2006/08/31

KETCHUP COM CHOCOLATE

A retrospectiva da obra de Paul McCarthy, presente até 3 de Setembro no Moderna Museet, em Stockholm, é, juntamente com a exposição das obras de Vassily Kandinsky (Василий Кандинский) que esteve presente na Tate Modern, em Londres, uma das mais importantes exposições mundiais realizadas nos últimos meses.

Para quem não conheça MacCarthy esta retrospectiva pode ser um "susto", ou mesmo uma mostra do que pode ser a "não arte". Junto das embalagens sujas pelo conteúdo (ketchup), viam-se placas dizendo "não tocar na obra de arte".

Mas a obra de MacCarthy vai muito além do ketchup. As barbas do pai natal estão sujas de chocolate. Só se pode deduzir que o bandido em vez de colocar os chocolates nas cheminés, para que as crianças os comam e engordem que nem uns porcos, ou porcas se preferirem, decidiu comê-los ele mesmo. Mas isto é pior que roubar os doces ás mesmas crianças!

Mais interessante é a do Urso com o Coelho. O Urso, com ar de grande prazer, sodomiza o coelho que, de boca aberta, aparenta não desgostar do suplício.

Criativo, criativo mesmo, é o robôt, uma perfeita imagem de um homem de "meia idade", agarrado a uma árvore, que num movimento de vai e vem, introduz o sexo, neste caso uma alavanca do mecanismo, num buraco da mesma. Mais ecológico e, claro está, para contentamento dos especialistas em pedagogia, é o outro, que, umas árvores ao lado, faz o mesmo com a "terra mãe"...

Mas o que me fascinou mesmo, ao ponto de ficar um bom quarto de hora a tentar perceber o que se passava, é o porco da entrada. O "tipo" respira, num movimento que se prolonga por todo o corpo, num sono que os deuses porcinos bem poderão invejar. Robôt ou um "ser a sério", mantido em estado de letargia, ainda que os robôs também o sejam ("seres a sério")? Finalmente baixei-me e lá descobri o mecanismo que MacCarthy não pretendeu esconder.

Os filmes de McCarthy bem poderão ser exemplos da vertente masoquista e esquizofrénica dos humanos mas, na verdade, o difícil é mesmo conseguir-se vê-los até ao fim. Todos sabemos que o sangue é ketchup e que a merda é chocolate. Talvez por isso mesmo, devido à fronteira, nem sempre evidente, entre o doce e a merda, nos sentimos tão incomodados. Nunca estamos seguros de saber onde está, e se está, a "linha" que demarca... AST







A propósito da crítica...















2006/08/25

JÄRVI INTERPRETA OBRAS DE SUMERA E TÜÜR

No que diz respeito ao concerto de hoje, o último a que assisti neste Baltic Sea Festival 2006, no penúltimo dia do mesmo, a nossa expectativa era elevada: Paavo Järvi à frente da Estlands Nationella Symfoniorkester (Estonian National Symphony Orchestra) dirigiu a sinfonia número quatro, Magma, uma obra para orquestra e percussões, de Erkki-Seven Tüür, que é um compositor de grande criatividade e singular capacidade de desenvolvimento temático. Desta obra fantástica, a electrizante percussionista Evlyn Glennie deu-nos uma leitura memorável, acompanhada por uma orquestra coesa que deu o seu melhor pela obra do compositor estoniano, conterrâneo da orquestra, sob a batuta precisa e inteligente de Järvi. Igualmente foi apresentada a sexta sinfonia de Lepo Sumera (1950-2000), que é uma das mais impressionantes obras musicais que alguma vez escutei. Järvi, um dos condutores mais interessantes da actualidade, deu-nos uma leitura grandiosa e comovente desta obra maior que há-de fazer história porque é absolutamente genial. Foi também feita uma magnífica leitura do Prélude à l'aprés-midi d'un faune, de Debussy e de Eldfågeln de Stravinsky, que finalizou o concerto. Nesta obra, infelizmente, o primeiro trompa "deslizou" uma vez, e o primeiro violoncelo, no seu curto solo, não esteve bem. Coisas que podem acontecer aos melhores... No entanto, este concerto, devido à leitura fora-de-série das obras de Tüür e Sumera, foi, em meu entender, o acontecimento mais relevante deste festival. AST

Curiosidade: o pai de Paavo, Neeme Järvi, é uma das grandes referências na interpretação da música "neo-clássica", nomeadamente Shostakovich.















