan es una artista multimediática que desde 1965 viene realizando audaces performances, en las que ubica a su propio cuerpo como eje protagónico de la obra, dirige desde el quirófano las intervenciones realizadas bajo anestesia local ante la vista de fotógrafos, cámaras de televisión, de acuerdo a una minuciosa planificación. Cada nueva operación es un paso más hacia la transformación de Orlan, que intenta unir arte y vida con su trabajo. Define su obra como un arte carnal que denuncia las presiones sociales ejercidas sobre el cuerpo femenino, considera caduca nuestra noción del cuerpo y propone un uso de la tecnología aplicado a la vida humana donde todo pueda ser intercambiable y renovable para lograr un ser humano "más feliz". Corinne Sacca-Abadi in http://anonima.blogspirit.com (17/02/06)








Rudolf Schwarzkogler del grupo accionista vienés, enrolado en el "Body Art", se seccionó el pene cm. a cm. mientras un fotógrafo documentó la acción. Las fotos fueron exhibidas en 1972 en la Documenta de Kassel, (el artista se suicidó poco después). Chris Burden se atravesó con clavos las manos y luego los vendió en una galería de Nueva York, donde también se hizo pegar un tiro documentando el hecho. idem









C.S.A.) Si pudieras renacer en el año 2000, comenzar de nuevo, ¿elegirías ser artista?

Orlan:) No, seguramente no, el medio del arte es horrible, patético, es una lucha muy dura para mí. Hubiera elegido ser científica, médica, o bióloga.
...
C.S.A.) Volvamos a tus operaciones, tus performances en el quirófano me despiertan sentimientos encontrados, pienso que se produce una caída de la metáfora, quiero decir que cuando utilizas el cuerpo para referirte a las conflictivas que suscita en lugar de hacer una alusión poética a su dramática, tu obra produce un grado tal de concreción en lo real que me recuerda la relación entre erotismo y pornografía.

Orlan:) (Visiblemente enojada) Ah! No, de ninguna manera, en mis performances hay mucha poesía, lo dicen los mejores críticos, yo armo una "mise en scene" bellísima, la música está muy cuidadosamente elegida, el vestuario, las lecturas durante la operación, todo es muy elaborado. Lo que ocurre es que mi transgresión es brutal, es revolucionaria, es totalmente radical y eso no es fácil que lo entiendan todos. Yo confío en el dictamen del próximo siglo, de todos modos yo nunca produciría un arte que sea aceptado sin cuestionamientos, porque sólo creo en un arte radical y absoluto.
...
C.S.A.) Yo creo que toda tu obra es como un gran desafío a la muerte pero que en realidad le tienes tanto horror a la muerte que no puedes imaginarte muerta. ¿Me equivoco...?Podrías fantasear ahora una obra con relación a tu muerte?

Orlan:) Yo he dado mi cuerpo al arte. Después de mi muerte no se lo daré a la ciencia, sino a un museo. Será la pieza central de una instalación con vídeo, ya lo he previsto todo pero no quiero hablar de mi muerte, yo no la creo, pienso que en el futuro la gente no va morir, la ciencia, te decía, brinda esperanzas, y si tengo que morir demostraré que soy una artista hasta el final.

Por Corinne Sacca-Abadi

2001-2003 APA - Asociación Psicoanalítica Argentina

in http://anonima.blogspirit.com (17/02/06)














Outro género de performance "multimédia".
Menos dolorosa para a crítica...

Peter Blau


















2006/04/12

PROMS 2004

Gravadas ao vivo durante os proms de 2004, a série BBC-Proms, editada pela Warner-Classics, trouxe-nos, num disco de 2005, três obras que revelam a interessante heterogeneidade da criação recente, com alguns dos exemplos mais conseguidos.
Começando pela última, Orion, uma criação de 2002 da compositora Kaija Saariaho que é uma "incontornável" da criação artística do nosso século, obra interpretada por Jukka-Pekka Saraste à frente da BBC Symphony Orchestra, há que dizer tratar-se de uma criação de suma inteligência e grande sensibilidade. Baseada em motivos que se repetem enquanto grandes linhas progridem noutras tessituras, trata-se de um trabalho paradigmático dentro do estilo e linguagem da compositora.
The Immortal, criação de 2004, de Zhou Long, é uma bela obra onde se re-trabalham, de forma inovadora e inspirada, motivos da música tradicional chinesa que são o esqueleto em que assenta esta composição musical. A interpretação, fabulosa, é de Leonard Slatkin à frente da mesma orquestra.
Finalmente o Concerto para Clarinete e Orquestra de John Corigliano, é uma obra de 1997, dotada de uma escrita que surpreende, pela positiva, face a outros trabalhos do mesmo compositor. Com uma virtuosística interpretação no clarinete, por Michael Collins, com o mesmo Slatkin à frente da mesma orquestra, temos neste disco um registo que nos permite o acesso a uma grande interpretação de uma obra bem conseguida e de grande interesse musical. O custo do cd deverá ser cerca de oito euros. AST















