2005/02/04

A QUESTÃO DO VAZIO


Teve alguma graça o comentário com ar sério de um jornalista que constatou que não foi colocada a nenhum dos candidatos a primeiro-ministro de Portugal a questão que preencheria "o vazio dos portugueses".


A graça advém das previsíveis leituras feitas pelo jornalista. A "questão do vazio" é uma problemática filosófico-existêncial que nunca teve nem terá qualquer resposta. Por isso a sua enunciação produz um efeito de paradoxalidade que pode ser aproveitado por qualquer "chico-esperto" com cultura geral regular para dar algum ênfase público ás suas pretensões intelectualistas. Na verdade é um jogo de puro palavreado assente na manipulação de conceitos não delimitados lógicamente. A questão (a existir questão) da "condição humana" não é enunciável à luz de qualquer lógica formal. Por isso o homem produz arte. Uma coisa que não serve para nada para além de ilusóriamente se substituir a uma sub-reptícia e incómoda percepção de vazio. Também por isto existem as religiões, novas, velhas, reformuladas, a reformular...

A reflexão sobre a "questão do vazio" alcançou a melhor formulação no pensamento do psicanalista françês Jaqques Lacan que foi elevado à dignidade de "grande filósofo" por Zizéc (entrevistado por nós algures na América do Sul, entrevista que se encontra numa outra página) ao lado das "figuras maiores" da filosofia ocidental. Lacan indo além da clínica formulou com alguma compreensibilidade a "questão do vazio" colocando-a como fundamento estrutural da existência humana. É neste vazio que colocamos os "objectos" com os quais procuramos preenchê-lo, por vezes num delírio de completude. Vazio que é algo de estruturante na nossa condição de seres que falam, simbolizam, que produzem representações conscientes e inconscientes sendo básicamente determinados por estas últimas, mas que são fundamentalmente incompletos.

A simples enunciação da "questão do vazio" pressupõe alguma prespicácia mental. Prespicácia folclorista mas que não deixa de causar alguma, mesmo que pouca, fascinação no ouvinte desprevenido que imagina estar a assitir à enunciação do "Ovo de Colombo" daquilo que se debate, quando na realidade a fórmula "pergunta que preenche o vazio" não possui rigorosamente qualquer sentido. Ast


Nota: Para leituras mais "densas" vá até psicanalises.blogspot.com