2009/06/09

Um conto de embalar

Imagine-se um povo de broncos e corruptos que elegeu um governo com broncos e corruptos. Imagine-se que, evidentemente, isso aconteceu fora da Europa e da UE, onde todos são impolutos e cultivados, o paraíso terreal...

Imagine-se que um dia o governo com broncos e corruptos decide que quem não cantar o hino nacional de hora em hora leva vergastadas públicas, argumentando que esse ponto consta do seu programa eleitoral, que ninguém leu.

Imagine-se que os militares desse país, apesar de patriotas como todos os militares, acham essa exigência uma aberração, apesar de constar de um programa que virtualmente foi votado e aprovado.

Imagine-se que os militares derrubam o governo e prendem os corruptos, governo esse que de facto foi eleito com uma maioria absoluta dos votos expressos.

Quem teria a razão? O governo que quiz cumprir o que constava do seu programa eleitoral, ou os militares que o impediram de impôr uma aberração?

Existe a versão trágica deste conto:

Os militares concordaram com o governo, desde que se reduzisse a dose diária de hino pátrio obrigatório a cinco. Houve incontáveis vergastações públicas: se muitos faziam as "práticas", como passou a ser designada a repetida ladainha, e rapidamente subiram o escalão da vida, outros preferiram as vergastadas a terem de a entoar. De tanto sofrimento compadeceu-se a vizinhança que em meia dúzia de horas ocupou o sofrido reino. Qual a surpresa quando os ex-governantes e seus lacaios começaram a louvar os misericordiosos ocupantes. A surpresa transformou-se numa raiva tão grande que nem os muito desejados ocupantes puderam evitar a carnificina que se seguiu. A questão inverte-se, passando a ser: quem teve a culpa?


A ministra

Miguel Real escreve sobre uma mulher "maquiavélica, calculista, feia e má, que reduz a realidade ao cálculo dos seus interesses" in Público, P2, 7 de Junho, pag 11

Nota: na Fnac do Chiado, em Lisboa, o romance de Miguel Real nem sequer se encontrava (dia 12) na secção das "novidades", onde habitualmente aparece tudo e mais alguma coisa que vai sendo publicado... Um pouco mais acima, na Livraria Bertrand, pôde ser visto na montra principal, ainda que com algum esforço dado que se encontrava numa das partes laterais da montra. Até parece que há uma "cabala" para impedir que o livro se transforme num best-seller... Li as primeiras vinte páginas num ápice, em pé, e posso afirmar tratar-se de uma literatura de "rasgos" com consistência estilística. Quanto ao grau de ficção não sei dizer, dado todos sabermos que por vezes a realidade é mais impressionante que a própria ficção.


Tudo menos a possibilidade de aprender

Primeiro pensei que fosse um azar doméstico. Depois comecei a perguntar a outras pessoas, pois não me parecia que tal pudesse ser verdade. Agora estou mais ou menos convencida que se trata duma prática generalizada. Refiro-me à paixão pela tralha e ao horror à experimentação que se tem instalado nas escolas portuguesas. Como venho duma geração que nas mais comuns escolas públicas fez experiências em laboratórios, desde a electrólise da água à decantação, e percebeu, abrindo pombos e peixes, porque voavam os primeiros e nadavam os segundos, não entendo como é possível que tudo isto e muito mais que anteriormente era prático se tenha transformado numa fastidiosa matéria teórica. Nem sequer umas raízes tipo cenouras à mão de semear em qualquer casa têm entrada nas salas de aulas. Atulhadinhas de manuais aos quais se juntam agora os livros de preparação para os testes e outros de revisões, sem esquecer que muitas salas já têm quadros interactivos e computadores, sejam Magalhães ou outros quaisquer, as criancinhas portuguesas, até ao 9.º ano, frequentam pouco os laboratórios das escolas, fixando os nomes e os resultados de experiências que não fazem. Parafraseando o poeta António Gedeão (ou se se quiser o professor e divulgador científico Rómulo de Carvalho, pois ambos são a mesma pessoa) os alunos de hoje são como Filipe II, o rei que “tinha tudo, tudo” menos “um fecho éclair”. Muitos dos alunos de hoje têm “tudo, tudo” menos a possibilidade de aprender.