SALONEN INTERPRETA SIBELIUS E CONTEMPORÂNEOS

No ante-penúltimo concerto deste Baltic Sea Festival 2006, a Sveriges Radios Symfonikester, dirigida por Esa-Pekka Salonen ofereceu-nos duas obras contemporâneas, seguidas da sétima sinfonia de Sibelius.

Maro, uruppförande, de Kimmo Hakola, da Finlândia, foi uma encomenda deste festival. Trata-se de uma obra para grande orquestra onde são exploradas densidades sonoras e tímbricas, dentro de uma estética próxima de um Ligetti, de onde emergiram paisagens sonoras diferênciadas e inspiradas na magia do mar, nomeadamente do Mar Báltico.

Eleven Gates, de Anders Hilborg, executada pela primeira vez em Los Angeles no início deste ano, teve neste concerto a sua estreia europeia. Trata-se de uma obra, como o nome indica, dividida em onze partes, sem pausas, que faz referências a obras de outros compositores. Musicalmente é um trabalho bem conseguido, que revela um conceito orquestral fantástico e que nos remete para paisagens sonoras mágicas, mas onde o acorde de dó maior que dá o nome à primeira "porta", e a encerra, seria, em meu entender, evitável, pois produziu um efeito kitsch, auditivamente dispensável. No entanto, no global, trata-se de um excelente trabalho que cativou o público e os músicos, tal como aconteceu com a obra de Kimmo Hakola.

A leitura que Salonen nos ofereceu da sétima sinfonia de Sibelius foi arrebatada, revelando, simultaneamente, uma grande consistência estética e formal. Ininterruptamente os movimentos sucederam-se num fluir natural que conquistou a sala que no final aplaudiu de pé. AST














2006/08/24

Concerto pelo Côro da Rádio Sueca

Dirigido por Peter Dijkstra o Radiokören apresentou algumas obras contemporâneas e do século passado, assim como "Warum ist das Licht..." de Brahms.

Entre as obras do século vinte foi apresentado o célebre "Agnus Dei" de Samuel Barber, que teve uma leitura excelente e cativante. Brahms não esteve mal mas as expectivas iam para as obras mais contemporâneas como Canticum Calamitatis Maritimae de Jaakko Mäntyjärvi. Uma obra interessante, densa e, justamente, muito apludida que foi escrita em memória das vítimas que morreram do desastre de ferry que aconteceu na Estónia em 1994.

Andliga Övnigar, de Carl Unander-Scarin, foi outra das obras que criou expectativas e que se revelou igualmente de grande interesse e musicalidade e que teve uma leitura fabulosa por este grupo coral tutelado por Dijkstra.

Songs of Ariel, de Frank Martin, foi outro conjunto de momentos interessantes e muito bem interpretados, de um concerto que terminou com ur Vigilia de Einojuhani Rautavaara, uma obra que nem surpreendeu nem fugiu ao habitual estilo do compositor.

Temos de reconhecer que este grupo coral possui elevada qualidade que se revela no controle perfeito das dinâmicas e respectivas nuances, da sonoridade e expressividade. Vê-se que são um grupo de artistas coeso, com excelente nível técnico e que adora o trabalho que faz. O repertório foi inteligentemente escolhido, fugindo aos padrões aborrecidos do repertório coral. Também por isso merecem um grande bravo. AST
















2006/08/21

GENIAL LEITURA DA SÉTIMA SINFONIA DE SHOSTAKOVICH

Esta sinfonia, escrita durante o cerco de Leninegrad em 1941, revela, talvez, um compositor dilacerado não só pelo dilema de servir como publicidade a um estado totalitário ou ser acusado de traidor, mas também pelo facto da cidade de Leninegrad estar a ser assediada pelas tropas nazis.

O segundo tema do primeiro movimento repete-se até à exaustão, num processo de aumento de densidades, como acontece no Bolero de Ravel, mas aqui o andamento não se conlui no auge desse processo. O tema é menos interessante e mais elementar que aquele utilizado por Ravel sendo, talvez, este aspecto que investe de uma ironia cáustica o primeiro movimento da sinfonia dominado pela ciclicidade obcessiva do referido tema.

