Dia 8, no Teatro Nacional Dona Maria, em Lisboa, os Pigeons International Théatre-Dance, de Montreal, apresentaram a peça 5 Heures du Matin, concebida e dirigida por Paula de Vasconcelos e composta sobre um conjunto de fotografias de Serge Clément. No dia seguinte à apresentação conversamos com Paula de Vasconcelos.
Álvaro Teixeira: O espectáculo é falado em francês... Já o apresentou em França?
Paula de Vasconcelos: Não. Nunca me convidaram para apresentar em França.
AT: O facto de ser falado em francês não pode ser restrição? Para o público de língua inglesa, por exemplo?
PV: Não sei... Talvez não pois tenho apresentado muitos trabalhos nos Estados Unidos e no resto do Canadá que não fala francês.
AT: Qual o seu percurso em termos de dança?
PV: Não sou bailarina. Na universidade estudei teatro. O co-director da companhia foi bailariano clássico mas depois começou a interessar-se pelo teatro e abandonou a dança clássica.
AT: Portanto a opção pelo teatro-dança tem que ver com os seus estudos...
PV: No início a nossa companhia era uma companhia de teatro. Foi no final de 1997 que começamos a trabalhar com bailarinos.
AT: O facto de não ter desenvolvido estudos de dança não pode ser uma restrição?
PV: Lá em Montreal há muitos coreógrafos interessantes que nunca estudaram dança ou se estudaram não o fizeram formalmente. Alguns coreógrafos vêm do cinema, outros das "performance arts"... Percursos muito diferentes para resultados muito interessantes.
AT: Será que a dança permite maior expressividade que as outras artes?
PV: Felizmente no mundo das artes tudo é possivel. Pode haver um grande músico que sem ter estudado cria grandes composições... Quanto à dança não é muito fácil fazê-la sem estudar... É mais fácil fazer pintura sem ter estudado. Ou teatro. Ou literatura...
AT: A música também é muito técnica...
PV: É. Mas eu tenho uma sobrinha que faz composições extraordinárias que não têm nada que ver com a sua capacidade técnica actual...
AT: Qual é a sua relação com a Pina Baush?
PV: Tenho uma grande admiração por ela... Como no princípio éramos uma companhia de teatro nunca pensei entrar no campo dela. Acho-a tremenda e fantástica.
AT: No Canadá é no Quebec que se produz mais dança moderna?
PV: Em Montreal... Montreal é hoje para a América o que foi Paris no século XIX para a Europa. Lá trabalham muitos artistas com estilos diferentes. Todos muito bons. É uma cidade muito especial onde se produzem coisas muito diferentes, todas com muita qualidade e muito talento.
AT: Costumam trabalhar fora do Quebec?
PV: Sim. Também apresentamos na Europa e agora vamos à Colômbia.
AT: Como surgiu a ideia de mandar o fotógrafo dar a volta ao mundo?
PV: esta peça faz parte de uma triologia. A primeira chamava-se Babilónia. Era muito diferente que "Cinco Horas da Manhã". Eram muitos bailarinos e músicos em cena. Música ao vivo de influências médio-orientais. Muitas côres e muitos idiomas, como na antiga Babilónia. O terceiro que acabamos de fazer em Abril, em Montreal, chama-se "Amanhã" e é a propósito do futuro. Só trabalhei com jovens com menos de 25 anos. Eram bailarinos, artistas de circo, uma criança e uma rapariga que é surda e só fala com linguagem gestual. Era a intérprete dos artistas, ela que não tinha voz era a voz dos artistas pois o que ela dizia por gestos era o que os artistas pensavam sobre o mundo. Os gestos dela apareciam num écran gigante.
AT: Esse espectáculo vem cá? Seria interessante pois faz parte da triologia...
PV: Não sei.
AT: Quais os seus projectos próximos?
PV: Para o ano vamos apresentar a triologia inteira em Montreal, pois cada espectáculo foi apresentado em anos diferentes. Vamos também começar a montar o próximo que estreia em Dezembro de 2007, em Montreal.
AT: Como vai ser?
