2005/04/28

GOSTAVA DE FAZER MAIS TRABALHOS SINFÓNICOS

Peter Neumann esteve na Festa da Música a dirigir o Kölner Kammerchor e o Collegium Cartusianum que foram protagonistas dos melhores momentos desta festa. Como tinha decidido fazer uma só entrevista a escolha só poderia recair sobre este grande músico com o qual me cruzei por acaso num concerto de outro agrupamento.


Álvaro Teixeira: Ouvi-o a primeira vez em Bach. Já não me lembro o quê. Era um cd de uma editora alemã. Fiquei impressionado.

Peter Neumann: Talvez a Paixão Segundo São João...

AT: Exatamente! Gostei muito de facto.

PN: Obrigado. Muito obrigado.

AT: Finalmente encontro-o aqui em Lisboa e ontem escutei dirigidas por si uma maravilhosa, uma genial, leitura da oratória e da missa em dó de Beethoven. Mas... você faz frequentemente os clássicos como Beethoven?

PN: Beethoven não tanto. Fiz a Missa Solemnis, a Missa em Dó e a cantata para o Imperador. Fiz muito Mozart. A integral das missas para a emi.

AT: Prefere as obras com côro e cantores?

PN: Sim. Tenho um côro o Kölner Kammerchor e trabalho muito com eles. Normalmente estou ocupado com este género de repertório mas gostava de fazer mais trabalhos sinfónicos. Também fiz a segunda sinfonia de Beethoven.

AT: E com este grupo com quem tocou a missa e a oratória? Dirige-os frequentemente?

PN: Collegium Cartusianum.

AT: Exatamente. São geniais!

PN: Sim, sim. Normalmente os meus concertos são feitos com eles. Juntam-se nestas ocasiões.

AT: Nunca pensou, por exemplo, fazer a integral das sinfonias de Beethoven?

(risos)

PN: Ainda não, ainda não... Ainda não me solicitaram isso.

AT: É pena porque achei a sua direcção genial. Daquele fabuloso grupo que toca nos instrumentos antigos. Tudo perfeito. Os tempos, as dinâmicas, os ataques... Por isso espanta-me que não o convidem para fazer uma integral das sinfonias de Beethoven.

PN: Já existem muitas integrais dessas sinfonias.

AT: Seria mais uma de grande nível.

PN: Sim. Se me pedirem posso pensar no assunto.

AT: Você faz concertos sobretudo na Alemanha ou por todo o mundo?

PN: Sim. Na Alemanha. Também na Foule Journée em França e na Itália fizémos muitos, muitos concertos. Agora menos. Na Alemanha fiz muito Haendel, muitas oratórias. Gosto muito das oratórias de Haendel.

AT: Eu também. Quais são os seus projectos para o futuro próximo?

PN: Faremos a oratória de Haendel, Débora, em Novembro. Faremos a Paixão segundo São João em St. Peteresbourg e Moscou em dez dias. O próximo ano será um pouco mais calmo. Espero fazer Saúl de Haendel na Festa da Música. Também em Nantes e em Bilbao.

AT: Creio que não é suficientemente conhecido no mercado francês...

PN: Tivémos muito boas críticas em França para os oratórios de Haendel...

AT: Imagino...

PN: Sobretudo na "Réportoire". Gostaria muito de fazer as óperas de Mozart. Isso agradar-me-ia muito.

AT: Na actualidade há uma enorme onda de grupos que se dedicam a tocar nos instrumentos da época, supostamente ao estilo da época. Sobretudo na Europa, nos Eua não sei, mas que pensa desta explosão de músicos que buscam uma suposta autênticidade?

PN: Penso que é uma maneira de dar uma vida nova à música. Creio que é muito bom. No princípio era de cariz mais historicista mas agora há a maneira de tocar, as colorações, fazem-se interpretações modernas, de hoje.

AT: Conheço muitas orquestras alemãs que ouvi aqui e na Alemanha, sobretudo orquestras convencionais. Mas... todas as que ouvi são excelentes. As melhores entre as melhores!

(risos)

AT: Mas é verdade. Nem sequer falo na Berliner Philarmoniker... Há dois anos escutei a Orquestra Sinfónica de Berlim que acabou de falir. Que tem a dizer sobre isto?

PN: Certamente que é uma pena mas creio que vai haver uma mudança na construção e funcionamento das orquestras. Em trinta anos, não sei, haverá mais formações como a nossa que se juntam para um projecto concreto mas os músicos mantêm as suas actividades noutras orquestras, agrupamentos e no ensino. Haverá menos orquestras das cidades pagas pelo governo das cidades. Haverá mais orquestras de "mercado livre", constituídas por free-lancers.

AT: Ha!!! A sua orquestra é privada!

PN: Foi formada para um projecto. Os músicos tocam noutras orquestras.

AT: Acabou de me dizer que esta orquestra que dirigiu não tem um trabalho em permanência!

PN: Não. Não tem.

AT: Incrível!

PN: Sim. Mas tentamos sempre chamar os mesmos músicos para os diversos projectos. Desde que eles estejam disponíveis.

AT: Estou espantado. Eles revelam uma invulgar coesão de conjunto...

PN: Sim. É desta maneira.

AT: Isto é uma questão estranha mas... você ouve música contemporânea? Dos séculos vinte e vinte e um?

PN: Do século vinte escutei em Berlim e em Paris, escutei muitas obras da escola de Viena. Estudei também na classe de Messiaen. Durante um mês. E depois com Maderna e Boulez. Foi em 65/66. Toquei muito Messiaen no orgão também.

AT: Que pensa da construção europeia?

(risos)

AT: Ao nível cultural o que é que espera?

PN: É uma questão demasiado geral...

AT: Ao nível dos intercâmbios. Eu espero que você venha mais vezes a Portugal, por exemplo.

PN: Sim. Isso seria muito bem. Mas existem impostos que nos impedem. Impedem-nos de ir, por exemplo, a Itália onde se tem de pagar 30% de impostos. Muito mais que aquilo que pagamos ne Alemanha. E isto impede-nos de ir.

AT: Talvez uma Europa Federal com leis e impostos uniformes resolva isso...

PN: Pode ser, pode ser...

AT: Esta-me a dizer que em Itália paga 30% de impostos sobre o cachet que lhe pagam e aos músicos...

PN: Sim. Desta forma saímos demasiado caros ou então ganhamos demasiado pouco. Aqui e em Espanha não sei.

AT: Eu também não. De uma maneira geral o que pensa da actualidade musical não sómente ao nível da música antiga mas também ao nível das grandes orquestras românticas. Pensa que actualmente existem formações ainda melhores que há vinte anos?

PN: Sim. Eu penso que o nível técnico é verdadeiramente mais elevado. Mas ao nível da expressividade creio que se perdeu. Por vezes é somente a técnica. Mas também as gravações exigem que os concertos estejam ao nível dos registos.

AT: Acha que esqueci alguma pergunta? Quer dizer algo que ache importante?

PN: Não sei...

(risos)

AT: Gostou de estar nesta Festa?

PN: Muito. Gostei muito. Viémos aqui três vezes a Lisboa, quatro a Nantes e três a Bilbao e é verdadeiramente uma grande festa. Gostei muito.

AT: E para mim foi um grande prazer esta pequena conversa consigo que protagonizou os que foram para mim os melhores momentos desta Festa. Muito obrigado Peter Neumann.