Não é qualquer condutor ou qualquer orquestra que conseguem oferecer uma leitura interessante desta sinfonia, que pode transforma-se num imenso aborrecimento com muito som, muitos fortíssimos e, aparentemente, pouca complexidade estrutural. Trata-se afinal de uma obra que o povo pudesse compreender, tal como o regime exigia a Shostakovich...

Valery Gergiev, à frente da Mariinsky Theater Orchestra, conseguiu transformar uma obra potêncialmente desinteressante num "chef-d'oeuvre".

Primeiro há que dizer que esta orquestra é uma orquestra de primeiro plano, tecnicamente perfeita, com uma sonoridade grande e densa, com músicos dotados de grande versatilidade e talento. Depois há, para sermos justos, reconhecermos que Gergiev é um condutor genial, cujo carisma, em si mesmo, inspira os instrumentistas.

A maneira profunda e essencial como foi tocado o movimento lento deu-nos uma ideia da dimensão deste condutor e desta orquestra, mas a forma como foi trabalhado o primeiro movimento demonstrou, igualmente, isso mesmo. Deram-nos uma leitura orgânica, consistente e fantástica daquele andamento que pode ser difícil de "colar". Igualmente o "moderato" foi impactante e o "allegro non troppo" concluiu, com a grandiosidade pretendida (e exigida...), pelo regime dos sovietes, esta obra impressionante. AST

Curiosidade: por motivos de segurança parte dos instrumentos da orquestra ficaram retidos no aeroporto de Londres, tendo sido usados, neste concerto, instrumentos da orquestra da rádio sueca.














2006/08/20

BALTIC SEA FESTIVAL 2006

O Baltic Sea Festival, acontece em Stockholm e suporta a luta contra a pesca ilegal no Mar Báltico. Infelizmente este festival acontece ao mesmo tempo que o festival de Helsinki, obrigando a uma escolha. O interessante é que grande parte dos artistas e do repertório é finlandês ou estoniano (e russo...). Há que notar a ausência de qualquer orquestra ou agrupamento finlandes entre os agrupamentos que se apresentam neste festival de Stockholm.

Tanto em Helsinki como em Stockholm, o acolhimento foi amigável e despretencioso desde o primeiro momento, acabando, devido aos programas, agrupamentos e condutores, por optar por este Baltic Sea Festival.

No que toca aos programas oferecidos interrogo-me, com alguma perplexidade, porque não foi apresentada Lady Macbeth, de Shostakovich, interpretada pela orquestra do Mariinsky, em Londres*, semanas atrás, e sim o Falstaf de Verdi. Um enigma...

Quanto aos concertos previstos aconteceu uma baixa (divulgada na conferência de imprensa do dia 19, à qual não assisti), devido a problemas de dinheiro. Trata-se exatamente do que estava marcado para o dia 23, em que Paavo Järvi ia dirigir a Mariinsky Theatre Orchestra, interpretando a primeira sinfonia de Schumann e a décima de Dmitry Shostakovich. Uma baixa de peso...

Como alternativa foi-me proposto um concerto, que já estava programado mas ao qual não pensava ir, com o Swedish Radio Choir, que me foi apresentado como sendo um dos melhores grupos corais do mundo.

No "cocktel", antes do primeiro concerto, o ministro dos negócios estrangeiros da Suécia salientou que este festival demonstra que a zona do Báltico está unida em torno de valores não materiais mas artísticos e culturais. Esperemos sinceramente que assim seja... Esa-Pekka Salonen, director-artístico do festival, salientou a importância da vinda dos seus colegas Paavo Järvi, Valery Gergiev e Manfred Honeck.


A primeira obra a ser interpretada no primeiro concerto do festival foi Open Ground da compositora russa, que vive na Suécia, Victoria Borisova-Ollas, nascida em 1969, com quem conversei no final da primeira parte do concerto e reconheceu ser esta sua obra "um bocadinho tonal". O que não é crime nenhum! Victoria demonstrou ser capaz de um excelente trabalho orquestral e Honeck dirigiu eficazmente uma obra digna de abrir o festival, obra esta que de resto foi encomendada expressamente para a ocasião. Seguiram-se excertos do Idomeneo de Mozart que não me convenceram, tendo o desempenho do cantor sido demasiado mediano. De seguida foi interpretado o concerto para clarinete, com Fröst como solista. Fröst revelou uma técnica suprema, invejável, mas algum mecanicismo. Já no encore que ofereceu, uma obra de música tradicional, para além da técnica notável, revelou a sua capacidade de entrega e arrebatamento.

