2006/04/16

CARL SCHURICHT, O VISIONÁRIO

A colecção CenturyMaestros da etiqueta History, editou uma colecção de dez cd's com gravações deste chefe de orquestra que pode ser adquirida, em Lisboa, a um preço promocional de sete euros.

Entre elas a quase totalidade das sinfonias de Beethoven (faltam a 8ª e a 9ª). As leituras de Schuricht distânciam-se das interpretações pesadas e lânguidas de outros contemporâneos seus, nomeadamente de Furtwangler. Schuricht tem uma interpretação plena de vida e contraste, sendo simultâneamente mais clara que a daquele seu contemporâneo. As leituras de Carl Schuricht são, sem margem para dúvidas, interpretações-referência, sendo simultâneamente percussoras das concepções contemporâneas que são resultado de uma aproximação histórico-estilística à "essência" da escrita beethoveniana. Claro que a sonoridade está longe do ideal mas o ruído de fundo foi praticamente eliminado, ainda que à custa da eliminação de algumas ressonâncias e da percepção de profundidade, o que de resto é normal numa gravação mono.

O estojo de dez cd's dedicado a Schuricht termina com uma genial leitura de Das Lied von der Erde, num concerto ao vivo à frente da Concertgebouw Orchestra em 5 de Outobro de 1939. Schuricht potêncía as colorações luxuoriantes da orquestração, para além da força dramática desta criação ímpar. Se o tenor Carl Martin Ohmann está à altura do génio da obra e da veia do director, já a prestação da mezzo Kerstin Thorborg deixa a desejar, constituindo-se no elo demasiado fraco de um registo que podia (e devia) estar entre as referências fundamentais para esta obra imensa. Evidentemente que a sonoridade é o outro elo fraco. Mas pouco mais se poderia fazer de uma gravação ao vivo de 1939, que apesar de tudo está melhor que outras da mesma época realizadas em estúdio. Para todos os efeitos trata-se de um registo imprescindivel pela inspiração do director, pela prestação de Ohmann e pelo desempenho da célebre orquestra. O estojo no seu conjunto é uma preciosidade. Literalmente ao preço da chuva. AST















DA FÚRIA NARCISISTA

Num texto interessante reproduzido no excelente blog anonima.blogspirit, Corinne Sacca-Abadi, da Asociación Psicoanalítica Argentina, analizando o trabalho de Orlan, comenta:

"No hay muerte, grita el discurso desesperado de Orlan y grita tan fuerte que inevitablemente remite a aquello que calla. Calla el dolor, la impotencia, la humillación de ser uno más de los millones de seres anónimos que pueblan este planeta. Con sus intervenciones quirúrgicas intenta encubrir la furia narcisista que le genera la realidad de la muerte, la incompletud, la castración simbólica que nos convierte a todos en sujetos de la cultura, falibles, incompletos, carentes y mortales."

Sem colocar em causa a leitura desta analista que faz parte da associação psicanalítica argentina "tradicionalista", não lacaniana portanto, gostaria de colocar-nos uma pergunta: mas tudo isto que Sacca-Abadi acima escreve não se aplicará a qualquer criador, seja mais "convencional", seja mais "vanguardista"?
Os conhecidos ataques de fúria de Beethoven, por exemplo, não seriam afinal a expressão da sua "fúria narcisísta"? E a sua obcessão formal, que se revela nas partituras totalmente corrigidas e rasuradas, não seria a expressão narcísica do desejo de ser um Ser único, excepcional e eterno?

Se este fosse um argumento para provar que o que Orlan produz não é arte, estaria condenado pelo absurdo. Na realidade, a "fúria narcisísta" revela-se, com muita mais virulência, no crítico, por exemplo, que de alguma maneira, sempre a reboque da criação de outrém, procura elevar, sem o admitir, o seu comentário a uma espécie de obra de arte de opinião, com aspirações a mestre da escrita, juíz que produz opiniões com "peso" cultural e político, revelando-se aqui a "fúria narcisísta" na sua vertente perversa pois visa uma elevação sobre a aniquilação, ou manipulação, do "outro", do artista, íntimamente visto como objecto de um gozo pervertido que se manifesta na tentativa do exercício de força e poder, que o crítico, o director, o consultor, ou o que quer que seja, tenta exercer e frequentemente exerce. Manifesta-se igualmente na elevação deste ou daquele artista a "criador de culto". Trata-se de uma perversão igualmente em relação ao público que procura manipular. Neste particular a figura do crítico é uma aberração, fruto de um narcisísmo patético. Crítico pode ser qualquer um e, no artigo em questão, Corinne Sacca-Abadi, a pretexto de uma leitura analítica do "caso Orlan", encarnou, absolutamente, o (mau) papel do crítico.

Porque é que são dados exemplos de supostos artistas que tiveram actos, performances se quiserem, tangêncial e aparentemente na mesma linha estético-sociológica? É elementar compreender-se, e ao crítico "honesto" contribuir para isso, que obras aparentes não o são: se umas merecem ser votadas ao esquecimento, outras podem ter relevância e, no mínimo, merecem o benefício da dúvida.

