2005/02/17

UM DIRECTOR DE ORQUESTRA TEM DE SE CONHECER A SI MESMO

Álvaro Teixeira: Trabalhou com o Celibidache...

Emilio Pomàrico: Estudei com ele em 1980 em Munich no curso de direcção de orquestra e depois com o Franco Ferrara na academia Santa Cecília. Foram os meus principais mestres.

AT: Franco Ferrari...

EP: Franco Ferrara.

AT: Mas é compositor...

EP: Não não. Franco Ferrara foi um dos maiores directores italianos deste século. Ele não é muito conhecido porque era uma pessoa muito doente e quando dirigia era em cadeira no palco. De resto passou a maior parte da sua vida ensinando principalmente na Academia Musical de Siena e depois em Roma na Academia de Santa Cecília. Uma pessoa magnífica que infelizmente já faleceu. Como de resto o Celibidache...

AT: Quais são as suas recordações de Celibidache?

EP: Eu tive a felicidade de o conhecer quando era ainda um miúdo, quando ele trabalhava ainda muito em Itália com a Orquestra Sinfónica da RAI em Milão e ele era amigo de um tio meu clarinetista que era um excelente músico e que foi primeiro clarinete na Orquestra Sinfónica de Buenos Aires durante muitos anos. Eles eram amigos e eu tive oportunidade de conhecêr o Celibidache nesse contexto. As recordações são tantas que não tenho tempo para falar de tudo. Ele era um grande músico. Foi um dos poucos verdadeiros directores de orquestra que não são assim tantas. No aspecto de ensino, que era a faceta menos boa de Celibidache, ele mantinha uma enorme distânciação em relação aos alunos. Mas aprendi muito evidentemente. Celibidache necessitava de manter as distâncias, de estar num plano longínquo em relação aos alunos. Na verdade ele humilhava um pouco os alunos. Esta é a outra faceta do Celibidache que no entanto foi uma grande figura. É necessário estar-se muito atento porque com estas grandes figuras tem de ser o aluno a reter o que melhor lhe pode servir a partir do ensinamento do mestre. Um director de orquestra tem de em primeiro lugar conhecêr-se a si mesmo. Este é o aspecto mais importante. Conhecêr-se musicalmente, psicológicamente, conhecêr a orquestra como conhece a sua própria casa e conhecer as partituras como se fossem escritas por si mesmo. É uma coisa muito importante.

AT: Também a relação com os músicos o é...

EP: Não se é director de orquestra sem orquestra! A orquestra é o nosso instrumento. Eu pesoalmente sinto-me muito afastado do modelo do director que marca os tempos distânciando-se dos músicos. Não pode ser porque só há música quando os músicos estão convictos daquilo que estão a fazer e sobretudo quando se sentem orgulhosos de tê-lo feito. Sem isso não há música: há notas. E hoje em dia ouvem-se muitas notas... Isso não é música.

AT: Uma vez escutei o Celibidache a dirigir Bruckner. A oitava... Mas também tenho uma gravação ao vivo da sétima e os tempos dele no segundo andamento são muito mais lentos que os seus...

EP: Depende, depende... Não há "os tempos". Há a execução! Cada execução tem a sua característica como cada orquestra a tem.

AT: Escutei-o há muitos anos a dirigir uma obra de Emmanuel Nunes cá em Portugal. Costuma dirigir muito música contemporânea?

EP: Metade, metade. Gosto de dirigir música contemporânea porque sou também compositor e é portanto uma linguagem que é a minha e que conheço muito bem. Conheço como pôr as orquestras a tocar bem a música contemporânea e isso é muito importante.

AT: Finalmente: quais são os compositores que mais gosta de dirigir?

EP: Bruckner

AT: Contemporâneos

EP: Há alguns... No geral... considero o Emmanuel Nunes como um dos mais importantes entre os contemporâneos... A sua música é grande música...

AT: Hum...

EP: Mas há tantos, tantos... Há os históricos. Ligeti, Boulez... os italianos... Berio, Donatoni, Casteloni... Há outros mais novos, à volta dos 40 e poucos anos, que gosto muito...

AT: Rhim...

EP: O Wolfgang é um grande amigo, uma grande pessoa que escreve obras verdadeiramente muito belas. A que escutamos hoje é de facto uma peça de grande, de grande...

AT: E Dusapin?

EP: Não conheço muito bem Dusapin. Sou muito amigo de Hugues Dufourt cuja música me dá muito prazer. Também sou amigo de Grisey.

AT: Muito obrigado e até breve.

(entrevista feita à porta da saída dos artistas do CCB, Lisboa, devido à medíocre prepotência do responsável das relações públicas, ou lá o que aquilo é, que a impediu de ser feita no interior. Com gente daquela, Portugal só pode ser um caso de imbecilidade, insucesso e regressão civilizacional)