COGLIONES

Nunca imaginaria que metade dos italianos encaixavam na categoria que o berlusco lhes inventou. Mas assim é. Metade dos italianos gostam da imagem do homem rico, que manipula as leis a seu bel-prazer, que manda nas televisões... Mas metade dos italianos não esperava que o homem rico, o seu herói, aquele que os inspira, pudesse tropeçar nas leis que criou à medida, como os fatos que veste e os sapatos que calça.
Agora à "esquerda" (em Itália tudo o que não seja fascista ou pró-fascista é esquerda...) só lhe resta tentar governar mais um país na Europa que parece totalmente à deriva. Se isso é uma missão possível... Activar a justiça neutralizada por berlusco, pôr fim ao monopólio ultra-terceiro-mundista dos "media" (no chamado terceiro-mundo, agora em vias de desenvolvimento, não existe nada parecido ao que acontece em Itália, excepto nos estados em que toda a economia é estatal e o poder está concentrado nas mãos de um "líder") e, finalmente, congratular-se por, no mesmo dia em que "virou uma página", ter sido preso mais um crápula mafioso que andava a "monte" há dezenas de anos. Quem disse que não há coincidências? AST















Da Esperteza

A etiqueta Brilliant Classics há muito que re-editou Cosi fan tutte de W. A. Mozart, um estojo de 3 cd's, por nove euros. Mais de dez em Portugal... Sigiswald Kuijken dirige La Petit Bande com respectivos côros. Os solistas são Soile Isokoski (Soprano), Monica Groop (Soprano), Nancy Argenta (Soprano), Per Vollestad (Baritone), Hubert Claessens (Baritone) e Markus Schafer (Tenor). Nestes dias um diário português "ofereceu" aos seu leitores este produto incluindo nele publicidade ao banco que patrocina a iniciativa. Produto que venderam a um preço mais elevado (3x3,99 euros) e em embalagens separadas, o que constitui um inconveniente pois trata-se da mesma obra. Se isto não é esperteza saloia...














La ambigua reacción del Papa hacia la película es bien conocida: inmediatamente después de verla, profundamente conmovido, murmuró "¡es así como eso fue!" - y rápidamente esta declaración fue retractada por los portavoces oficiales del Vaticano. Una visión fugaz en la reacción espontánea del Papa se reemplazó así rápidamente por la posición neutra "oficial", corregida para no herir a nadie. Este cambio es la mejor ejemplificación de lo que está equivocado con la tolerancia liberal; con lo Políticamente Correcto se teme que cualquier especificación pueda herir la sensibilidad religiosa... Slavoj Žižek in http://psicanalises.blogspot.com (March 22, 2006)















PRODI: HOJE VOLTAMOS UMA PÁGINA

ROMA (AP) - Romano Prodi se declaró ganador el martes de las elecciones parlamentarias y prometió formar un gobierno "fuerte", aunque el escrutinio no había terminado y el primer ministro Silvio Berlusconi se negó a concederle el triunfo.

Aunque el Ministerio del Interior aún no había declarado un ganador, los resultados casi completos indicaban que la coalición de Prodi había ganado una mayoría en el Senado, lo cual le daría la victoria en ambas cámaras del parlamento. Aún estaban por escrutarse los votos emitidos en el exterior, que deciden seis bancas, aunque los resultados preliminares indicaban que la alianza de Prodi se había llevado cuatro de ellas.

Prodi, el opositor de centroizquierda, dijo en conferencia de prensa que su gobierno sería "política y técnicamente" fuerte a pesar del margen aparentemente pequeño de su victoria. El ex comisario europeo dijo que el centro de su política de gobierno sería Europa.

"Este es un resultado profundamente europeo, y como he dicho, Europa será el centro de la política de mi gobierno", dijo Prodi, al tiempo que prometió "relaciones constructivas con Estados Unidos".

La coalición de centroizquierda dijo que había ganado cuatro de las seis bancas aún en disputa en el Senado, un resultado que, de confirmarse, le daría el margen necesario para declarar la victoria.

Con todo, el campo de Berlusconi no concedió la victoria y reclamó un nuevo escrutinio en la Cámara de Diputados, donde la coalición de Prodi ganó por una décima de punto porcentual: 49,8% a 49,7%.

Prodi dijo que no le preocupaba el pedido de recuento y reconoció la estrechez del margen. Pero negó que el país estuviera "dividido por la mitad", señaló que había habido gobiernos aún más débiles y declaró que su coalición era "política y técnicamente fuerte".

Dijo que gobernaría para todos los italianos, "incluso los que no votaron por nosotros".