No "moderato" incial da quinta sinfonia de Dmitrij Shostakovich, Honeck conduziu a orquestra para uma leitura demasiado marcada. A Sveriges Radios Symfoniorkester revelou, sobretudo no naipe dos violoncelos, alguma falta de volume e densidade sonora. No entanto, a partir do "allegretto", o condutor revelou ter um conceito interessante, trabalhando com especial ênfase os contrastes dinâmicos, ao que a orquestra respondeu perfeitamente. No movimento lento foi-nos oferecida uma leitura bem sustentada e densa, ao qual se seguiu um esfusiante "allegro non tropo" que, no final, fez saltar o público das cadeiras aplaudindo e gritando bravos. AST


* Em Londres foi interpretada Katerina Izmaylova, que é uma revisão de Lady Macbeth of Mtsensk, feita por Shostakovich para apaziguar as autoridades soviéticas, revisão que o compositor assumiu como "a versão definitiva".











2006/08/06

LA NOZZE DI FIGARO

No segundo dia, The Riga Opera Festival 2006 apresentou a celebrada obra de Mozart.

Na verdade se dos cantores se esperava o melhor, o desempenho da orquestra, devido ao que aconteceu no dia anterior, deixou-nos em grande expectativa e receio de um desastre numa obra que todos conhecem bem. Grande foi a surpresa pelo facto da orquestra parecer outra: as cordas estiveram afinadas e consistentes, os metais apresentaram uma boa sonoridade (claro que não se podem comparar as partes dos metais em Mozart com as mesmas em Shostakovich...), o mesmo se passando com as madeiras (idem). Musicalmente tivemos uma performance de boa qualidade, preparada pelo conductor Zbignevs Graca e dirigida por Andris Veismanis, o conductor-assistente.
Nas vozes temos de assinalar o desempenho da cantora lituana Asmik Grigorian que, no papel de Susana, se afirmou absolutamente como a grande estrela desta performance. Armands Silins, como Figaro, foi igualmente um dos grandes expoentes da noite. Laimonis Pautienis corporizou muito bem o conde Almaviva, o mesmo se passando com Anna Wierzbicka, que encarnou a condessa Almaviva e Justyna Reczeniedi que interpretou Cherubino, sendo estas duas cantoras polacas. Se tivermos em conta que por falta de tempo não houve nenhum ensaio geral com o elenco referido, temos de reconhecer que fizeram um excelente trabalho.

Depois de saudar, merecidamente, os instrumentistas e cantores, tenho de falar do trabalho da encenadora Vera Nemirova. Nemirova fez o que muitos encenadores sonham: metamorfosear a obra musical e apresentar uma re-leitura da mesma em que a cenografia surja como o aspecto fundamental. Nemirova impediu que escutassemos devidamente a abertura porque colocou actores a incentivarem os ouvintes a bater palmas. Nemirova colocou uma das cantoras a cantar uma musica pop, porque entendeu que assim passava melhor a ideia de engate de praia. Nemirova introduziu textos novos fora dos recitativos: piadas idiotas para o publico rir. Ou sorrir... Nemirova quiz mostrar-nos que a performance acaba quando ela entende: terminada a partitura os cantores continuaram no palco a fazer uma cena gratuíta. Percebeu-se bem a ideia... Soubemos posteriormente que Nemirova pretendeu, criando uma terrível disputa com o maestro, que no final a orquestra tocasse novamente a abertura para a absurdidade com que rematou a noite ter como fundo sonoro nada menos que a genial abertura de Mozart...
O trabalho de Nemirova teve aspectos bons? Claro que teve. Revela rasgos e tira os cantores, neste caso um cantor, do palco: a aria do despeito de Figaro, entre os espectadores e com os focos sobre a plateia, foi brilhante. O trabalho com o kitch foi bem concebido e a ideia de re-situar a performance discorrendo e decorrendo dela mesma, não sendo inovadora foi interessante.

