2005/11/17

O BALLET GULBENKIAN REPRESENTAVA PORTUGAL INTERNACIONALMENTE

Após o muito interessante espectáculo Glamour of Dance - Dream From a Saint apresentado pelo Silesian Dance Theatre (Polónia) na 13ª Quinzena de Dança de Almada , em Portugal, conversámos com a mais recente aquisição da companhia. Uma aquisição que se exprime em português.

Álvaro Teixeira: Portanto a companhia começou em 1991, como estavas a dizer. E como é que encontraste os teus colegas actuais?

Korina Kordova: Eu estava em...

AST: Tu és brasileira.

KK: Sim, sou brasileira.

AST: Mas não nasceste no Brasil...

KK: Nasci no Brasil!

AST: Ha! É que quando estive a falar com o teu colega ele disse-me que o teu pai é Grego...

KK: A minha mãe é Grega mas eu nasci no Brasil. Estava a morar em Amesterdão e um coreógrafo holandês falou-me sobre o trabalho do Jacek Luminski e disse-me que ele estava procurando bailarinos, que ia haver uma audição em Bremen na Alemanha. Então eu fui, fiz a audição e aí convidaram-me para trabalhar com eles. Aí eu começei a trabalhar no meio de Janeiro deste ano porque entrei no meio da temporada para substituir uma pessoa e resolvi ficar mais uma temporada porque estou gostando muito. É um grupo de pessoas muito interessante...

AST: Quem é que coreografou esta peça?

KK: O Jacek Luminski que é o director artístico.

AST: Ele não estava aqui...

KK: Não. Está nos Estados Unidos. Não pôde acompanhar-nos na tourné. É ele que coreografa a maioria das peças. No actual repertório temos esta peça mais outras duas. Uma coreografada pela Sylwia Lewandowska, uma das bailarinas, e a outra coreografada pelo Sebastian Zajkowski e Leszek Stanek. Com a colaboração dos dois.

AST: Eu sei que na Polónia, porque estive a falar com o teu colega, só existem duas companhias profissionais.

KK: Pois é. A nossa companhia é considerada mais contemporânea...

AST: Ele disse-me que a outra é neo-clássica ou coisa assim...

KK: Eu pessoalmente nunca assisti a espectáculos da outra companhia porque eu estou há pouco tempo na Polónia mas a nossa é considerada de forma muito especial porque o Jacek Luminski tem desenvolvido, ao longo destes anos, deste que ele criou esta companhia, uma técnica própria. Nos Estados Unidos e no Canadá esta técnica é conhecida como Polish Contemporary.

Lib Pitalúa: Em que consiste essa técnica?

KK: É uma técnica que explora, realmente, as fronteiras das maneiras como nos movemos. Nós temos que quebrar a cabeça até descobrir como ele quer que nos movamos. Ele simplesmente improvisa e os bailarinos mais experientes já conhecem. Os mais novos pensam: o que é que ele está fazendo? Os impulsos têm de ser todos muito claros. Ele exige sempre muita energia, muita dinâmica e como o trabalho também é muito teatral nós temos que saber desenvolver as nossas próprias personagens baseados na concepção das peças dele. Mas também tem muito trabalho individual de criação de personagens.

AST: Francamente não vi muito espaço para a improvisação... Pareceu-me que tudo está escrito.

KK: Sim. Desculpa. Parece-me que não me expressei bem. O que eu queria dizer é que quando ele está criando o material ele improvisa e nós temos que deduzir o que ele pretende. Práticamente não há improvisação do movimento depois da coreografia estar pronta.

LP: Mas há improvisação de outro tipo não é?

KK: Sim. Esta peça... Nós tivémos a premiére foi este ano, Maio deste ano, então é interessante porque as relações entre as personagens vão sendo estabelecidas ao longo das peformances. Quer dizer que em cada performance voçê descobre uma coisa nova. Aí entra o nosso trabalho de improvisação. Que também muda dependendo do espaço. Este espaço aqui é um espaço muito menor do que aquele espaço a que estamos acostumados. Então mete uma outra sensação.

LP: E qual é a sensação que voçês procuram nesta peça? Qual é a essência desta peça?

KK: Se voçê perguntar a cada um..

LP: falará de sensações diferentes..

KK: Sim, mas existe muito trabalho individual de criação de personagens. A gente tem de procurar as nossas próprias motivações.

LP: Mas tem uma ligação?

KK: Sim, claro. Esta peça, eu diria, é sobre espaços subliminares. Quer dizer, tudo o que está entre... o céu e a terra. Entre a realidade e a fantasia. Tudo o que acontece nos espaços "in " between.

