2005/12/06

QUARTO CONCERTO PARA PIANO DE GEIRR TVEITT

Um compositor desconhecido. Uma etiqueta "low-cost". Um cd que fará história. Se ouvirmos só as variações Hardanger que precedem o concerto, ficaremos, talvez, sem motivação para escutar outras obras de Geirr Tveitt (1908-1981). Como o concerto está no mesmo disco, continuamos a audição e somos imediatamente surpreendidos.

Trata-se de um "novo" neo-classicismo que terá de passar a figurar nos tratados de história da música do século vinte ao lado de um Shostakovich*. Mas já lá iremos. O quarto concerto do pianista-compositor foi escrito em 1947. Rachmaninov tinha falecido em 43. Maurice Ravel em 37. Prokofiev ainda estava vivo. Assim como Stravinsky, que se não fazia parte dos criadores preferidos de Geirr, estava em Paris, onde o norueguês teve sempre um estrondoso sucesso tanto como pianista como na condição de compositor. Se as suas influências em Tveitt são pontuais, são igualmente notórias. Assim como, muito principalmente, as de um Maurice Ravel. Claro que há o Grieg, conterrâneo que Tveitt admirava, interpretava e analisava... No que diz respeito a Prokofiev, cuja obra o norueguês seguramente conheceria, para além das influências, foi o fundador, com os seus primeiro e terceiro concertos para piano e o primeiro concerto para violino, da linhagem estética em que inseriremos Tveitt: uma música dotada de um carácter maravilhoso e "onírico", que ainda se movimenta no quadro das funcionalidades tonais - no extremo oposto ao "neo-realismo" dilacerado de Shostakovich que nos surge na linhagem do grande Gustav Mahler - e que Tveiit, neste concerto intitulado Aurora Borealis, leva ás últimas consequências. Depois desta obra seria dificil continuar a produzir, criativamente, dentro do estilo. Nem vale a pena falar das aproximações na actualidade pois o que importa reter é que se Shostakovich deu um novo folgo à linguagem tonal - sobretudo depois das críticas de Stalin ás suas primeiras obras, nomeadamente à impressionante segunda sinfonia em um só andamento que teve um estrondoso sucesso mas foi considerada "incompreensível para o povo", no seguimento da censura à ópera Lady Macbeth of the Mtsensk District (Op 29) que alguém, provavelmente Stalin, criticou duramente no Pravda como "veiculando uma ideologia pequeno-burguesa"- Tveitt esgotou essa linguagem, exauriu-a, e depois deste concerto nada mais há a dizer que seja "interessante" e "produtivo" nesta linguagem.

Vale muito a pena adquirir o cd editado pela Naxos, que pode ser comprado a preços que variam entre os cinco e os sete euros, e escutar esta música surpreendente que nos oferece um mundo de míriades luminosas e de ritmos da natureza. AST


* Torna-se necessário clarificar esta afirmação. Shostakovich produziu uma obra imensa que ao nível sinfónico só pode ser comparada à de um Gustav Mahler e ao nível da música de câmara, nomeadamente no que diz respeito aos quartetos de cordas, à de um Beethoven.
Portanto aquela afirmação, para não se tornar insane, necessita de ser esclarecida. Shostakovich foi o último "grande" a utilizar a linguagem tonal numa vertente funcional. Depois de Shostakovich toda a utilização da tonalidade tem sido anedótica ou reduz-se a um mero exercício de estilo. Tveitt, no seu quarto concerto, explora ao limite a escrita modal, que já tinha sido genialmente trabalhada por Debussy, nomeadamente os modos pentatónicos, reduzindo também ao anedótico os trabalhos dos "novos neo-modalistas".



Nota: Já recebemos e-mail's a criticar a nossa escrita. Já recebemos e-mail's a protestar contra críticas aqui formuladas. Até já recebemos um e-mail com uma lista de palavras supostamente escritas de maneira incorrecta, atenção que agradecemos...
No entanto, sem surpresas, o e-mail que seria relevante não chegou: o 4º Concerto de Geirr Tveitt não está escrito tonalmente. Ali, de forma inteligente e inspirada, Tveitt utiliza uma linguagem modal, como se torna evidente logo após os primeiros compassos. Tveitt em 1947 não exauriu o que já estava exaurido e se é verdade que Shostakovich continuou a escrever até 1975, data do seu falecimento, na base da tonalidade, há que ter em consideração que o compositor russo criou um idioma próprio. Diz-se de algo escrito daquela maneira que "é" Shostakovich. Tal como acontece com Debussy que se houvesse uma "tabela de estilos" estaria no extremo oposto daquele onde colocariamos Shostakovich. Já Prokofiev, nalgumas obras "tonalmente funcionais", denota alguma pobreza de linguagem, nomeadamente na sua quinta sinfonia (a primeira é um trabalho de estilo "a la Haydn" e as outras não são praticamente tocadas). Também faltou dizer-se que a qualidade sonora do registo do concerto de Tveitt é excepcional. AST