Quem diz não gostar de Sibelius deveria ouvir, com muita atenção, esta obra. Se à primeira escuta poderemos dizer que é notória e influência wagneriana, à segunda notaremos imediatamente que a singular linguagem de Sibelius está presente na sua intensidade mais marcante e inspirada. Em todos os grandes criadores poderemos escutar influências daqueles que os precederam mas todos os grandes são-o porque personalizaram essas influências criando um idioma próprio que lhes é inerente.
O interessante em Sibelius é que se trata de um criador que desenvolve genialmente o conceito de "poema sinfónico", que é uma criação de Liszt e não de Wagner. Portanto, se auditivamente poderemos, remotamente, escutar no início deste "poema sinfónico" uma suspensão da resolução harmónica idêntica à que se escuta no famoso "acorde de Tristão", de Wagner, aqui estamos nitidamente dentro de outro conceito que não necessita de se alicerçar em simbologias* para manter a consistência ao nível da estrutura musical, além de que a demora da resolução do acorde do início, que se reproduz ao longo da obra, remete-nos a Wagner só e unicamente pela correlação com o famoso acorde porque em termos de linguagem estamos também claramente dentro de uma outra semiologia. Notável é o facto de que esta peça se alimenta, do início ao fim, do propósito temático onde acontece o referido retardar da aludida resolução harmónica. Escusado será notar que Sibelius se movimenta dentro de uma linguagem tonal e funcional. Temos um fusionamento entre a temática e a estrutura da peça, o que é a garantia máxima de "consistência" da obra, consistência essa que se já não faz ninguém perder o sono continua a ser um aspecto fundamental a considerar quando se aprecia qualquer objecto de arte.
Evidentemente que na música o papel do "re-criador" é fundamental, daí a nossa insistência em comparar interpretações de vários grandes artistas, tendo em consideração que a designação "grandes" padece sempre de algum grau de subjectividade, mesmo nos casos em que existe um consenso aparentemente generalizado. Para a obra que tratamos poderei recomendar um cd que custa cerca de quatro ou cinco euros, das re-edições "classic" da Régis, em que a orquestra é a Sinfónica da Rádio Berlim e o director um inspirado Paavo Berglund, chefe-de-orquestra este que nos oferece um balanceamento e uma respiração absolutamente conseguidos que transformam este registo em algo de fundamental. Lá também vem, entre vários outras obras, nomeadamente a célebre "Finlândia", uma interpretação genial da "Valse Triste", que é uma pequena obra onde Sibelius nos demonstra como de um tema simples se faz algo memorável. AST
* Sibelius não utiliza as mitologias nórdicas como um aspecto estruturante, ao contrário do que acontece em Wagner onde os "leit-motivs" simbolizam personagens.
GERTRUD
É o último filme de Carl T. Dreyer, estreado em Paris no ano de 1964. Evidentemente a preto e branco: a côr desviar-nos-ia do primordial. Seria uma excrescência, neste caso. O primordial é aqui um discurso, feito na base de longos planos sequência, sobre a impossibilidade do amor. Impossibilidade do "amor ideal". Como a expectativa do amor é sempre uma expectativa idealizante, já se vê a abrangência... Lacan trata de maneira fundamental esta problemática mas não iremos por aí. *
A arte compete com esse mesmo amor, vendo-se, retrospectivamente, Gertrud ser preterida, ou discursar que o foi, pela poesia, e na actualidade (do filme) pela música, ainda que o compositor nos apareça como uma espécie de libertino com pouco esforço e investimento criativo, situação que não acontece na "realidade do real". No entanto, pode-se dizer, a música que se escuta, na generalidade peças para piano, supostamente compostas pelo amante-compositor é, no mínimo, interessante. Já a incrível asneira, quando o compositor pergunta a Gertrud se pretende que lhe toque um "nocturno de Debussy", não é perdoável num filme onde o "enredo" gira na e com a música: Debussy não escreveu "nocturnos". Isto faz-nos lembrar qualquer coisa...
Este filme, que muitos dizem ser teatro filmado, sendo de facto uma adaptação de uma peça de teatro, é um trabalho deslumbrante onde Dreyer reduz ao máximo os planos, concentrando-se na(s) densidade(s) psicológica das personagens, que se revela nos e pelos seus discursos, e onde a câmara parece querer aproximar-se, pela deslocação, do seu psicologismo. Os intérpretes transmitem-nos uma espécie de distânciamento em relação ao seu próprio drama, sendo o poeta o único que materializa a comoção, ainda que, num registo narcísico, o marido de Gertrud também o faça. É também o poeta que nos coloca face à fugacidade da projecção na história quando Gertrud argumenta que ele conseguiu tudo o que desejava contrapondo-lhe, o poeta, que perdeu o essencial. São diálogos fundados no equívoco. Ao compositor Gertrud perguntou quando falariam o mesmo idioma, mas aí o equívoco era o amor dela. Gertrud que é representada por uma impressionante Nina Pens Rode. Ao poeta, com o espírito assente na realidade, na sua realidade, a protagonista faz notar que não se pode resuscitar aquilo que está morto e enterrado.
O final, não sendo feliz, é de tranquila aceitação. Aceitação do real, sendo o real exatamente a impossibilidade do amor, salvando-se a amizade daquele que nunca ultrapassou esse limiar. Este filme maior foi re-apresentado na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa. AST
* Le Magazine Littéraire de Julho/Agosto trata exatamente o tema do desejo, sendo abordadas, nomeadamente, as teorias de Lacan. Nesse número encontra-se uma entrevista com Slavoj Zizek, filósofo com quem já tivemos uma conversa que se encontra resumida no blog psicanalises, onde também se encontra um artigo, traduzido para o espanhol, do mesmo Zizek.
Homenagem a Sílvio Joaquim F F Teixeira
Nasceu a 19 de Novembro de 1928... completou o Curso Comercial... com dispensa de prova oral a Aritemética Comercial e Geometria, com 17 valores. Seguiu para a função pública... tendo mais tarde pedido licença ilimitada... trabalhou com o pai no estabelecimento de ourivesaria, relojoaria e óptica... Foi co-fundador do jornal "A Região" do qual foi secretário-geral. Acabou por deixar o jornal "A Região" para mais tarde fundar o Jornal do Norte, em Dezembro de 1984. in A Voz de Trás-os-Montes, Vila Real - Portugal, 13 de Julho 2006
Sílvio Teixeira é um Vila-realense dos puros. Conheci-o antes da revolução de Abril. Envolvia-se em todas as nobres causas pela sua cidade e pelo seu concelho. Em 1970, durante o I Encontro para o desenvolvimento do distrito de Vila Real, fui proibido, de ler uma comunicação sobre turismo. Havia sido convidado e constava do programa... O auditório estava cheio de público... Apenas Sílvio Teixeira se aproximou de mim, animando-me a publicar, integralmente essa comunicação, antes que saísse o volume oficial... Barroso da Fonte in Jornal do Norte, Vila Real, 17 Julho de 2006
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