2005/05/06

SAKARI ORAMO DIRIGE SIBELIUS E MAHLER

À frente da Orquestra Gulbenkian o conhecido maestro finlandês apresentou-nos A Filha de Pohjola e Luonnotar de Jean Sibelius, esta última com a participação da soprano Anu Komsi, da mesma nacionalidade.

A primeira obra é uma criação onde a magia está presente no discurso musical e na fantástica orquestração do compositor finlandês que encontra neste director um intérprete que intui a "essência" do seu espírito musical e criativo. Uma obra maravilhosa onde o maestro arrancou a orquestra de um certo amorfismo e a ganhou para uma interpretação totalmente conseguida pese algumas falhas irrelevantes no conjunto.

Luonnotar é uma obra dotada de um certo dramatismo imbuído de mistério. Trata-se de um outro espírito distinto das "paisagens" mágicas da obra anterior. Luonnotar é uma obra "profunda" e na medida em que todos os cisnes são brancos até que nos apareça um negro, a "profundidade" costuma andar de mão dada com o drama sendo que o "mistério" pode coexistir tanto com o drama, como com a magia. A escrita da voz move-se nos registos agudos contrapostos às tonalidades "profundas" e graves da orquestra. Apesar de considerada "especialista" em Sibelius a voz de Komsi é, nos agudos, demasiado aberta e pouco timbrada não conseguindo transmitir-nos o mistério colorido de drama (a criação pode também ser um drama. Ou o início dele...) que suporta esta obra, também ela de alguma forma maravilhosa.

Depois do intervalo Oramo dirigiu a Quarta Sinfonia do maior sinfonista de todos os tempos: Gustav Mahler. Desde já devo realçar que este concerto foi talvez o momento alto da actuação da Orquestra Gulbenkian ao longo da temporada que está prestes a terminar. Como à partida isto não diz muito (pode-se talvez deduzir que devo ter gostado) vou tentar desenvolver.
Esta sinfonia é a de execução mais simples (isto é: menos problemática) e é a mais curta do ciclo das sinfonias de Mahler (é disso que se trata: deram-se conta que logo no primeiro andamento o trompete enunciou textualmente o primeiríssimo tema da quinta sinfonia). No entanto possui um poderoso adágio (Ruhevoll) em que as cordas garantem o fundamento e a continuidade discursiva. Um "cluster tonal" impressionante introduz-nos na coda que termina o andamento e nos conduz de imediato ao movimento final que o criador indica como "muito agradável" e que foi extraído do ciclo Des Knaben Wunderhorn.
A direcção de Oramo demonstrou-nos que este director é já um grande chefe de orquestra. Talvez por isso conseguiu deste agrupamento da Gulbenkian um prestação bem acima do habitual. A tranquilidade suspensiva que conseguiu no adágio que afinal aparece como um "tranquilo" foi notável. As respirações a que induziu a orquestra e que pontuavam um discurso de uma "tranquilidade profunda e sentida", surpreenderam-me. Quando este andamento estava para começar e os músicos estavam já de instrumento debaixo dos maxilares (concerto de quinta), o maestro sorrindo colocou as duas mãos sobre a estante da partitura obrigando-os a colocar os instrumentos em posição de "attente" pois quem dá a entrada é ele e não a pressa dos músicos, mostrando-lhes desta maneira que iam para um "tranquilo" reflexivo, como toda a música de Mahler. Sem essa compreensão não existe interpretação mahleriana. A Orquestra Gulbenkian teve sorte. Teve sorte em ter Oramo a dirigir Mahler. E teve sorte porque com um maestro qualquer de terceira categoria esta interpretação poderia não passar de uma amálgama sem espírito, sem "substância" e logo sem sentido. Assim o agrupamento da Gulbenkian aproxima-se do fim da presente temporada com a "cotação em alta".
Individualmente tenho de salientar todo a performance do oboísta Pedro Ribeiro. Com este intérprete a Gulbenkian tem garantida pela tabelagem mais elevada a continuidade do trabalho iniciado por Swinnerton. Pessoalmente gosto bastante mais do desempenho de Ribeiro que de Swinnerton. O primeiro fagote esteve muito bem, o mesmo se passando com o corne inglês e as flautas. O clarinete de Esther Georgie... nesta obra esteve bem. Pois. Numa obra em que o autor pede frequentemente um som aberto, rústico e com um toque de agressividade, a primeira clarinetista sai-se bem. Muito bem esteve o clarinete baixo. Jonathan Luxton o "número um" do naipe das trompas merece um bravo. Malher exige sempre um trabalho solista por parte do primeiro trompa e Luxton correspondeu. Todo o naipe das trompas, com uma única ressalva no concerto de quinta, esteve bastante bem. Os trompetes, como habitualmente, com o Stephen "à cabeça", estiveram excelentes. Igualmente para a harpa e para os percussionistas com Voss nos timbales. As violas e os contrabaixos estiveram bem. O naipe dos violoncelos no conjunto revela uma sonoridade pouco homogénea, pouco redonda e pouco consistente. Uma situação estranha dado que é um naipe constituído por bons músicos. Os violinos estiveram regulares conseguindo fraseados nos pianíssimos do terceiro andamento que muito contribuiram para a boa performance global. Não gostei do solo do concertino principal no início do segundo andamento: ríspido como deveria ser mas tenso e quadrado. Gostei bem mais do solo da concertino auxiliar que tem um fraseado mais flexível e com mais "alma", coisa que parece ter-se ausentado do concertino principal. Anu Komsi no andamento final esteve melhor que em Sibelius. Trata-se de um canto que se movimenta sobretudo nos registos médios onde a artista denota um timbre bem mais suportado e cheio.

O balanço final, como agora se deduz fácilmente, é francamente positivo e surpreendi-me de algum modo ao escutar esta orquestra a tocar Mahler bem acima daquilo que normalmente esperaria. Não se esqueçam de enviar ao maestro um ramo de flores gigante. Pode ser que ele volte.


Referências discográficas para esta obra? A preços simpáticos?

Sem hesitar uma "referência entre as referências": George Szell à frente da Cleveland Orchestra com a soprano Judith Raskin. Um deslumbramento. Este cd oferece como "bónus" os Lieder eines fahrenden Gesellen por Frederica von Stade numa interpretação inesquecível. Re-edição na colecção essential classics da sony (ou a que a substitua actualmente). Colecção esta onde também pode encontrar a sexta sinfonia de Malher pelo mesmo agrupamento e maestro numa interpretação considerada uma das "referências absolutas".

Porém... a minha interpretação favorita da 4ª sinfonia é a de Klaus Tennstedt à frente da Philharmonia Orchestra num duplo cd da emi (colecção double forte) a "preço simpático". Duplo cd este que também tem uma interessante interpretação da 3ª sinfonia. O único senão é a presença de Lucia Poop no andamento final da 4ª sinfonia... Quanto à 3ª, entre as versões que tenho, recomendo a de Armin Jordan à frente da Orquestra da Suisse Romande que inclui uma fabulosa interpretação da Sinfonia Lírica de Zemlinsky. Uma re-edição económica da Virgin Classics. Ast