O último cd, de um conjunto de sete, começa exatamente com uma interpretação excepcional, "live" (como a generalidade das obras deste conjunto, assim como de todas as edições e re-edições designadas por Historic Russian Archives) da genial sonata para piano D 960 de Schubert, seguida dos arranjos feitos por Liszt de canções do mesmo austríaco.
Lazar Berman foi um discreto pianista que morreu em Florença, em 6 de Fevereiro do ano passado. É considerado por muitos como o maior intérprete de Liszt de todos os tempos. Um pianista que se cansou da vida "trota-mundos" dos artistas famosos, estabelecendo-se, quase permanentemente, em Imola (Itália). Um pianista cujos registos em disco ou cd são raros: daí a importância deste estojo com que a Brilliant Classics nos brinda a um preço de 3 euros por cd.
Esta Lazar Berman Edition é tanto mais preciosa quanto vem de arquivos até à pouco tempo não disponíveis, e se muitas das interpretações são de facto re-edições, outras tratam-se simplesmente de registos feitos pelas rádios "soviéticas" que nunca estiveram disponíveis em disco ou cd.
Uma interpretação deve fazer as pessoas pensar, diz Berman numa entrevista da qual nos são dados excertos nas notas que acompanham os cd's.
A minha abordagem não é intelectual, não somente na música mas também na vida, acrescenta de seguida. O que parece uma contradição é-o aparentemente e isso compreende-se escutando, por exemplo, a interpretação que Lazar nos dá da "Appassionata" de Beethoven, no quinto cd.
No 4º cd cd Lazar Berman interpreta a oitava sonata para piano de Prokofiev sendo evidente o enorme leque dinâmico, a especial sensibilidade e a grande intuição musical deste artista.
No terceiro cd, temos a quarta sonata de Alexander Scriabin da qual Lazar nos oferece uma leitura eléctrica, seguindo-se uma inspirada interpretação da "Fantasia" op 28 do mesmo compositor. Infelizmente, a qualidade sonora destes registos incluídos no terceiro cd, é fraca.
Claro que mais de dois dos cd's são dedicados a Liszt, ou não estivéssemos face a um dos maiores intérpretes das obras do compositor nascido na mesma Hungria que viu nascer Lazar Berman. Há no entanto que destacar a interpretação da "sonata", num registo de 1955. Apesar da compressão das dinâmicas e da falta de tridimensionalidade sonora, percebe-se rapidamente que estamos perante uma interpretação suprema. Utilizando pulsações mais rápidas que as escolhidos pela generalidade dos pianistas, Lazar oferece-nos uma clareza de antologia, um control dinâmico perfeito, uma percepção de forma e uma capacidade expressiva que bem fazem desta leitura um dos principais paradigmas na interpretação desta obra grandiosa. AST
Nota: como curiosidade posso informar que as re-edições "musique d'abord" (harmonia mundi) e "helios" (hyperion) custam, nas principais Virgin e HMV de Londres, em Oxford e Picadilly Circus, três libras e 50, ou seja cerca de 5 euros. Os conjuntos de 5 cd's da Virgin custam cerca de nove libras e as re-edições triplas da DeutschGrammophon podem ser compradas por 6 ou 7 libras.
Da mesma maneira, os bilhetes para os concertos em casas de primeiro plano mundial, como o Barbican ou o Queen Elisabeth Hall, podem ser adquiridos através dos respectivos sites na web por preços a partir de 8 ou 9 libras. Há que acrescentar que todos os lugares têm boa acústica, boa visibilidade e conforto idêntico.
Apesar de não terem poços a jorrar petróleo estas instituições conseguem oferecer ao público preços "muito interessantes", desenvolvendo uma "política social" à qual deveriam estar obrigadas instituições que existem na base de bens legados por benfeitores. Sobretudo se esses benfeitores já morreram e os seus familiares se afastaram.
Claro que quando os cargos e os privilégios são vitalícios e o petróleo jorra do chão, podem-se dar ao luxo de serem um dos principais mecenas de uma das companhias de ópera mais importantes de um país rico. Um país rico onde o governo não suporta financeiramente as companhias de ópera e de teatro. Nem as "grandes orquestras mundiais" que lá residem. Ou pelo menos não suporta o grosso do "bolo"... Mas, ao mesmo tempo, um país onde as empresas privadas são "bons mecenas", sendo-o com generosidade e continuidade.
Mas fica bem... irem de um país pequeno e pobre, onde cobram preços elevados pelos ingressos nos concertos que promovem, para os países ricos mostrarem quanto ricos "eles" são... Afinal, depois de destruirem a única companhia portuguesa de projecção mundial, sempre devem ter sobrado uns dinheiros para distribuir...