2005/05/03

XENIA ENSEMBLE E CHAMANISMO

Em tempos alertei para o bluff que poderia vir a ser um concerto que incluía "canto xamânico", apesar de o ter aconselhado. Posteriormente retirei o artigo em que fazia recomendações de concertos depois de constatar a mediania das interpretações de alguns dos artistas que tinha recomendado.

Na realidade este concerto do Xenia Ensemble foi um concerto bastante interessante que me fez lembrar as performances da minha falecida professora Constança Capedeville, injustamente esquecida do panorama musical português. A Constança tem obras bem mais conseguidas (Libera me e Amen para uma ausência, por exemplo) que as apresentadas no concerto deste ensemble. Algumas dessas obras foram alvo de uma edição em cd que actualmente não só é uma raridade com é uma preciosidade musical. Apesar de muitas vezes inspirada nos cânticos e recitativos dos monges budistas Constança Capedeville teve a ombridade de nunca relacionar as suas obras com budismo ou qualquer outra corrente "trancendental" bem em moda. A Constança era uma pessoa de grande desenvoltura espiritual e acreditava profundamente no que fazia como também em alguns aspectos das doutrinas orientais das quais nunca se serviu para "comercializar" a sua obra.

Depois desta "introdução" posso continuar a escrever um pouco mais sobre o concerto de 2 de Maio na Gulbenkian.
Cheguei atrasado. O que ouvi da obra de Franghiz Ali-Zadeh foi demasiado pouco e insuficientemente impactante para tecer quaisquer considerações sobre a peça Mugam Sajahi desta compositora. Compreendo bem a atitude de resistência face ao comunismo soviético que procurou esmagar todas as formas de religiosidade e que foi responsável pelo extremínio de parte da tradição chamânica siberiana assim como responsável pela contaminação radioactiva de parte da Taiga siberiana. Um acto de "ressuscitamento" só por si não é uma obra de arte. Mas, tal como acima escrevi, só assisti ao final da criação de Ali-Zadeh que nasceu em Baku (Azerbaijão, segundo as notas do programa).

Seguiram-se duas deliciosas peças de música tradicional chinesa interpretadas em pipa pela excelente Liu Fang. Uma artista dotada de grande técnica e subtileza que nos ofereceu momentos belíssimos entre as duas obras do "menú".

No que respeita à Ghost Opera de Tan Dun já foram referidos os aspectos performânticos "para além da música" que estiveram tão presentes em toda a obra de Constança Capedeville, investidos aqui de um simbolismo mais forte que na obra da minha falecida professora onde a performance por vezes era algo gratuíta e excedentária apesar de musicalmente as suas obras serem na generalidade mais interessantes, intensas e emotivas que esta Ghost Opera que obedeceu a um esquematismo gráfico-conceptual que em meu entender não garantiu suficientemente a consistência da obra. Obra que no entanto não deixou de ser um trabalho interessante e certamente gratificante para todos aqueles que se deslocaram à Gulbenkian. Finalizo com palavras do autor, extraídas do programa do concerto: "A tradição da ghost opera recua a milhares de anos: o actor da ghost opera entra em diálogo com a sua via passada e futura - um diálogo entre passado e futuro, espírito e natureza. Quando a Ghost Opera foi estreada em Beijing, 1500 pessoas na sala conheciam a canção popular e reconheceram a antiga tradição, mas não sabiam que um quarteto de cordas podia tocar rochas, juntamente com Bach e tocar papel, gongs, água e voz". Ast