Poderiamos colocar a questão inversamente porque Orlan já está na história. De alguma maneira já se imortalizou. Na verdade, Orlan não é mais uma entre milhões de seres anónimos. Qual a pertinência de Corinne Sacca-Abadi em dizer que Orlan foge da morte anónima? Não será ela, analista-crítica que, fustigando Orlan, tenta fugir da sua morte anónima? Aquela afirmação é completamente gratuíta e desprovida de sentido exatamente porque se refere a alguém que se destacou da massa dos tais milhões que não vão deixar rasto. Gostar-se ou não do trabalho de Orlan passa a juízo de valor, subjectivo, pessoal, pouco relevante, mesmo se produzido por alguém que transcende o simples crítico, como Corinne Sacca-Abadi.

Nesta altura, a discussão de ser ou não arte aquilo que Orlan produz deixa de ter qualquer pertinência. O que passou a ser julgado é a opinião da analista-crítica e não a obra ou o estatuto de Orlan.

"Orlan transmite a través de sus operaciones el deseo de Ser eternamente, como un ser absolutamente excepcional y único", escreve Sacca-Abadi quase a finalizar o seu artigo.

Quem é, o ser excepcional e único, que no fundo, bem lá no fundo, como se costuma dizer, não deseja ser excepcional e único? Será isto apanágio exclusivo de Orlan? Será isto apanágio exclusivo dos artistas? Ou será que os artistas exibem com mais transparência aquilo que o ser vulgar com pretensões, como o crítico, o director, o consultor, o político, e por aí fora, esconde (mal), com toda a sua "fúria narcisísta", do olhar do "outro"? Inutilmente porque esses sim, vão morrer, ao contrário das suas expectativas, entre os milhões que não deixam rasto, ou deixam um rasto fraco, geograficamente delimitado e irrelevante para o mundo. AST













Orlan es una artista multimediática que desde 1965 viene realizando audaces performances, en las que ubica a su propio cuerpo como eje protagónico de la obra, dirige desde el quirófano las intervenciones realizadas bajo anestesia local ante la vista de fotógrafos, cámaras de televisión, de acuerdo a una minuciosa planificación. Cada nueva operación es un paso más hacia la transformación de Orlan, que intenta unir arte y vida con su trabajo. Define su obra como un arte carnal que denuncia las presiones sociales ejercidas sobre el cuerpo femenino, considera caduca nuestra noción del cuerpo y propone un uso de la tecnología aplicado a la vida humana donde todo pueda ser intercambiable y renovable para lograr un ser humano "más feliz". Corinne Sacca-Abadi in http://anonima.blogspirit.com (17/02/06)








Rudolf Schwarzkogler del grupo accionista vienés, enrolado en el "Body Art", se seccionó el pene cm. a cm. mientras un fotógrafo documentó la acción. Las fotos fueron exhibidas en 1972 en la Documenta de Kassel, (el artista se suicidó poco después). Chris Burden se atravesó con clavos las manos y luego los vendió en una galería de Nueva York, donde también se hizo pegar un tiro documentando el hecho. idem









C.S.A.) Si pudieras renacer en el año 2000, comenzar de nuevo, ¿elegirías ser artista?

Orlan:) No, seguramente no, el medio del arte es horrible, patético, es una lucha muy dura para mí. Hubiera elegido ser científica, médica, o bióloga.
...
C.S.A.) Volvamos a tus operaciones, tus performances en el quirófano me despiertan sentimientos encontrados, pienso que se produce una caída de la metáfora, quiero decir que cuando utilizas el cuerpo para referirte a las conflictivas que suscita en lugar de hacer una alusión poética a su dramática, tu obra produce un grado tal de concreción en lo real que me recuerda la relación entre erotismo y pornografía.

Orlan:) (Visiblemente enojada) Ah! No, de ninguna manera, en mis performances hay mucha poesía, lo dicen los mejores críticos, yo armo una "mise en scene" bellísima, la música está muy cuidadosamente elegida, el vestuario, las lecturas durante la operación, todo es muy elaborado. Lo que ocurre es que mi transgresión es brutal, es revolucionaria, es totalmente radical y eso no es fácil que lo entiendan todos. Yo confío en el dictamen del próximo siglo, de todos modos yo nunca produciría un arte que sea aceptado sin cuestionamientos, porque sólo creo en un arte radical y absoluto.
...
C.S.A.) Yo creo que toda tu obra es como un gran desafío a la muerte pero que en realidad le tienes tanto horror a la muerte que no puedes imaginarte muerta. ¿Me equivoco...?Podrías fantasear ahora una obra con relación a tu muerte?

Orlan:) Yo he dado mi cuerpo al arte. Después de mi muerte no se lo daré a la ciencia, sino a un museo. Será la pieza central de una instalación con vídeo, ya lo he previsto todo pero no quiero hablar de mi muerte, yo no la creo, pienso que en el futuro la gente no va morir, la ciencia, te decía, brinda esperanzas, y si tengo que morir demostraré que soy una artista hasta el final.

Por Corinne Sacca-Abadi

2001-2003 APA - Asociación Psicoanalítica Argentina

in http://anonima.blogspirit.com (17/02/06)














Outro género de performance "multimédia".
Menos dolorosa para a crítica...

Peter Blau