2006/01/30

ROYAL CONCERTGEBOUW ORCHESTRA CONQUISTA LONDON

Com o Mariss Jansons, o maestro titular, a dirigir, a orquestra holandesa deu dois concertos no Barbican, seduzindo em absoluto os londrinos e afirmando Richard Strauss como um criador de primeiro plano.

O primeiro concerto, dia 28, foi preenchido com a 7a sinfonia de Shostakovich, chamada "Leninegrad". O segundo, dia 29, com Ein Heldenlenben de Richard Strauss, na segunda parte que foi precedida pela sinfonia No 94 de Haydn, na primeira parte.

A 7a Sinfonia de Shostakovich revela os dilacerantes dilemas do compositor sempre colocado entre a espada e a parede pelo regime stalinista e face, no exterior, aos nazis que pela altura desta obra tinham cercado Leninegrado. Trata-se de um trabalho de grande forma para grande orquestra que revela alguns problemas conceptuais e que fica longe do que seria de esperar depois da quinta e sexta sinfonias. Jansons fez arrastar demasiado os lentos (aqui sem a amplitude dos lentos de outras sinfonias e quartetos de cordas) tornando-os aborrecidos. Os ouvintes que enchiam completamente a sala aplaudiram fortemente.

Na obra de Strauss, como seria de esperar, a orquestra e o maestro tiveram uma performance de grande quilate correspondendo-se com a genialidade do trabalho orquestral e conceptual de Richard Strauss. Estranhamente, neste segundo concerto a sala mostrava-se pouco cheia...

No Haydn, com uma orquestra reduzida, tivemos uma boa leitura, com uma performace exemplar por parte da orquestra, que faria o compositor sorrir de felicidade.

Os bravos foram tantos, no final de Ein Heldenlenben, que o maestro acabou por convidar a orquestra a oferecer dois encores. Um Haydn um pouco caricato e uma genial leitura da abertura de O Cavaleiro da Rosa, do mesmo Richard Strauss. Podemos dizer que a Royal Concertgebouw e Richard Strauss conquistaram, definitivamente, London. Livios Pereyra














Hoje inicia-se o ano do cão

BOM ANO NOVO!















2006/01/28

DOZE MACACOS MAIS UM

Chris Ofili criou, em 2002, THE UPPER ROOM, usando acrilico, polyester, oleo e outros materiais, doze macacos nomeados pela cor que lhes deu. Doze macacos voltados para a figura central "mono oro", o macaco dourado. Trata-se de um trabalho importante, ao qual foi dado relevo, pois ocupa toda uma sala na Britain Tate.

Os macacos possuem um copo por cima do qual, sem o tocar, se encontra uma pedra trabalhada com os mesmos materiais. Por outro lado, o macaco dourado tem a pedra por cima da nuca. Podemos estar perante o cristo e os discipulos... Podemos estar perante os macacos sagrados de outras formas religiosas. Estamos sobretudo perante uma obra que permite uma multiplicidade de leituras. Uma obra que, pelas texturas, trabalha uma forma que tende para uma tridimensionalidade e que se repete de maneira produtiva, pela luz e pelas cores, com uma figura, acrescida, que centraliza toda a prespectiva. Pilar Villa














LUCRECIA BORGA REIGNS IN THE VATICAN IN THE ABSENCE OF POPE ALEXANDER VI

Um trabalho fabuloso, realizado entre 1908 e 1914 e apresentado na Royal Academy em 1914. Trabalho baseado na filha "ilegitima" do papa Alexander VI que em 1501 presidiu no Vaticano a uma assembleia dos cardeias.

Trata-se de um hiper-realismo de primeira qualidade onde os rostos dos cardeias foram copiados de quadros e gravuras com veracidade historica. A sala existe nos dias de hoje. O trono de Lucrecia, em estilo arte-nova, assim como a mesma Lucrecia, faz a roptura. O macaco que segura uma esfera, que tanto pode ser o mundo como o "fruto proibido", faz de simbolo.

Os cardeais parecem conformados. O mesmo acontece com os representatntes das outras, muitas, religiosidades. Um frade franciscano beija os pes de Lucrecia e um cardeal arranja-lhe a base do vestido.

