Lorin Maazel, um dos chefes-de-orquestra que (ainda) restam de uma imaginada "idade do ouro", conduziu a "sua" orquestra em dois grandes concertos integrados nos Proms 2008, que foram, em meu entender, dois dos eventos principais destes Proms.
Em 29 de Agosto foi interpretada, em estreia mundial, um obra de Steven Stucky, bem escrita e musicalmente interessante, que recebeu fortes aplausos de um Royal Albert Hall completamente cheio. Seguidamente Jean-Yves Thibaudet foi solista no concerto para piano de Gershwin. Thibaudet, frequentemente neutralizado pela orquestra nos "tuttis", conseguiu ser convincente e demonstrar que possui grande talento e musicalidade.
Mas o "prato forte" foi, evidentemente, The Rite of Spring, de Igor Stravinsky, onde a orquestra demonstrou estarmos perante um dos mais importantes agrupamentos musicais da actualidade e onde Maazel nos relembrou, uma vez mais, ser um dos grandes maestros de todos os tempos.
No dia seguinte esta imensa orquestra, dirigida por este infinito chefe-de-orquestra, ofereceu-nos uma bela leitura da suite Mother Goose, de Maurice Ravel, seguida de um alucinante e miraculoso Miraculous Mandarin, de Bela Bartok, acabando com uma potente, e sublime, Sinfonia no. 4 de Peter Tchaikovsky.
Portanto: em dois concertos que a NYPO trouxe a Londres somente a sinfonia de Tchaikovsky fugiu da "modernidade". E funcionou. Melhor: todos adoraram e pediram mais, ao ponto da Maazel se ver "obrigado", devido ao entusiasmo dos aplausos, a oferecer um total de cinco "encores" nos dois concertos. Claro! Com uma orquestra como a NYPO dirigida por este maestro...
Seria injusto ignorar o concerto do dia seguinte, 30 de Agosto, com a Oslo Philharmonic Orchestra, dirigida por Jukka-Pekka Saraste.
Primeiro, porque se trata de uma excelente orquestra dirigida por um excelente maestro. Segundo, porque interpretou um fantástico programa que acrescentou ainda mais luminosidade e genialidade a estes Proms: Seth die Sonne, de Magnus Lindberg; concerto para piano e orquestra no. 3, de Serguei Rachmaninov, onde foi solista Nikolai Lugansky; e a fabulosa sinfonia no. 1 de Jean Sibelius.
Magnus Lindberg, todos sabemos ser um dos mais criativos e mais relevantes compositores da actualidade. Possui uma escrita libre, recusa todas as ortodoxias e baseia-se frequentemente nos espectros sonoros a partir dos quais elabora uma macro-estrutura fundada nos elementos discretos que organiza a partir da análise de um determinado espectro sonoro. Esta obra, que foi apresentada pela primeira vez em Inglaterra, reflete a filosofia que preside ao trabalho deste criador: uma obra que recusa um "corpus homogeneous" subordinado a um pensamento circular. Uma obra que trata o impacto sonoro, o jogo de sonoridades e dos elementos que as constituem. Uma obra que comunica com os ouvintes e visa a musicalidade. Pekka Saraste entendeu, a orquestra compreendeu e o resultado fez levantar os ouvintes das cadeiras (os da arena estavam por natureza, e escolha, levantados...) para aplaudir e saudar o compositor que agradeceu poder ter uma maestro e uma orquestra de grande classe para interpretar a sua obra. E claro, uma casa como o Royal Albert Hall carregada com muitos milhares de ouvintes...
O concerto de Rachmaninov por Lugansky fez, como seria de esperar, ouvir milhares de "bravos" para um pianista que prescindiu de oferecer qualquer "encore" (se tivessem aplaudido um pouco mais ele acabaria por ceder...), muito compreensivelmente pois este concerto deixa exausto qualquer um...
Finalmente a genial primeira sinfonia de Sibelius. Esta sinfonia, todas as sinfonias de Sibelius, pertencem ao grande e mais eterno patrimonio da humanidade. Mas esta primeira sinfonia consegue comover-me mais que as outras, mais inovadoras e mesmo mais interessantes, que o grande Sibelius escreveu. Esta sinfonia noticia o ponto a que Sibelius iria levar a sua escrita em ruptura com um passado marcado por obras marcadas por um pensamento de cariz wagneriano, construindo o seu estilo pessoal, "conservador" porque totalmente desinteressado do pensamento da segunda escola de Wien. Claro que Wagner deixou marcas presentes na primeira sinfonia de Sibelius. A criatividade de Sibelius assumiu-as com naturalidade mas negou-lhes qualquer papel fundamental, e Sibelius surge, com todo explendor, como ele mesmo, Jean Sibelius, um dos maiores criadores musicais de todos os tempos, logo na sua primeira sinfonia.
Pekka Saraste demonstrou compreender o seu compatriota Jean Sibelius melhor que por vezes poderiamos imaginar e o resultado foi simplesmente deslumbrante, forte e comovente. Claro: devido ao excelente desempenho da orquestra. Evidentemente. Mas depois deste concerto creio que especialmente devido ao talento de Saraste que soube conduzir a orquestra a este ponto.