O célebre Quarteto Borodin apresentou-se na Gulbenkian de Lisboa com dois recitais em dias consecutivos.
No primeiro dia ofereceu-nos três quartetos de Schubert incluindo o nº14, conhecido como "A Morte e a Donzela", de que nos deu uma leitura deslumbrante.
No segundo dia foi a vez de Mozart em que foi incluído o quinteto para clarinete K581, sendo clarinetista Michael Collins.
Todas as interpretações foram geniais e paradigmáticas, como aliás seria de esperar deste agrupamento que desde há muito temos a felicidade de escutar com alguma regularidade. Há que realçar a enorme consistência estilística e a profunda compreensão das obras de autores tão diferentes quanto Mozart e Schubert.
Conversámos com o mais antigo membro desta formação, o violoncelista Valentin Berlinsky.
Álvaro Teixeira: Há muito que ouço o vosso quarteto. Lembro-me de vos escutar no Ateneu Comercial do Porto ou no Palácio da Bolsa, já não me lembro bem. Tocaram quartetos de Chostokovich e a vossa interpretação deixou-me hipnotisado. Desde esses recitais, que foram há mais de dez anos, o Quarteto Borodin conta com novos elementos. O que se alterou na vossa música desde essa época?
Valentin Berlinsky: Chegaram de facto novos membros que trazem todos eles contributos importantes. O fundamental e conseguimos é conservar as tradições que estiveram na origem deste agrupamento há cinquenta anos atrás.
AT: Penso que actualmente o único membro fundador é o senhor.
VB: Sim.
AT: Vocês têm uma relação particular e especial com Chostakovich.
VB: Eramos muito chegados. Tocavamos os quartetos que ele compunha com a sua "bênção". Antes de estrearem tocávamos-los só para ele.
AT: O que o fascina na música dele?
VB: É dificil responder a essa pergunta. Chostakovich é um compositor genial que está ao nível de Beethoven e Mozart. Por isso é tão dificil responder a essa pergunta. Ao mesmo tempo era alguém atento a tudo o que se passava no seu país na época em que viveu.
AT: Consta que o Pravda criticou a música dele. E pela audição pode notar-se uma inflexão estilística na sua obra. Inflexão supostamente relacionada com essa crítica. O Pravda dizia que a música dele não era compreendida pelo povo... O que nos pode dizer sobre isso?
VB: O que o Pravda escrevia nem sempre era verdadeiro. Havia quem queria destruir Chostakovich mas ele manteve-se sempre verdadeiro face a si mesmo. Não se deve prestar atenção a esses artigos dos jornais mas sim à obra que ele compôs.
AT: Que diferença encontra entre a vida musical de hoje na Rússia e aquilo que era há vinte ou trinta anos atrás?
VB: Infelizmente as diferenças não são só na Rússia mas no mundo todo. A Rússia particularmente encontra-se numa situação das mais difíceis desde o pós-guerra. Esperemos que as coisas más sejam superadas.
AT: Mas apesar de tudo músicos de excepção como os elementos deste quarteto continuam a viver lá...
VB: Sim. Tive sempre muitas oportunidades para sair do país mas nunca o fiz.
AT: Muito obrigado. Foi um enorme prazer conversar com o senhor que é um dos músicos que eu mais admiro em todo o mundo.
Tradução em directo por Artem Khmelinskii