Frank Cadogan Cowper, uma figura de segundo plano, merece, por este trabalho genial, mais notoriedade. Trata-se de um trabalho supremo. A ver na Britain Tate. Entrada gratuita. Pillar Villa















2006/01/26

BRITTEN SINFONIA COM TASMIN LITTLE

Uma maravilha poder-se escutar um Bach seguido de um Chostakovich no mesmo concerto se tivermos uma orquestra excelente.

Assim acontece com a Britten Sinfonia que executou o arranjo para cordas da sinfonia em C (do) menor do compositor russo, num arranjo de Barshai, sem director, como se fosse um (muito bom) quarteto de cordas. Estamos perante um agrupamento de primeira classe que conseguiu concentrar em absoluto o Queen Elizabeth Hall, que estava quase cheio (deve ter-se em conta que neste mesmo dia, nesta mesma hora, Vengerov e Rostropovich tocavam Chostakovich no Barbican, com a LSO).
O arranjo do russo para orquestra de cordas foi o momento mais conseguido deste concerto, que decorreu a 25 de Janeiro, onde a violinista Tasmin Little executou com beleza o concerto para violino em A (la) menor de Bach. Foi apresentada, na segunda parte, uma obra do compositor John Woolrich, que estava presente, e que arracou os bravos da sala. Uma obra com algum interesse este Ulisses Awakes de Woolrich...

O concerto acabou com a sinfonia concertante em E flat (mi sustenido) de Mozart com Tasmin no violino e o primeiro violetista da orquestra na violeta. Um excelente concerto onde coexistiram estilos muito diferentes todos trabalhados de forma exemplar. Sobretudo a Britten Sinfonia mostrou possuir a consistencia de um muito bom quarteto de cordas, pois Little Tasmin dirigiu unicamente as obras em que foi solista. A concertino da Britten Sinfonia mostrou ser um pilar fundamental assim como a primeiro violoncelo. Merecem, elas e a sua "sinfonia", cinco estrelas. Livios Pereyra















2006/01/25

EMBANKMENT

Rachel Whiteread criou, na Modern Tate, algo de grandioso.
Pelo visivel, pelo invisivel pelo suposto, pelo pressuposto Rachel inventou qualquer coisa que partindo de tudo e de nada, inova. Inova de maneira genial.

Quando se olha de longe parecem constructos em blocos de neve. Uma torre, que nos remete para os Mayas, se assim o lermos, domina. Domina imparcialmente porque tudo nasce de parcialidades. Tudo se constroi a partir do objecto elementar. Poder-se-ia remeter a uma cultura minimal. Sim, mas superada. Demasiado superada...

Tudo partiu dos recordos de uma caixa e da figura feminina desaparecida. Agora milhares de caixas translucidas que deixam perceber um interior habitado pelo vazio, erguem-se como uma cidade irreal, como ruinas de uma cultura antiga, ancestral e omipresente.

Embankment. Um lugar junto ao Tamisa. Da mesma maneira que blocos, impressionantes, esculpidos na natureza. Tudo isso. Tudo isso pode ser, tudo isso se reflete sem flectir nesta enormidade genial que Rachel inventou. Na Modern Tate. Pilar Villa















Isis Light

A arte pode servir como experiencia de jogo com os sentidos? Claro que sim sem que isso seja, por norma, o seu objecto principal. Mas pode, mesmo sem intencionalidade, tornar-se fundamentalmente nisso. Nada contra. Desde que haja genio...

Esse objectivo esteve presente em Anish Kapoor (nascida em 1954 na India mas trabalha em London), ao criar Ishis Light em 2003. Ela nem sequer esconde esse pressuposto, nem as influencias que colheu de outros criadores. Confrontados com a obra de Anish esses aspectos ficam desprovidos de peso, excepto talvez para os historiadores de arte.

Ishis mostra como partindo da ideia mais simples (uma casca de ovo gigante que pode ser invadida pelo espectador), utilizando a tecnologia simples (fibra de vidro), consegue o que artistas que utilizam grandes tecnologias informatizadas, fazem e caem, frequentemente, na vulgaridade, ao usarem ostentatoriamente uma suposta hiper-tecnologia, quase intimidante... Anish conseguiu uma obra genial com uma simplicidade franciscana.

