Novamente a genial segunda sinfonia do grande Gustav Mahler, composta entre 1888 e 1894, revista em 1903 (em 1910 Mahler fez algumas alterações manuscritas na partitura), conduzida por Kazushi Ono* - utilizando a revisão de 1903 - à cabeça dos côros e da Orchestre Symphonique de la Monnaie (Bélgica), sendo solistas nas vozes a soprano Susan Chilcott e a contralto Violeta Urmana. Um "live" de 2002, colocado nas lojas pela etiqueta "apex" da WarnerClassics por pouco mais de cinco euros.
É verdade que as cordas deste agrupamento não são as da Berliner ou da Wiener Philharmoniker, mas a força que Ono consegue extrair da orquestra, fundada na superior qualidade e inspiração dos metais, na eficácia das madeiras, na potência e precisão das percussões e, evidentemente, nas cordas que sustentam consistentemente a excelência dos outros naipes, faz deste registo mais um exemplo de uma interpretação com o(s) sentido(s) dirigido(s) para e pelo sublime, que é a essência desta música.
No texto que acompanha os dois cd's vem um excerto de uma carta de Mahler ao crítico Marschalk na qual o compositor faz um curto esboço da estrutura da obra mas o texto já tinha explicado que foi no funeral do pianista e conductor Hans von Bülow, amigo do compositor, que a ideia de criar uma sinfonia com côro adquire consistência. A entrada do côro, na quarta parte** do quinto movimento, é um dos momentos mais sublimes da história da música. Já ouvi melhor, mas os côros de La Monnaie conseguem garantir o "coeficiente" indispensável para manter a interpretação dentro de um registo determinado pelo belo que transcende absolutamente o lugar da "normalidade". Na parte final do quinto movimento, Violeta Urmana dá continuidade ao impulso temático apresentado pelo corne inglês com a flauta na primeira parte, mais adiante apresentado pelo trombone e aqui retomado pela voz com o corne inglês***, que conduz ao remate final - fundado sobre o tema que simboliza a "ressurreição", que nos é re-exposto pelas vozes masculinas e já tinha sido anunciado pelo coral de metais (a sua primeira enunciação aconteceu pouco depois da abertura, quadro sonoro que foi re-pescado do 3º movimento, enunciação feita pela trompa havendo depois desenvolvimentos com base neste enunciado ao longo de todo o movimento), re-aparecendo com a sua máxima elevação espiritual na primeira apresentação do côro - remate este que é uma das conclusões mais grandiosas e inspiradas de toda a criação artística. AST
* o que tem esta interpretação de genial? 1)o conceito global de tempo e os tempos adoptados 2)a luminosa transparência com que nos são oferecidos os vários quadros sonoros 3)o trabalho temático que é suportado por um conceito global da obra cujo fundamento está em um e que condiciona dois.
** as "partes" a que me refiro são as faixas em que neste cd o movimento é dividido. Noutros registos o movimento aparece numa só faixa e noutros, muito poucos, num maior número de divisões. Estas divisões normalmente correspondem à mudança de "quadro sonoro".
*** não é do meu interesse fazer uma análise deste movimento que para mim é o apogeu da criação orquestral. Este tema, genialmente simples, pode ser analisado como um retardo repetido de meio tom sobre a dominante (a frase descendente que surge como "necessidade" deste retardo resolve na tónica da tonalidade onde nos encontramos que de seguida é submetida a uma modulação ascendente que aumenta a tensão dramática). Tão simples e com um efeito tão grande que só encontro paralelo na simplicidade das quatro notas, três repetidas, sobre as quais Beethoven construiu toda uma sinfonia. Neste caso o tema tem uma função dramática, não geminal, ao contrário do que se passa com as quatro notas de Beethoven. É preciso entender-se que a grande genialidade necessita de pouca racionalização, apesar de ser quem determina as grandes estruturas da racionalidade.
Convém que seja noite porque ele ri
e o seu riso é uma coisa insuportável,
uma feérica praia muito limpa
coberta de pancada e água escura.
Mário Cesariny de Vasconcelos
in Os Bantus e as Aves
citado em A Noite e o Riso
de Nuno Bragança
MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS
nasceu no dia 9 de Agosto de 1923, em Lisboa,
onde morreu no dia 26 de Novembro de 2006
Litvinenko morto pelos serviços secretos
Ex-expião russo do FSB. Em 2001 obteve asilo político no Reino Unido... in Metro-Portugal, 29 de Novembro de 2006, pag's 1, 8 e 9