Álvaro Teixeira Lembra-se da integral das sinfonias de Mozart que gravou há muitos anos atrás?
Christopher Hogwood Foi a primeira integral com instrumentos da época e foi muito completa. Gravamos as diferentes versões que existem dos movimentos de algumas sinfonias. As pessoas ficaram surpreendidas.
AT Neste concerto conduz Prokofiev. Porquê Prokofiev e Haydn?
CH Porque Prokofiev gostava muito de Haydn e uma sinfonia clássica de Haydn é uma muito boa combinação. Eu gosto de misturar obras clássicas com obras do século vinte. Eu faço muitos programas misturando clássicos e antigos com obras neo-clássicas. Haydn e Prokofiev, Haydn e Stravinsky, Haendel e Hindemith, Telemann e Martinu, e outras combinações.
AT Nunca interpretou música contemporânea? Só neo-clássicos como aqueles?
CH Eu já dirigi estreias mundiais de obras contemporâneas. Por exemplo de John Woolrich. Mas também dirigi obras de Schnittke, Ligetti, Pendereki...
AT Alguns directores começaram pela música antiga e depois foram avançando até aos contemporâneos. Muito poucos. A maioria fica nos românticos...
CH Quando era estudante toquei muita música contemporânea. Por isso para mim não é novo interpretar repertório contemporâneo. Actualmente eu faço poucos concertos utilizando instrumentos históricos.
AT Porquê?
CH Não há muitas orquestras que utilizem instrumentos históricos e grande parte das que utilizam não necessitam de conductor.
AT Mas dirigiu as sinfonias de Mozart...
CH A partir do cravo...
AT É verdade! E Jaap Schroder era o primeiro-violino.
CH Exatamente.
AT Dirige regularmente esta orquestra (Kammerorchestra Basel)?
CH Sim. Em trabalhos que também incluem registos. Já gravamos cerca de seis cd's.
AT Vive no Reino Unido?
CH Sim. Sou professor em Cambridge e aí vivo.
AT A Academy of Ancient Music continua a existir?
CH Sim, claro. Agora mesmo estão a tocar na Holanda, se não estou em erro. Tocam muito. Mas eu já não faço parte.
AT Mas não é o director-artístico?!
CH Não. O novo director é Richard Egarr.
AT O cravista?!
CH Sim. É o novo director desde Setembro.
AT Antes era Manze, Andrew Manze, violinista, mas o nome do Christopher Hogwood aparecia sempre como o director-artístico.
CH Fui director quando Manze era o konzertmeister. Agora Richard Egarr é o novo director.
AT Isto é novidade para mim... Bem... Dirige orquestras sinfónicas?
CH Sim. E também dirijo frequentemente óperas. Em Paris, no Scalla...
AT Que ópera fez no Scalla?
CH Dido e Eneas, de Purcel.
AT Mas isso é música antiga. Modernas, fez alguma?
CH O Rake's Progress de Stravinsky. Também trabalho regularmente com o Tonhalle de Zurich.
AT O que pensa da actual situação musical na Europa?
CH Para responder a essa questão seria necessária uma semana, mas suponho que cada país necessita de mais suportes financeiros. Por todo o lado existem problemas relacionados com isto. Em muitos países existem problemas com o ensino da música. Não sei qual é a situação em Portugal... Em Espanha é mau. Em Itália não é melhor... Ensinar bem ás crianças sai caro mas é necessário.
AT Mas no Reino Unido o governo não dá muito dinheiro para as orquestras. São mais os sponsors... E parece funcionar bem...
CH Cada orquestra gasta grande parte do seu tempo a arranjar sponsors. Tempo que deveria ser melhor aproveitado. É uma pena... Depois as pessoas não sabem o que isso significa. Pensam que são os sponsors que devem escolher os programas, coisa que não pode acontecer nunca. Os sponsors têm de ouvir a música que os artistas desejam tocar. Ser sponsor não significa poder escolher o programa. A orientação de uma orquestra não pode ser mudada pelo desejo dos sponsors.
AT Mas, por exemplo, se olharmos para as orquestras francesas... O estado dá-lhes muito dinheiro e elas continuam menos boas que aquilo que se esperaria...
(risos)
CH Mas o governo britânico também dá muito dinheiro ás óperas. Para suportar uma casa de ópera é necessários muito dinheiro e em Londres são duas casas de ópera. Londres tem cinco orquestras sinfónicas. É muito para uma cidade! Em França é diferente porque é um grande país e as orquestras estão melhor distribuídas.
AT Em Londres as óperas estão sempre cheias...
CH Estão cheias mas continuam a necessitar de sponsors! As pessoas não fazem ideia do dinheiro que é necessário para fazer funcionar uma casa de ópera. Não imaginam que o bilhete que compram não paga os custos.
AT Deve-se continuar a gastar dinheiro com a ópera?
CH Sim. Eu gosto de dirigir óperas. Há óperas modernas muito boas. Por vezes são produções estranhas mas cheias de imaginação. A produção de opera contemporânea está muito activa. Assim como a dança. Os jovens gostam e vão muito frequentemente. A ópera é mais popular entre o jovens que a música sinfónica.
AT Não é uma pena que nesta casa não se possa encenar uma ópera?
CH Não há uma ópera em Portugal?
AT Sim... Mas nesta casa onde estamos agora não é possível encenar óperas. Não há nem lugar para a orquestra nem espaço para a cena. Não é uma pena?
CH Mas há uma casa de ópera em Portugal ou não?
AT Há, mas no Porto não.
CH No Porto não há uma casa de ópera?
AT Não.
CH Eu concordo! Deveria haver uma casa de ópera no Porto. Aí está um novo projecto.
(risos)
AT Eu creio que a segunda parte do concerto está prestes a começar e eu vou terminar a nossa entrevista dizendo-lhe que foi um grande prazer conversar com uma figura tão relevante para a música e a arte como o Christopher Hogwood. E espero que volte brevemente aqui, à Casa da Música.
CH Aqui existe uma boa orquestra sinfónica, suponho.
AT Sim. A Orquestra Nacional do Porto. É a melhor orquestra portuguesa.
CH Em algumas revistas li as programações dessa orquestra e acho que têm uma visão muito inteligente. Se vir os responsáveis diga-lhes que gostaria de desenvolver alguns trabalhos com a orquestra.
AT Eles irão ler esta entrevista. Suponho que todos se irão sentir honrados e contentes com a vontade do Christopher Hogwood em desenvolver projectos com a ONP. Por isso espero encontrá-lo brevemente de novo aqui.