2006/09/25

SONATAS PARA PIANO DE FRANZ SCHUBERT

O pianista Michael Endres gravou a integral das sonatas do compositor autríaco para a editora Capriccio que, em 2005, a disponibilizou num conjunto de seis cd's por cerca de vinte euros*.

Este ciclo de obras, frequentemente substimado, é um marco incontornável da literatura pianística, sendo igualmente criações onde a estética romântica se impõe, inaugurando uma nova época, ainda que enquadrada por uma formalização clássica que perdurou até nas grandes formas sinfónicas de Bruckner e Mahler. Para não falarmos dos "neo-clássicos" (e não só...) de hoje. Na realidade o romantismo revolucionou totalmente no aspecto harmónico (pense-se nas últimas peças para piano de Liszt, por exemplo) e na orquestração (pense-se na "Sinfonia Fantástica" de Berlioz, por exemplo) mas, se excluirmos a invenção do "leit-motiv" que é um recurso extra-musical que procura dar consistência ao drama que se desenrola em tempos artificialmente arrastados (o "poema-sinfónico" é conciso e musicalmente eficaz, ainda que recorra igualmente a simbolismos extra-musicais, que de resto estão igualmente presentes nas sinfonias de Mahler, e deve ter-se em conta que foi Beethoven, na sexta sinfonia, quem utilizou esta classe de pensamento estrutural, na grande forma, pela primeira vez), e a sonata para piano de Liszt, que foi de facto inovadora em termos de concepção estrutural servindo-se de uma esquematização que vem do classicismo, o periodo designado romântico, grosso modo, limitou-se a utilizar as formas do classicismo. No entanto na música para piano a "forma sonata" foi praticamente abandonada (Chopin privilegiou as pequenas formas, ainda que tenha composto três sonatas, Schumann trabalhou muito particularmente o encadeamento de peças estruturadas de maneira bastante simples, e Liszt aplicou a grande parte da sua obra para piano a mesma concepção que utilizou nos "poemas sinfónicos"). Neste contexto, o ciclo de sonatas de Schubert, no final do classicismo e início do periodo romântico, faz a charneira entre as duas estéticas.

Mas, principalmente, as sonatas para piano de Schubert são obras de grande genialidade, inspiração e singularidade, que encontraram em Endres um intérprete de grande talento. Escute-se, por exemplo, o Allegro final da sonata D 958, que vem no 4º cd: o exímio controle das dinâmicas, dos crescendos e dos contrastes, a inteligente e contida utilização do pedal, o trabalho dos motivos e a concepção global do andamento tornam esta interpretação numa "referência".

O terceiro cd, que inclui as sonatas D 537, D 568 e D 840, revela pequenos problemas técnicos de gravação, o que não é motivo para não se adquirir esta colecção, que de resto nos é proposta a um preço "muito interessante". AST

* preço (20 euros) praticado pela Companhia Nacional de Música, em Lisboa.


BERLIN STAATSOPER CANCELA PRODUÇÃO!

É de espantar que a polícia alemã, que se considera muito eficaz, não tenha conseguido identificar a origem de uma chamada, ameaçando com mortes no caso de uma produção operística ser levada à cena. Fica-se com a ideia que a Alemanha tem uma tolerância alargada em relação ao fundamentalismo islâmico. Mesmo a reacção da chanceler ("chancelerina"... que termo abstruso...) soa a "politicamente necessário": se houvesse vontade política de defender e salvaguardar, exemplarmente, a liberdade, ter-se-iam dado ordens para ser apresentado o que estava programado, tomando-se todas as medidas para se protegerem os artistas, o pessoal auxiliar, os espectadores, etc, e colocar-se-ia em marcha uma operação policial para identificar e deter os autores (e eventuais "operativos") das ameaças a uma liberdade elementar, fundamental e básica, que é a liberdade de criação artística. Isto remete-nos ao "caso van Gogh": um artista assassinado por exercer a liberdade de opinião nas suas criações! Desta forma, as expectativas em relação a uma "Europa das Nações", que assenta precisamente na liberdade de pensamento, de expressão, assim como na salvaguarda do direito à opinião crítica, não são exatamente as melhores... Bem fizeram os noruegueses que não quiseram entrar neste "filme". AST


2006/09/15

DO SUBLIME

Se o nosso mundo acabasse e se salvassem somente as sinfonias de Gustav Mahler, ficaria o melhor e mais genial que este mundo produziu. Ficariam, os futuros habitantes do mundo, caso os haja, com uma ideia errada da nossa realidade, onde o registo do sublime é demasiado pontual.

Entre as geniais sinfonias deste compositor, um judeu autríaco, a segunda, é uma obra imensa, impressionante, grandiosa, um dos lugares onde conceitos como "belo" e "sublime" ganham materialidade e se dotam de um paradigma, paradigma esse que lhes possibilita serem conceitos dotados de sentido.

Existem muitas interpretações grandiosas desta sinfonia. Desde aqueles que trabalharam directamente com o compositor a outros que conseguem oferecer-nos uma leitura significativa da obra. Tal origina a que seja tarefa fácil referir alguns nomes e registos importantes, sem termos de pensar muito. Mas quando num concerto ao vivo se juntam o impacto de uma obra desta natureza com uma leitura excepcional feita por artistas que, pelo seu talento e sensibilidade, constroem a história, nessas alturas, raras, temos o contacto directo com aquilo que abstractamente designamos por "sublime", referindo-nos, sempre num registo abstracto, a algo de muito excepcional e absolutamente transcendente dos melhores lugares comuns.