Isis pode ser visitada (gratuitamente) no terceiro piso da Modern Tate. Obra simples e discreta que nos permite a experiencia de um resvalar para o "outro lado". Uma escultura-conceito-efeito de uma grande artista. Pilar Villa















Jugoslávia

É pena que José Saramago, que só se exprime em Português e Castelhano e que por isso o mundo, para ele, se reduz de certa maneira à Península Ibérica, fale do que não sabe ou então esconde o que sabe. A Jugoslávia (que na entrevista que deu ao La Vanguardia de Barcelona é referida como exemplo de um país que existiu e deixou de existir, tal como pode acontecer a Portugal) foi uma invenção de um sistema que Saramago apoiou. A Jugoslávia foi um pseudo-país criado pelo poder político-militar, que também inventou um idioma (o servo-croata) procurando-o impôr ás diferentes nações no sentido da perca de identidade com vista à uniformização, tão do agrado dos comunistas e dos fanáticos religiosos. Imposição que foi historicamente um fracasso, como não poderia deixar de o ser: hoje ninguém fala "servo-croata". A Jugoslávia desfez-se porque só existiu na cabeça de quem a inventou. No entanto foram liquidados milhares entre os que se opuseram áquela esquizofrenia...
O mais interessante é que o caso da Jugoslávia prova o inverso daquilo que Saramago pretende: o desaparecimento daquela "federação" demonstra que nações distintas nunca coexistem muito tempo num só estado se houver um lastro histórico adverso à integração. De resto a comparação com os países do Benelux é mais um delírio do escritor que salta do centro para o sul e deste para o norte da Europa como se existisse uma homogenia cultural, social e de mentalidades que permite fazer transposições deste calibre.
É pena que o escritor Saramago não tenha dito que a resolução do "problema" de Portugal passa por um ensino básico de disciplina e exigência (que não contrariam mas complementam uma pedagogia de abertura e criatividade) e se tenha centrado obcessivamente na ideia do integracionismo Ibérico. É pena que não tenha dito que a resolução do "problema" de Portugal passa por um ensino básico cujo alicerce fundamental seja o respeito pelo "outro" e o respeito pela diferença. Como Popper dizia: a liberdade do meu punho se movimentar acaba onde começa a ponta do teu nariz. E mesmo assim convenhamos que é um conceito de liberdade muito lato... Claro que "disciplina" é palavra tabu para alguns que indevidamente a associam a repressão. Chamemos-lhe então "civismo" que é um termo muito em moda e "politicamente correcto". Muito sintomaticamente, Sequeira Costa, que tal como Saramago mas por outros motivos foi um grande admirador da ex-URSS onde se deslocava frequentemente, que é outro nome português que se impôs ao mundo e que ao contrário de Saramago conheçe muito bem outros mundos para além do(s) "mundo(s) ibérico(s)" e "latinos", considera o ensino básico como a questão fundamental para Portugal. AST

No entanto, há que dizê-lo, Galiza e o norte de Portugal encontram-se muito mais próximos, cultural, económica e psicológicamente (e também geograficamente...), que o norte de Portugal e Lisboa ou o Algarve. Os galegos sempre foram "os galegos" para o resto de Espanha, da mesma maneira que o habitantes do norte de Portugal sempre foram "os do para lá do sol posto". Não acreditando na viabilidade do integracionismo em bloco de que fala Saramago, acreditamos em aproximações "naturais" entre algumas regiões de ambos os paises, que poderão desembocar numa nova geografia de "relacionamentos previligiados", no quadro de uma Europa federalizada, que poderá potênciar (e muito) regiões que foram, de uma forma ou outra, penalizadas, quer em Portugal, quer em Espanha. Nesse aspecto o futuro está totalmente em aberto. AST













Formar licenciados em excesso é prejudicial. Sem prespectivas, esses jovens poderão lançar-se em novos nacionalismos virulentos. Courrier Internacional, Edição Portuguesa, 20 de Janeiro de 2006, pag 12














LA PAZ (Reuters) - Evo Morales, que está prestes a se tornar o primeiro presidente indígena da Bolívia, fez o primeiro anúncio sobre seu gabinete-- ele descartou a criação de um ministério para cuidar da população indígena.
Morales disse que tal pasta seria uma forma de discriminação contra a maioria indígena do país.
"Aqui, os indígenas serão ministros", disse Morales, um índio Aymara, a jornalistas na quarta-feira. "Alguém disse que quando os Quechuas e os Aymaras chegassem ao governo teríamos um ministério para os brancos, mas não vamos discriminar."
Morales, que foi pastor de llamas nas montanhas bolivianas quando menino, prometeu batalhar pelos direitos dos índios quando chegasse ao poder. Ele será empossado no domingo. http://ultimosegundo.ig.com.br (Reuters 23:48 18/01)