AST: Achas que aqui há alguma influência de Pina Baush?

KK: O Jacek Luminski gosta muito do trabalho da Pina e a influência que eu acho interessante é que apesar de aqui ser uma movimentação toda complicada e elaborado como voçês puderam ver...

AST: Mais elaborada que nos últimos trabalhos da Pina...

KK: Sim mas a principal diferença é que a Pina Baush não trabalha com uma técnica específica e ele trabalha. Ele tem um vocabulário, ele tem uma linguagem própria. Mas eu acho que o trabalho individual, quer dizer, como eu vou aproveitar esse material que ele me dá para que a cancepção da peça funcione, eu acho que aí tem muito a ver com a Dança -Teatro da Pina Baush. Nada é gratuíto, nada é sem motivação mesmo quando voçê não se está movendo.

AST: Mas atenção que na Pina Baush dos últimos tempos há muita coisa gratuíta!

KK: Até concordo. O último que eu vi da Pina Baush foi o "Água", no Brasil, e bom, eu como brasileira até fiquei bastante decepcionada pois foi super superficial e não passou dos clichés. Portanto eu fiquei bem decepcionada com aquele trabalho mas agora pensando nos trabalhos mais antigos...

AST: Técnicamente voçês parecem-me estar mais próximos de uma Anne Teresa De Keersmaeker.

KK: Voçê acha? Hum... Não sei. Em termos técnicos agora até é interessante porque este nosso grupo é muito novo. Tem dois bailarinos que estão com o Jacek há algum tempo: a Sylwia Lewandowska que é aquela rapariga de cabelo lisinho que também montou uma peça para a companhia e que trabalha com o Jacek há dez anos e o Sebastian Zajkowski que está há seia anos na companhia. Depois há uma pessoa que está há dois anos, eu estou há seis meses... então é difícil, na minha opinião, porque eu começei a trabalhar esta técnica há pouco tempo e quando observo o nosso grupo é um grupo ainda muito heterógeneo.

LP: Nota-se logo que têm diferentes técnicas e diferentes linguagens. Voçês ainda não têm aquela técnica do coreógrafo em si.

KK: É. isso é verdade. Ele trabalhou com um grupo de pessoas durante bastante tempo e esse grupo enfim se dissolveu na temporada passada e então agora todos nós estamos tentando nos aproximar o máximo possível da estética, não no sentido de beleza...

AST: Do estilo...

KK: do estilo que ele gostaria em que nós estivéssemos. Eu acho que é um trabalho muito mais "ruff", desculpe estar a usar termos do inglês... Tem vezes em que o trabalho é muito lapidado tem outras em que é uma coisa meio bruta. Bruta não no sentido violento mas bruta no sentido em que uma coisa não foi lapidada.

LP: Há companhias que estão mais na leveza, voçês estão mais no chão, não é?

KK: Isso é também um grande desafio porque a técnica dele é muito vertical, quer dizer, ele trabalha muito com a coluna vertebral e a musculatura mais interna, criando sempre um implulso para os movimentos e ele alterna, quer dizer, ele dá um impulso numa direcção mas voçê tem de estar imediatamente preparada para lançar outro impulso noutra. Isso é que torna tudo tão difícil e imprevisível. Ás vezes, quando bem feita uma combinação dele, voçê fica surpreso porque quando voçê deveria ir para lá voçê vai para o outro lado. É por isso que é tão difícil executar porque voçê tem de ter um controle extremo para fazer parecer que aquilo está fora de controle e ainda executar aquilo com uma certa harmonia quer dizer..

AST: consistência...

KK: É.

(risos)

KK: E esta foi a minha primeira peça com ele. O que eu estou dizendo é da minha curta experiência. Fizémos esta peça e já estamos preparando outra que ainda não está terminada. Essa vamos apresentar num festival de música na Polónia em Dezembro.

AST: Em Warsaw?

KK: Seria en Cracóvia mas acho que foi mudada, não tenho a certeza para que cidade. Então estou trabalhando nessa segunda peça e é uma coisa completamente diferente. Ainda não está nada fechado de forma que não poderia falar muito dela.

AST: Na Holanda chegaste a dançar? Só em projectos. Nunca fiz parte de uma companhia. Trabalhei com uma coreógrafa chamada Susana Gomes que também é brasileira que estudou na : School Dance of Developement em Amesterdam.

LP: Estudaste lá?

KK: Não. Eu tive uma formação um pouco maluca. Nunca fui a uma academia ou a uma universidade de dança. Eu procurei a formação aonde me interessava.

LP: Que é uma forma também muito boa.