A Berliner Philharmoniker*, conduzida por Simon Rattle, com Magdalena Kozena e Soile Isokoski, respectivamente mezzo-soprano e soprano, e com o Niederläandischer Rundfunkchor, ofereceram-nos um desses raros momentos que ao longo de toda uma vida se tornam momentos paradigmáticos, que nos permitem o acesso directo ao transcendente e ao sublime e que dispensam qualquer discurso ou análise posterior, porque eles são "o paradigma", ou um dos paradigmas, com os quais tudo o resto é confrontado, numa relação de "modelo" ao "original". Rattle é uma das referências de sempre na interpretação das sinfonias de Mahler. Pode ser comparado com leituras diferentes de outros, poucos, geniais mahlerianos, numa confrontação de paradigmas interpretativos diferentes. Nada mais nada menos que isto. Kozena é das vozes mais musicais e mais belas de todos os tempos. Isokoski é igualmente uma grande artista dotada de uma sensibilidade rara. O Niederläandischer Runfunkchor, na sua primeira entrada, etérea e sustida, provocou as lágrimas em grande parte dos ouvintes: foi um "momento exemplar", um "il tempore". A Berliner Philharmoniker ofereceu-nos o que dela se esperava: a perfeição técnica, um "grande som" e uma elevada capacidade expressiva. Tudo isto servido pela espectacular acústica da Philharmonie. AST

* este concerto fez parte de musikfest berlin06. A segunda sinfonia de Mahler foi precedida por Stele de György Kurtág, uma obra muito interessante de 1994, numa leitura magnífica de Rattle à frente da Berliner Philharmoniker.


2006/09/04

SUITES DE JEAN PHILIPPE RAMEAU

A European Union Baroque Orchestra, dirigida por Roy Goodman, oferece-nos uma electrizante interpretação da Platée Suite, seguida das Pigmalion e Dardanus Suites.

As suites são extraídas das óperas com aqueles nomes e são basicamente constituídas pela abertura seguida dos movimentos de dança que são indispensáveis nas óperas da época. Não nos devemos esquecer que as suites instrumentais "puras" mais não são que agrupamentos de peças com ritmos e nomes de danças. Nestas suites extraídas de óperas encontramos os habituais movimentos de dança que no contexto original eram coreografados, sendo, como acima foi dito, peças fundamentais da obra uma vez que o público, basicamente a "entourage" real de Versailles, esperava no decurso de uma ópera poder assistir a vários momentos de dança. O processo de construção das suites era portanto a acoplagem de todos ou alguns do movimentos de dança precedidos pela abertura.

Se bem que Pigmalion seja a mais célebre entre as suites devido à celebridade do "ballet-ópera" donde foi extraída, baseado nas "Metamorfoses" de Ovídio, na minha opinião, a mais fabulosa é a Platée Suite. Nestas peças instrumentais, destinadas a serem dançadas, Rameau atinge um grau de criatividade e inspiração só comparável ás páginas mais geniais de toda a história da música. À abertura, que é em si mesma uma obra de grande musicalidade, segue-se uma pantomina com ritmo de minueto e uma dança cujo ritmo é contrastante, pelo andamento e pela forma, apesar de ser igualmente ternário. Logo de seguida a "Orage" quebra toda a tranquilidade criada pela "air de ballet": foram os deuses quem desencadeou esta tempestade que é o momento mais fantástico desta suite e uma das páginas mais inspiradas do barroco musical. A interpretação é tecnicamente perfeita, plena de musicalidade e inspiração. À "Orage" segue-se um diálogo musical designado por "Air des fous gais et des fous tristes" ao qual se seguem os minuetos que, surpreendentemente, se assemelham a uma cantilena triste. A suite termina de maneira ritmada e contrastante com "Rigaudons I & II". Já a Pigmalion Suite termina com "Air gracieux et gai et contredanse" que todos nós já escutamos algum dia, provavelmente sem sabermos que o autor é Jean-Philippe Rameau. A abertura desta suite é igualmente uma obra de génio, encontrando nestes intérpretes quem materialize o seu contido explendor de maneira absolutamente notável. Já a abertura de Dardanus começa com uma marcha em tonalidade maior à qual se contrapõe um segundo tema mais fluído mas com um carácter mais meditativo, temas excepcionalmente trabalhados por estes intérpretes de excelência dirigidos pelo grande músico e director Roy Goodman. Desta suite há que referir a célebre "Air gay en rondeau" que aqui é re-criada com uma respiração e um equilíbrio dinâmico surpreendentes. Estes registos fora-de-série, gravados entre 1999 e 2003, foram editados pela Naxos e postos à disposição do público em 2005. AST



Ha, Laden!

Gostava de séries americanas e desejava Whitney Houston de "forma intensa". Quando tinhamos sexo ele gostava de se "pedrar"... quando tudo terminava, desligava a música, caía na religião e ia rezar, conta Kola Boof... que... por revelar Bin Laden de forma tão surpreendente recebeu ameaças de morte. in Metro-Portugal, 11 de Setembro de 2006