Despesa irregular sobe 60 por cento

É o título do Global de hoje, dia 9. "Tribunal de Contas efectuou 1787 acções de controlo durante 2008 e detectou despesa pública irregular superior a 1,28 mil milhões de euros, mais 60 por cento do que em 2007", lê-se como sub-título.

Nota: não era o governo que ia reduzir as despesas do Estado e até despediu funcionários públicos para alcançar esse objectivo? Afinal haviam outras (despesas)... Aparentemente ilegais...


A coisa está a aquecer

Na sequência da notícia do SOL sobre a descoberta de cópias de documentos da venda de um apartamento à mãe de José Sócrates, uma ex-notária entregou esta manhã ao 21.º Cartório Notarial de Lisboa um conjunto documentos até agora desaparecidos.

Lídia Menezes, de 75 anos, compareceu logo de manhã no 21.º cartório notarial de Lisboa para entregar vários dossiês de documentos desaparecidos do cartório.

Segundo uma fonte contactada pelo SOL, a antiga notária alega que os documentos foram levados por uma ex-funcionária entretanto falecida, que os entregou a Lídia Menezes pouco antes da sua morte.

Na ausência da actual notária, Luísa Vieira, os dossiês foram colocados num caixote selado e só serão analisados na segunda-feira. Para já, desconhece-se o conteúdo dos mesmos. in sol.pt, 12 de Junho


Ligações à Camorra

O SOL recuperou os documentos de identificação da sociedade offshore que em 1998 vendeu um apartamento no Edifício Heron Castilho a Maria Adelaide Monteiro, mãe do primeiro-ministro, e que desapareceram do 21.º Cartório Notarial de Lisboa, onde foi feita a escritura de compra e venda.

Os documentos da Stoldberg Investiments Limited mostram que esta offshore, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, tem como procuradora uma portuguesa que vive com o líder de um grupo imobiliário perseguido em França por ligações à Camorra e que reside agora no Algarve.

O desaparecimento dos documentos tinha sido participado pela Ordem dos Notários, tendo o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa instaurado já um inquérito. O SOL encontrou cópias autenticadas desses documentos no 2.º Cartório Notarial de Lisboa – onde, quatro anos antes, a Stoldberg comprara o apartamento em causa à Heron Internacional (outra sociedade offshore, proprietária da maioria deste edifício situado na rua Castilho, em Lisboa, onde o primeiro-ministro também comprou um apartamento dois meses antes da mãe, por 47 mil contos). idem


Os reguladores são um fracasso

O problema não é um problema de líderes. Não estamos a fazer ajuste de contas com Sócrates, estamos a discutir a coerência profunda deste governo. Foi a voz dos interesses económicos dominantes em Portugal ao longo do último século até hoje. É a ideia de que Portugal deve ser um país pobre, de salários baixos, de exploração intensa, de grande desigualdade, a maior na Europa, acumulação vertiginosa de fortunas pessoais nas mãos de uma máfia financeira de que alguns pequenos elementos foram revelados pelo caso BCP, BPN e BPP. Mas aquilo não é defeito, é feitio, é uma forma de criar o poder económico em Portugal. Nós queremos derrotá-lo. Uma esquerda maioritária tem que ser refeita vencendo as políticas do PS.
...
Os reguladores são um fracasso. A supervisão é uma anedota para enganar os incautos. Agora, eu não quero nenhum estado burocratizado a dirigir a economia. Acho é que, onde não há concorrência, porque é que se há-de entregar o monopólio a privados para eles abusarem dos preços em relação às pessoas, que ficam indefesas?
...
Nós queremos ser uma componente central da esquerda portuguesa, porque achamos que o Partido Socialista se tem deslocado cada vez mais para o centro, que se define a si próprio como partido do centro. E é no centro que está o colapso. Francisco Louçã em entrevista ao I.


Penas mais duras

E apelou (Vitor Constâncio) a um quadro penal "mais ágil, mais célere e com penas maiores" in Jornal de Negócios, 9 de Junho, pag 11


Perguntem à Maya

A indústria das sondagens tem um poder de autopromoção invulgar – esses gurus dos tempos pós-modernos acertam sempre mesmo quando falham clamorosamente. Durante semanas, quase em uníssono, juraram que o PS iria ganhar, apenas divergindo na diferença a que ficaria o PSD. O CDS foi reduzido à sua expressão mais ínfima. Só no último dia da campanha surgiu um ‘estudo’ que colocava o PSD a vencer, mas por pouco.

