No segundo dia, The Riga Opera Festival 2006 apresentou a celebrada obra de
Mozart.
Na verdade se dos cantores se esperava o melhor, o desempenho da orquestra, devido ao que aconteceu no dia anterior, deixou-nos em grande expectativa e receio de um desastre numa obra que todos conhecem bem. Grande foi a surpresa pelo facto da orquestra parecer outra: as cordas estiveram afinadas e consistentes, os metais apresentaram uma boa sonoridade (claro que não se podem comparar as partes dos metais em Mozart com as mesmas em Shostakovich...), o mesmo se passando com as madeiras (idem). Musicalmente tivemos uma performance de boa qualidade, preparada pelo conductor Zbignevs Graca e dirigida por Andris Veismanis, o conductor-assistente.
Nas vozes temos de assinalar o desempenho da cantora lituana Asmik Grigorian que, no papel de Susana, se afirmou absolutamente como a grande estrela desta performance. Armands Silins, como Figaro, foi igualmente um dos grandes expoentes da noite. Laimonis Pautienis corporizou muito bem o conde Almaviva, o mesmo se passando com Anna Wierzbicka, que encarnou a condessa Almaviva e Justyna Reczeniedi que interpretou Cherubino, sendo estas duas cantoras polacas. Se tivermos em conta que por falta de tempo não houve nenhum ensaio geral com o elenco referido, temos de reconhecer que fizeram um excelente trabalho.
Depois de saudar, merecidamente, os instrumentistas e cantores, tenho de falar do trabalho da encenadora Vera Nemirova. Nemirova fez o que muitos encenadores sonham: metamorfosear a obra musical e apresentar uma re-leitura da mesma em que a cenografia surja como o aspecto fundamental. Nemirova impediu que escutassemos devidamente a abertura porque colocou actores a incentivarem os ouvintes a bater palmas. Nemirova colocou uma das cantoras a cantar uma musica pop, porque entendeu que assim passava melhor a ideia de engate de praia. Nemirova introduziu textos novos fora dos recitativos: piadas idiotas para o publico rir. Ou sorrir... Nemirova quiz mostrar-nos que a performance acaba quando ela entende: terminada a partitura os cantores continuaram no palco a fazer uma cena gratuíta. Percebeu-se bem a ideia... Soubemos posteriormente que Nemirova pretendeu, criando uma terrível disputa com o maestro, que no final a orquestra tocasse novamente a abertura para a absurdidade com que rematou a noite ter como fundo sonoro nada menos que a genial abertura de Mozart...
O trabalho de Nemirova teve aspectos bons? Claro que teve. Revela rasgos e tira os cantores, neste caso um cantor, do palco: a aria do despeito de Figaro, entre os espectadores e com os focos sobre a plateia, foi brilhante. O trabalho com o kitch foi bem concebido e a ideia de re-situar a performance discorrendo e decorrendo dela mesma, não sendo inovadora foi interessante.
No entanto a forma como a obra musical foi afectada deve levar-nos a reflectir profundamente sobre o papel dos e das encenadoras: a partir do momento em que o seu trabalho causa problemas ao desempenho musical, para evitar ter de se prescindir do aspecto cenografico, tem de se deixar bem claro, e escrito no contrato, que compete à ou ao conductor a palavra final no que diz respeito aos aspectos funcionais da performance, ou seja: a/o conductor não pode exigir este ou aquele estilo de cenografia, mas pode obstar, por exemplo, que elevar uma cantora, obrigando-a a cantar suspensa, não se coaduna com a salvaguarda da qualidade musical pretendida.
Eugen Oneguin, de Tchaikovsky, apresentado no penúltimo dia deste festival, que terminou com Aida de Verdi, à qual já não assisti, revelou novamente uma orquestra com uma sonoridade péssima, das piores que alguma vez escutei, o que me leva a crer que a qualidade dos instrumentos deve ser muito fraca. Quando o naipe dos violoncelos tocava, o timbre era tão mau que encontro dificuldade em exprimir a minha incomodidade. Os metais e as madeiras voltaram a estar como aconteceu em Shostakovich: tocam afinados mas a sonoridade é horrível.* Os solistas estiveram bem, como habitualmente. Só não compreendo como conseguem ter um bom desempenho acompanhados por esta orquestra... O cõro, aceitável das outras vezes, aqui entrou quase sempre a gritar: pareciam desesperados para se fazerem ouvir! O conductor, o mesmo que dirigiu Shostakovich, tem, evidentemente, responsabilidades neste mau desempenho do grupo coral. A cenografia foi ridícula mas fez boa parceria com o melodrama de Pushkin, uma historieta "demodé" e desinteressante, a partir do qual Tchaikovsky elaborou o libretto. Enfim... Simplesmente inenarrável.
AST* os instrumentos que artistas que ganham 350 ou 400 euros mensais podem adquirir não devem produzir um grande som...
LADY MACBETH DE MTSENSK NA LATVIAN NATIONAL OPERAA impressionante e atribulada obra de
Dmitry Shostakovich abriu o festival de Agosto da LNO. Esta obra, inspirada no livro de Nikolai Leskov, que teve como seguidor Dostoiesvsky, desencadeou uma tempestade no dia em que Stalin apareceu para a ver, saindo furioso num dos intervalos. No Pravda de 28 de Janeiro de 1936, dois dias depois daquele evento, foi publicado um violento texto que procura destruir a obra de Shostakovich.
Significativo o facto desta opera ter sido estreada aqui, em Riga, somente em 1963, quase trinta anos depois da estreia em Moscovo que aconteceu em 22 de Janeiro de 1934. A obra foi totalmente banida e nos anos 60, devido a alguma abertura permitida por Nikita Krutchev, foi possivel voltar a ser escutada no reino dos sovietes.
No que diz respeito a esta performance devo dizer que o encenador Andrejs Zagars teve um trabalho meritoso transpondo, de forma conseguida, para a actualidade o contexto do drama.
Aira Rurane teve um excelente desempenho no papel de Katerina Izmaylova, tendo sido a artista mais ovacionada da noite. Aleksandro Antonenko, dono de uma voz bem projectada, bem colocada e com um belo timbre, teve igualmente um grande desempenho no papel de Sergey. De uma maneira geral todos os solistas vocais estiveram bem, o mesmo se passando com o grupo coral. No que diz respeito aos instrumentistas tenho de dizer que as cordas estiveram fracas e desafinadas. Os metais tocaram as notas escritas na partitura mas ofereceram-nos uma sonoridade pobre. As madeiras tiveram um desempenho regular mas apresentaram timbres demasiado abertos insistentemente. Os intrumentos percutidos estiveram relativamente bem, mas isso é muito pouco.
Martins Ozolins, o condutor, seria facilmente substituido por um metronomo: limitou-se a marcar os tempos e a dar as entradas que achava importantes. Apagado e sem rasgos, deu-nos uma leitura asseptica de uma obra tremenda. Francamente... Shostakovich merecia (muito) melhor.
AST