"Hoy damos vuelta una hoja", dijo.

http://ar.news.yahoo.com

(Martes 11 de abril, 10:26 AM)















2006/04/06

OBRAS ORQUESTRAIS DE MAGNUS LINDBERG

A editora finlandesa Ondine, para comemorar os vinte anos de existência, lançou um conjunto de re-edições a preços reduzidos que rondam os seis euros na Europa.
Numa dessas re-edições temos à disposição três obras de Magnus Lindberg, nascido em 1958, que é um incontornável do final do século vinte e também do panorama actual da criação musical mundial.
As obras abrangem o periodo criativo dos anos noventa. Feria de 1995 é uma obra de grande inspiração. Sensivelmente no meio, o som persistente de uma campaínha cria uma "tensão-ruptura" para pouco depois se escutar uma referência a Funeral Music for Queen Mary, de Purcell. A orquestração é prodigiosa, tanto nesta como nas outras duas obras incluídas no cd. Também em Corrente II, de 1991, se escutam referências à música setecentista. O trabalho harmónico denota a técnica de análise espectral. Lindberg foi um dos primeiros, senão o primeiro, a utilizá-la como ponto de partida semiológico-estrutural. Há no entanto uma "essência melódica" que é transversal ás suas obras. Os motivos são facilmente identificáveis e muitas vezes trabalhados ritmicamente de forma repetitiva, abrindo, pela exaustão relativa, brechas para um acontecimento novo ou a passagem a outro quadro sonoro. Estamos muito longe da monotonia e falta de imaginação das obras minimal-repetitivas, se bem que episodicamente o compositor utilize repetições com pequenas nunces que criam um "élan" interessante e eficaz.
Arena, de 1994, foi encomendada para a primeira edição do International Sibelius Conductor's Competition. Lindberg procura nesta obra um desenvolvimento de panoramas sonoros e orquestrais contrastantes, mantendo, aqui também, os aspectos melódicos em primeiro plano e remetendo-nos para rememorações de Berg, Mahler e Lutoslawski, cuja terceira sinfonia começa com um unissono muito mais lento mas com um efeito muito idêntico ao bloco harmónico que conclui Feria.
Estas três obras podem ser consideradas entre as obras primas mais interessantes da música do final do século XX, pela inventividade, pela orquestração, pelo eclectismo, pela musicalidade e pela grande intuição inteligentemente trabalhada.
A interpretação, excelente e inspirada, é de Jukka-Pekka Saraste, à frente da Finnish Radio Symphony Orchestra. AST
















DO SUBLIME

Hoje em dia é fácil e barato aceder-se ao sublime. Começo assim para desde já compreenderem que não se trata de uma dissertação pró-académica, provavelmente tão inútil quanto pretenciosa.
Aqui trata-se do sublime audível, visível e ao alcance de todos. Isto parece um slogan e lembra qualquer coisa estranha...
Vamos directos ao assunto, como de habitude.
Há uma colecção de estojos, de dez cd's cada um, por cerca de doze euros cada conjunto, chamada Documents, onde aparece um dedicado a Arturo Benedetti Michelangeli. Pronto. Não vale a pena continuar pois já todos compreenderam. Mas, para chatear, não vou acabar já. Interessante ouvir como um pianista fabuloso, um artista genial, nos dá uma interpretação pobre do Carnaval de Viena de Schumann...
Mas do estojo que tratamos terei de dizer um pouco mais, apesar de que escrever sobre este pianista para fazer um (mau) reparo justificaria o "post", uma vez que o "normal" é ouvirem-se e lerem-se laudas e outras celebrações mais ou menos efusivas à sua, pouco discutível, genialidade.
O cd 6, que contém as Baladas op 10 de Brahms é, para retornarmos à "normalidade", transcendente. Transcendente é o único adjectivo possível pois, mesmo quem não goste daquele autríaco, vai reconhecer que sob os dedos de Arturo Benedetti as páginas escritas por Brahms se transformam em algo de indizível, inqualificável, maravilhoso.
A sonata dois de Chopin, que vem no mesmo cd, é miraculosa, ainda que eu prefira uma gravação mais antiga, também "ao vivo", realizada em Arezzo, com o mesmo Benedetti ao piano.
A op 111 de Beethoven, que vem no cd 10, possuiu uma força implacável e foi gravada, "ao vivo", no ano de 1988, em Bregenz. Seguem-se cinco Mazurkas de Chopin numa visão tanto singular quanto assombrosa. Finalmente, uma interpretação arrebatadora da Ballada número um do mesmo Chopin.
Não ouvi o concerto de Lizt que remata este último cd. Depois da Ballada não ouvi mais nada. Nem o resto dos cd's que tinham ficado por escutar. AST

Nota: o estojo (de dez cd's) contém outras preciosidades. Ouçam-as. Mesmo que a qualidade sonora não seja a desejável...