PV: Em 2007 a nossa companhia faz 20 anos. Há dez anos fiz a "Carta de Amor a Tarentino", um espectáculo em que tentava fazer uma proposta, em diálogo virtual com o Tarentino, diferente, longe da visão do mundo violento do Tarentino. Esse espectáculo foi presentado sobetudo na América mas também na Europa. O próximo espectáculo vai-se chamar Kiss Bill e é uma oposição aos Kill Bill do Tarentino .
AT: Qual é a sua mensagem?
PV: É mais uma pergunta, uma sugestão: será possivel imaginar um mundo sem violência?
AT: Acha que a violência é uma caracteristica masculina?
PV: Não é, mas o mundo ainda é dominado pelos homens que não deixam espaço para uma visão do mundo mais feminina, mais humana.
AT: Mas o Canadá é um país onde as mulheres têm grande peso...
PV: O Quebec é uma das sociedade mais evoluidas do mundo, onde as mulheres têm muito peso e importância. Mas ainda há trabalho a fazer pois os homens normalmente ganham, para o mesmo trabalho, mais que as mulheres...
AT: A sério? No Canadá?!
PV: Sim. Além de que o trabalho das mulheres não diminui ao longo da vida pois trabalha fora, trabalha em casa e é mãe. Nós vivemos em sociedades em que o sucesso é pirâmidal. Tem de se subir a escada ultrapassando o outro. Uma sociedade que não pensa que o sucesso pode ser de outra maneira: o sucesso de ser um bom ser humano não é valorizado. Trazer ao mundo crianças, educá-las para serem bons seres humanos é muito importante mas não é devidamente valorizado.
AT: Mas nos países escandinavos isso é valorizado...
PV: No Canadá também mas há que avançar mais pois não temos a vantagens que as mulheres escandinavas têm.
AT: Como escolheu a música para Cinco Horas da Manhã?
PV: Por acidente. Parte da música é do Oleksa Lowsochuk que é muito jovem. Estava a ouvir rádio no carro, gostei muito da música que estava a passar e esperei pelo fim para ouvir o nome do autor. Depois fui comprar o cd que é o primero cd dele. Esta música é do primeiro cd dele e até agora só nós é que utilizamos esta música como suporte. Depois há uma canção do Gian Maria Testa que é repetida duas vezes. A música mais oriental é do Steve Tibbetts e Choying Drolma. A última música é de um grupo canadiano que se chama K OS.
AT: No princípio eram quinze mil fotos...
PV: Sim. Tivémos que fazer uma grande escolha.
AT: Houve intenção de produzir uma mensagem política? Muitas fotos, muito impactantes, de gente a dormir na rua...
PV: Não. Não houve. Foram fotos tiradas ás cinco horas da manhã... Também há os jogadores de boxe tailandeses que se preparam para o treino que começa áquela hora.... E as dos mosteiros....
AT: Pretende utilizar as outras fotos para futuros trabalhos?
PV: Não, não me pertencem. São do fotógrafo.
AT: Porquê a temática do psicólogo?
PV: Não é um psicólogo. É mais um guia espiritual. Ela não tem um problema. Não está a atravessar uma crise. Falando com este senhor ela começa a identificar e a verbalizar a sua preoupação que é humanitária com o mundo.
AT: Porque a escolha de uma personagem que é uma fotógrafa?
PV: Queriamos usar as fotos e essa personagem dá-nos uma razão lógica para estarem ali, ainda que a razão seja sobretudo poética.
AT: Houve uma preocupação de trabalhar a profundidade, os vários planos do espaço...
PV: Sim. Tem que ver com a preocupação poética, assim como a criação de personagens misteriosas. Aquelas duas bailarinas, ainda que o público não se dê conta, representam duas facetas da mesma mulher. Uma que está sempre a fazer oração, agarrada ao chão. A outra é mais aérea, mais leve, mais serena.
AT: Nesta última o movimento é clássico...
PV: Ela tem uma grande formação em ballet clássico e eu procuro utilizar as potencialidades das pessoas.
AT: Foi um prazer esta conversa e espero poder ver outros trabalhos seus.