2006/04/22

Entrevista com Skip Sempé

Interpretou Couperin, Marais e Telemann na Festa da Música, que decorreu de 21 a 23 de Abril, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. No final conversámos com Skip Sempé, um dos cravistas mais interessantes e solicitados da actualidade.

Álvaro Teixeira: Acabou de tocar algumas peças de cravo de Couperin e pareceu-me que tem uma particular inspiração para este compositor.

Skip Sempé: Tenho sempre inspiração para tocar a música francesa porque é um nosso repertório de predilecção depois de tantos anos toco o Marais, o Rameau, o Couperin. É um repertório ao qual estou particularmente ligado e ao qual dediquei muito trabalho, muitos concertos e muitos discos.

AST Regista para que etiqueta?

SS Temos a nossa própria etiqueta. Chama-se Paradiso. Mas antes gravamos para Harmonia Mundi, Astré e Alpha.

AST Gosta de fazer este génro de recital, acompnhado por outros músicos que ora tocam em conjunto, ora se apresentam como solistas? Eu, como público, gosto muito pois é mais variado.

SS Gosto de tocar como solista mas gosto também de fazer música de câmera. Ser solista a tempo inteiro nem sempre é muito interessante.

AST Prefere o repertório françês ou o repertório mais tradicional, como Bach, por exemplo?

SS Há poucas coisas que não gosto mas não sou grande fã de Haendel e Vivaldi. Gosto de Bach mas também da música francesa, de Scarlatti, Telemann mas também gosto muito da música renascentista, tanto ao nível de grupo como na situação de solista. Sobretudo do repertório que foi negligênciado ao longo de décadas.

AST Por exemplo?


SS A música de dança do século XVII assim como a ópera de cãmera desse mesmo século, tudo isso é um repertório que não é verdadeiramente conhecido. O público adora a descoberta desse género de obras.

AST Então o classicismo não está no seu âmbito...

SS Não é a minha música. Há colegas, muitos, que fazem esse repertório, assim como a música romântica. Nós estamos mesmo na via da música da renascença e do barroco, com os instrumentos em que essa música era tocada.

AST Há muitos cravistas que tocam Haydn, por exemplo. E Mozart...

SS Sim mas eu prefiro fazer a música da renascença que tocar o repertório clássico. Prefiro fazer a música do século dezasseis que a música criada entre 1750 e 1830.

AST Ok. Nota uma grande diferença, enquanto intérprete, entre a música do norte, Holanda por exemplo, e a do sul? Vivaldi, etc. Diferenças ao nível da essência... e da forma...

SS Essa diferença sempre existiu entre os países que têm muito sol e aqueles onde há muita neve, frio e céu cinzento. Mas creio que nos séculos XVII, XVIII e mesmo no século XIX as estéticas foram bastante mais partilhadas que anteriormente. O violino italiano ganhou muita influência em toda a Europa, assim como o bel-canto com Haendel em Londres e Bach em Dresden. De facto a música barroca teve origem em Itália. E esta estética de fazer tudo pleno de luminosidade ganhou muitos adeptos na Europa do Norte e me Inglaterra também.

AST E a música francesa está no meio?

SS É uma música que se aproxima dos países latinos porque os franceses têm a tendência de impulssionar e tornar visível a sua costela latina. Mas a frança não é, de todo, um país latino. Mas na estética musical a França procura este lado ensolarado de criar música, sendo mais país ensolarado que nórdico.

AST Nasceu nos Estados Unidos... Costuma fazer muitos concertos lá?

SS: Não, não. Estudei lá, na Universidade e no conservatório, mas a maior parte do nosso trabalho é feito cá na Europa. E foi cá que gravamos todos os nossos discos. Mas há um público nos Eua muito fiel à música antiga, nomeadamente em São Francisco, em New York, em Chicago, Houston, etc. Mas de facto, a capital da música antiga das Américas, tanto do norte quanto do sul, é Montreal. Há mais música antiga em Montreal que em todos os outros países da América.

AST Há diferenças entre o público europeu e o americano?

SS Não. Os públicos da Europa são muito diferentes entre si. Diferentes segundo o concerto, o lugar do concerto, a atmosfera do concerto... Há o público do domingo depois do almoço, o público do sábado à noite, o público da ópera... Há o público jovem e o público dos habitués... O público num concerto numa grande catedral reage de maneira diferente do público numa pequena sala que assiste a um recital de cravo.

AST Acha o público português demasiado indisciplinado? Tocou, com insistência, um telemóvel enquanto tocavam...

SS Não é escandaloso. Não se pode procurar um novo público e esperar que esse novo público possua demasiada disciplina. Eu gosto doa artistas que estão descontraídos durante a actuação. Por isso se o público está descontraído creio que pode ser uma experiência bonita...

AST Em Nantes também acontece isto dos telemóveis?

SS Pode-se encontrar um público indisciplinado na Alemanha do Norte e um público com uma disciplina extraordinária em Palermo. Não se podem fazer generalizações. Felizmente!