Na antiguidade, as predições eram feitas por sacerdotes que procuravam as pistas do futuro nas tonalidades do fígado das aves. Mais tarde, as folhas de chá tiveram algum sucesso.

Qualquer um dos métodos é mais barato do que as fortunas que agora se pagam às empresas que fazem vaticínios travestidos de ciência – e os resultados têm rigor semelhante.


A sucessão na Cinemateca Portuguesa

A CP (hum...), dizia a Cinemateca Portuguesa é talvez a instituição cultural em Portugal que mais consistentemente tem apresentado um trabalho que a destaca entre as várias instituições.

Coloca-se agora a questão de lhe dar uma (boa) continuidade, depois do desaparecimento o seu carismático presidente.

Hoje (9 de Junho) no Público, P2, uma longa peça tratava este assunto. Independentemente das divergências que surgiram entre o João Bernard da Costa e o José Manuel Costa, parece-me que este é quem "naturalmente" deveria suceder ao primeiro. José Manuel Costa é engenheiro (a sério) por formação e começou na cinemateca tratando do arquivo. No entanto possui uma sólida formação cinéfila, que pude testemunhar como seu aluno em Géneros Cinematográficos e História da Imagem (agora História do Cinema) na Universidade Nova de Lisboa. Não estou a fazer um frete ao José Manuel, com quem aliás nunca tive uma relação de proximidade e até tive alguns atritos quando ele perdeu a "curta" que realizei para "géneros" (ou seria para História da Imagem? Já foi há tantos anos que não me lembro bem), dizendo que a culpa era minha porque eu deveria ter feito uma cópia de segurança, e me baixou a nota em um ponto, impedindo-me de finalizar com a classificação máxima que ele atribuiu naquele ano naquela disciplina. Portanto, quando digo que ele seria o sucessor "natural" de João Bernard da Costa, digo-o com a convicção de que iria desempenhar um bom trabalho* e estar à altura do seu antecessor, conciliando a tradição com algum arrojo e inovação. Não basta escrever umas páginas nos jornais sobre isto e sobre aquilo e já agora, porque não, também sobre cinema... Para estar à frente de uma Cinemateca com tradição e prestígio deseja-se e necessita-se alguém que vive e ama a arte cinematográfica desde há muito.

* desde que não faça aos filmes da Cinemateca o que fez à minha "curta"...


Há crime

O ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, assegurou hoje que a supervisão não falhou no caso do Banco Privado Português (BPP) e salientou que no banco fundado por João Rendeiro estão em causa situações criminais.

"Houve prática de crimes no âmbito da actividade deste banco”, afirmou hoje Fernando Teixeira dos Santos, na conferência de imprensa que se seguiu à reunião do Conselho de Ministros e em que anunciou a solução para o BPP. O ministro adiantou que no BPP "foram detectadas irregularidades graves que substanciam acto de crime" e exemplificou com a existência de "operações fictícias, em prejuízo dos clientes", além de "falsificação contabilística”.

“Não há sistema que evite que quem quer cometer uma fraude, a cometa”, acrescentou o ministro, rejeitando quaisquer culpas da acção do Banco de Portugal.

“Não há aqui falha de supervisão”, afirmou Teixeira dos Santos. O ministro das Finanças fez a ponte com o caso BPN para referir que, à luz das “explicações dadas [pelo governador do Banco de Portugal] no âmbito da comissão de inquérito" ao BPN, fica claro que a “a actividade de supervisão não falhou”.

“Não podemos garantir que não se cometem crimes”, acrescentou Teixeira dos Santos, para frisar que nestas situações há é “que exigir que a justiça funcione”. in publico.pt, 09.06.2009, 15h44

Nota: posso estar errado, mas não é o Constâncio que ganha mais que este senhor? Portanto deveria ser mais eficaz o equivalente à percentagem que ganha a mais, mais a percentagem resultante da diferença entre o PIB dos EUA e o português, mais o resultante da diferença entre a eficácia relativa do FED e a do BdP, mais o resultante da percepção subjectiva que o mundo tem da importância do FED em relação ao BdP... E se de facto há crime, como tudo parece indicar, o senhor Rendeiro não deveria já estar a ver o Sol aos quadradinhos?


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