AST: E sobre a dança brasileira contemporânea o que nos podes dizer?

KK: Bom. O Brasil é muito grande realmente...

(risos)

KK: Tem muitas e muitas cenas de dança nos diferentes estados e por questões financeiras, infelizmente, não há muito intercâmbio entre as várias companhias. Mas as companhias mais estabelecidas são as companhias que têm um trabalho baseado em técnica clássica. Não estou a dizer que sejam companhias clássicas mas os bailarinos são treinados em técnicas clássicas porque não existe uma escola de dança contemporânea no país. Eu sou de São Paulo, por exemplo, e os bailarinos das duas companhias que lá existem são treinados em técnica clássica. Eles têm trabalhos interessantes, de coreógrafos convidados, muito interessantes. Também tem o Grupo Corpo que é em Belo Horizonte, uma companhia já conhecida internacionalmente do coreógrafo Rodrigo Pedreneiras que... Bem, ele sempre coreografa. Então chega uma hora que fica um pouco cansativo. Mas é um trabalho que vale a pena conhecer. Os bailarinos têm uma grande qualidade técnica.

AST: E de Portugal o que é que se conhece? Na Holanda, na Polónia, no Brasil...

(risos)

KK: Em Portugal... É a minha segunda visita a Portugal. Eu estive aqui há quatro anos atrás no centro coreográfico do Rui Horta, em Montemor-o-Novo, fazendo um workshop. Foi uma experiência... interessante. Enfim, foram duas semanas e lá tive contacto com muitos jovens bailarinos que estavam estudando na escola superior de dança e impressionou-me muito o trabalho deles em composição e improvisação. Achei que eram muito criativos e também gostei muito de trabalhar com ele. Também há algumas pessoas que conheci que estavam trabalhando com o Paulo Ribeiro. Gostei muito porque fiquei com a impressão que cada vez que começam a trabalhar alguma coisa eles querem fazer algo que nunca fizeram antes e não seguindo sempre fórmulas que já funcionaram.

AST: Há alguma companhia portuguesa que seja conhecida lá fora? Nos sítios por onde passaste?

KK: Sim. Infelizmente o falecido Gulbenkian.

AST: Era a única conhecida lá fora?

KK: Também no Brasil é conhecida a Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo do Vasco Wellemkamp porque o Vasco Wellemkamp coreografou para várias companhias no Brasil. Desde pequenininha que ouço falar dele.

AST: Quando acabaram com o Ballet Gulbenkian isso teve impacto internacional? O Ballet Gulbenkian era muito conhecido lá fora?

KK: Era sim.

AST: Qual é a leitura que fazes disso?

KK: Bem, eu estava na Holanda e na verdade lá não teve muita repercussão. Mas quando eu fui ao Brasil, nossa, foi super-lamentável. O Paulo Ribeiro estava na direcção não era? E... eu tinha ficado muito curiosa porque conhecia alguns bailarinos que trabalhavam com o Paulo Ribeiro e conhecia o trabalho da Gulbenkian e achei interessante. Gostaria de ter visto a companhia depois nas mãos do Paulo Ribeiro para ver se ia mudar de estilo, o que ia acontecer. E acabei não vendo e fiquei sabendo... Realmente uma pena... As pessoas que tinham criado o ballet faleceram, como é que foi?

AST: Não. Calouste Gulbenkian que foi quem esteve na origem de tudo o que há na Fundação Gulbenkian, que deixou dinheiro e petróleo para a cultura em Portugal, esse já faleceu há muito tempo. Mas a decisão de acabar com o Ballet Gulbenkian foi recente...

KK: Mas... e porquê?

AST: Não sei. Não me disseram nada. A mim suspenderam-me os convites para os concertos...

KK:?!

AST:É. Alguns serviços da Fundação Gulbenkian parecem estar tomados pelo Portugal mesquinho e vingativo... Só te estava a perguntar no sentido de percebermos qual o real impacto internacional do fim do Ballet Gulbenkian.

KK: Era uma companhia importante. Era uma companhia que representava Portugal internacionalmente.

AST: Talvez a única conhecida...

KK: Sim. Acho que sim. Eu conhecia outras porque sou brasileira, então há outra relação. Mas eu acho que foi realmente uma perda muito grande. Eu... agora não sei mas imagino que esses bailarinos que estavam no Ballet Gulbenkian devem ter sido absorvidos pelo mercado internacional, concerteza. Não devem ter ficado aqui. Todo o mundo se deve ter ido embora de Portugal. O que é uma pena.

AST: Olha.... Foi um prazer conversarmos contigo...

(risos)

AST: e... muito obrigado!

(risos)