Pollini é de alguma forma um dos mitos contemporâneos. Muitos o denigrem acusando-o de tecnicista e outras barbaridades do género. Mas a música de Pollini, materializada nas suas gravações e na memória de quem o ouve em concerto, resiste ao passar dos anos e a sua versão dos estudos de Chopin continua, apesar de ignorada e desqualificada por muitos "guias" de cd's, como a referência moderna para estas peças, aceite como tal pela generalidade dos pianistas e "melómanos".
Após três anos o pianista regressou a Lisboa desta vez com um repertório totalmente dedicado ao compositor polaco/francês (o grosso da produção de Chopin aconteceu durante a sua vida em Paris ainda que reportando-se frequentemente à música tradicional do seu país natal).
Na primeira parte foi claro um estilo mais meditativo (mais "metafísico"...) na abordagem do compositor. Isto foi para mim evidente na interpretação dos nocturnos. Muitos "cépticos compulsivos" torceram o nariz ao desempenho do pianista nesta parte do recital. Questões de pura clínica psicanalítica pois torcê-lo-iam em qualquer situação.
No final da segunda parte, com a interpretação da sonata op35, Pollini revelou o génio que é e sempre foi. Na realidade qualquer outro que adoptasse os seus andamentos apressados, a total quadratura do tempo na "marcha fúnebre" e a completa ausência de "rubato", arriscar-se-ia a um "chumbo". Pollini conseguiu fazer levantar toda a sala em estrondosos aplausos pois a sua interpretação "tocou fundo" em todos os presentes. É isto que o torna genial e um dos grandes pianistas de sempre. É impressionante esta capacidade de comover para além dos artifícios usuais da interpretação, mantendo uma fidelidade quase obcessiva ao texto onde o "génio" se exprime no natural fluir da música que se apresenta (aparentemente) sem mistérios. Como ela é, como está escrita, sem grandes "divagações personalizantes". E ela emerge de maneira única por isso ou apesar disso. E também por isso Pollini faz parte do reduzido núcleo de grandes pianistas que deixarão a sua impressão na história.
Nos extras, o pianista com a segurança e o afecto que o público que enchia totalmente o auditório lhe transmitiu, ofereceu-nos duas interpretações (um prelúdio e uma balada) que foram talvez o melhor de todo o recital, sobretudo a sua memorável leitura da Balada nº1 do mesmo Chopin. Ast