No entanto a forma como a obra musical foi afectada deve levar-nos a reflectir profundamente sobre o papel dos e das encenadoras: a partir do momento em que o seu trabalho causa problemas ao desempenho musical, para evitar ter de se prescindir do aspecto cenografico, tem de se deixar bem claro, e escrito no contrato, que compete à ou ao conductor a palavra final no que diz respeito aos aspectos funcionais da performance, ou seja: a/o conductor não pode exigir este ou aquele estilo de cenografia, mas pode obstar, por exemplo, que elevar uma cantora, obrigando-a a cantar suspensa, não se coaduna com a salvaguarda da qualidade musical pretendida.

Eugen Oneguin, de Tchaikovsky, apresentado no penúltimo dia deste festival, que terminou com Aida de Verdi, à qual já não assisti, revelou novamente uma orquestra com uma sonoridade péssima, das piores que alguma vez escutei, o que me leva a crer que a qualidade dos instrumentos deve ser muito fraca. Quando o naipe dos violoncelos tocava, o timbre era tão mau que encontro dificuldade em exprimir a minha incomodidade. Os metais e as madeiras voltaram a estar como aconteceu em Shostakovich: tocam afinados mas a sonoridade é horrível.* Os solistas estiveram bem, como habitualmente. Só não compreendo como conseguem ter um bom desempenho acompanhados por esta orquestra... O cõro, aceitável das outras vezes, aqui entrou quase sempre a gritar: pareciam desesperados para se fazerem ouvir! O conductor, o mesmo que dirigiu Shostakovich, tem, evidentemente, responsabilidades neste mau desempenho do grupo coral. A cenografia foi ridícula mas fez boa parceria com o melodrama de Pushkin, uma historieta "demodé" e desinteressante, a partir do qual Tchaikovsky elaborou o libretto. Enfim... Simplesmente inenarrável. AST

* os instrumentos que artistas que ganham 350 ou 400 euros mensais podem adquirir não devem produzir um grande som...
















LADY MACBETH DE MTSENSK NA LATVIAN NATIONAL OPERA

A impressionante e atribulada obra de Dmitry Shostakovich abriu o festival de Agosto da LNO. Esta obra, inspirada no livro de Nikolai Leskov, que teve como seguidor Dostoiesvsky, desencadeou uma tempestade no dia em que Stalin apareceu para a ver, saindo furioso num dos intervalos. No Pravda de 28 de Janeiro de 1936, dois dias depois daquele evento, foi publicado um violento texto que procura destruir a obra de Shostakovich.

Significativo o facto desta opera ter sido estreada aqui, em Riga, somente em 1963, quase trinta anos depois da estreia em Moscovo que aconteceu em 22 de Janeiro de 1934. A obra foi totalmente banida e nos anos 60, devido a alguma abertura permitida por Nikita Krutchev, foi possivel voltar a ser escutada no reino dos sovietes.

No que diz respeito a esta performance devo dizer que o encenador Andrejs Zagars teve um trabalho meritoso transpondo, de forma conseguida, para a actualidade o contexto do drama.

Aira Rurane teve um excelente desempenho no papel de Katerina Izmaylova, tendo sido a artista mais ovacionada da noite. Aleksandro Antonenko, dono de uma voz bem projectada, bem colocada e com um belo timbre, teve igualmente um grande desempenho no papel de Sergey. De uma maneira geral todos os solistas vocais estiveram bem, o mesmo se passando com o grupo coral. No que diz respeito aos instrumentistas tenho de dizer que as cordas estiveram fracas e desafinadas. Os metais tocaram as notas escritas na partitura mas ofereceram-nos uma sonoridade pobre. As madeiras tiveram um desempenho regular mas apresentaram timbres demasiado abertos insistentemente. Os intrumentos percutidos estiveram relativamente bem, mas isso é muito pouco.

Martins Ozolins, o condutor, seria facilmente substituido por um metronomo: limitou-se a marcar os tempos e a dar as entradas que achava importantes. Apagado e sem rasgos, deu-nos uma leitura asseptica de uma obra tremenda. Francamente... Shostakovich merecia (muito) melhor. AST