O acontecimento musical do ano português veio, no meio das expectativas mais elevadas, à luz no Teatro São Carlos de Lisboa, transmitido em directo por esse mundo português fora, com direito a sopinhas e bolinhos no final. Devo dizer que em uma ópera paga pelos portugueses, que do pouco (ou muito) que possuem constam poetas e escritores no mínimo interessantes, se esperaria que fosse trabalhado um texto em português. E não seria difícil encontrar, na poesia ou na literatura portuguesa, algo que funcionasse melhor que o texto escolhido pelo compositor. O conto de Goethe encontra-se traduzido para português por João Barrento. É uma pequena ficção que até se lê bastante bem. Emmanuel Nunes conseguiu transformá-la numa ópera de 4 horas... A maneira como geriu e contextualizou o texto resultou em aquilo que podemos ver (e ouvir).
É verdade que Nunes nasceu em Portugal, mas também é verdade que foi embora na infância, é verdade que não se identifica com Portugal, e tem as suas - boas ou más - razões, é verdade que fala alemão com o filho... Uma ópera alemã paga pelos otários dos portugueses, quase que se poderia dizer... E vem-me imediatamente à memória os alegados 700.000 euros pagos pelo ministro da economia, com dinheiros públicos claro, a um fotógrafo estrangeiro para fazer umas foto-montagens foleiras. Supostamente para promover o país...
Mas vamos ao que há de bom em tudo isto: a falta de dinheiro. É a falta do belo mas perigoso ouro, digo dinheiro, que nos salva de o Emmanuel nos brindar com uma tetralogia, com 4 horas cada parte. Sabem que estou a brincar... Na verdade uma tetratologia salvaria este país do afundamento. Uma tetralogia colocar-nos-ia na vanguarda pós-Stockausen (esse cretino que disse lembrar-se do ex-aluno e compositor Jorge Peixinho mas desconhecer quem é o Emmanuel Nunes). Uma tetralogia livrar-nos-ia definitivamente do especto Saramago/Corghi. Uma tetralogia estabeleceria, finalmente, o Teatro de São Carlos no lugar que lhe compete: à cabeça da inteligencia mundial e Portugal, de novo, a dar mundos ao mundo. AST
Nota: Das Märchen pareceu-me um retalho estilístico com momentos absolutamente brilhantes. Mas a uma ópera não basta ter partes bem conseguidas. Se existe um fio condutor para além do texto, o que pretende ser uma "lógica" musical, deve estar nos cálculos que o Emmanuel Nunes fez e no conceito Leiträume, que é a intersecção das personagens com um ambiente determinado (Leitstimmungen). E que ironicamente pode ter contribuído para a falta de consistência desta ópera como um todo... Em Das Märchen não é audível uma unidade global, elemento essencial em uma obra de arte. Especialmente em uma obra que habite o espectro estético sob o qual vive Emmanuel Nunes.
Nota 2: no tempo de Das Märchen quero lembrar Pli selon Pli, de Pierre Boulez; Requiem für einen jungen Dichter, de Bernd Alois Zimmermann; o solo do camarada Mao em Nixon na China, de John Adams; L'amour de Loin, de Kaija Saariaho com base no livro de Amin Maalouf; Medeamaterial, de Pascal Dusapin; Cries of London, de Luciano Berio, e sobretudo ...sofferte onde serene... de Luigi Nono.
Se em alguma parte do mundo um país tiver uma orquestra juvenil administrada por um chantagista promíscuo, significa que esse país está gravemente doente. Se os jovens dessa orquestra aceitarem as chantagens, não se juntarem para denunciar publicamente o criminoso, ou simplesmente fingirem que nada de anormal está a acontecer, significa que o país não terá um futuro brilhante e que esses jovens não passam e nunca passarão de uma caricatura de artistas. Se pessoas com responsabilidades souberam do que está a acontecer e nada fizeram, significa que esse país, se existe (consta que sim...), necessita de uma limpeza grande e geral.
Em A Capital! Eça dá-nos um retrato caricatural, muito negativo, dos republicanos, num capítulo relativo a uma reunião de um clube republicano da Rua do Príncipe, em Lisboa. in Semanário, 25 Janeiro, 2008, pag 44
Uma instituição de vários séculos de idade não cairia só porque mataram o rei. Havia a ideia de que o País estava numa fase decadente e que a monarquia já não o podia salvar. in Meia Hora, 28 Janeiro, 2008, pag 13