Portugal é também o país onde existe menos intenção de poupar nos próximos 12 meses (3% da população), acompanhando a tendência dos países em análise, apenas contrariada pela Alemanha e pelo Reino Unido - países que registaram, respectivamente, a maior subida no moral e a menor inquietação quanto ao futuro próximo.
A taxa de utilização da rede Internet manteve-se em 47% em Portugal - sendo apenas superior à da Hungria (33%) -, enquanto a média dos 12 países europeus subiu três valores em 2005 para 54%.
Os portugueses ocupam também os piores lugares quando se trata de consultar a Internet para se informarem antes de comprar bens, como viagens e lazer em geral ou produtos financeiros, embora se encontrem nos primeiros lugares na compra de carros novos através da rede. http://diariodigital.sapo.pt (18-01-2006 16:18:00)

A maioria dos jovens condutores (em Portugal, nde) interpelados pelas duas brigadas da campanha 100% Cool estava sob o efeito do álcool. Números preocupantes, a rondar os 77 por cento, que vem confirmar o negro cenário de 2004, em que um milhar de jovens conduziu alcoolizados e alguns deles estiveram envolvidos em acidentes rodoviários, onde resultaram mortos e feridos, refere o CM. www.tvi.iol.pt (19:22 Qua 18 Jan 2006)

Saramago não tem a certeza de que Portugal exista dentro de 50 anos. Diz que vivemos num "lento processo de decadência"...
Os portugueses continuarão a "existir enquanto comunidade de gente que fala esta língua", mas "o Estado português pode desaparecer". Lembra, por exemplo, que há pouco desapareceu um país que se chamava Jugoslávia. Courrier Internacional, Edição Portuguesa, 20 de Janeiro de 2006, pag 9

Voltará Espanha, amanhã, a ser Hispânia? idem, pag 10















2006/01/23

CONCERTOS PARA ORGÃO DE HAENDEL

Numa gravação de 2004, a Brilliant Classics disponibiliza a integral de concertos para orgão de George Frideric Haendel, na interpretação do organista Christian Schmitt e da Stuttgart Chamber Orchesta, sob direcção de Nicol Matt.

O estojo de cinco cd's, cujo preço varia entre os quinze e os dezoito euros, inclui a versão do concerto hwv 294 para harpa, com interpretação da harpista Charlotte Balzereit.

Trata-se também da primeira integral destes concertos a partir de leituras da Breitkopf Urtext Edition.

Por um preço muito razoável temos a possibilidade de adquirir este importante acontecimento editorial, em interpretações de um jovem grande organista, acompanhado por uma das mais antigas orquestras de câmara do mundo que é simultâneamente uma das de maior excelência técnico-interpretativa.

A utilização de instrumentos modernos, aqui, favorece claramente a percepção das linhas musicais. A diversidade tímbrica que caracteriza os agrupamentos que utilizam instrumentos históricos, se utilizada com o orgão de tubos que é um instrumento muito rico em harmónicos e parciais, pode saturar a percepção e prejudicar a clareza daquilo que se ouve. Por isso recomendamos, sem rodeios, esta edição ainda fresca, que será para todos uma aquisição de grande valor. AST














LISBOA (Reuters) - El candidato de centro-derecha Anibal Cavaco Silva ganó el domingo las elecciones presidenciales en Portugal, asestando un duro golpe al gobernante Partido Socialista, muy desgastado por el estancamiento económico.
Cavaco Silva, un ex primer ministro que se comprometió durante la campaña a ayudar al país más pobre de Europa Occidental a mejorar su economía, obtenía el 50,59 por ciento de los votos cuando ya se habían escrutado casi todas las urnas, según informó la comisión electoral.
El izquierdista Manuel Alegre tenía el 20,72 por ciento de los votos, mientras que el veterano socialista Mario Soares, de 81 años, alcanzaba el 14,34 por ciento. http://es.news.yahoo.com (23 de enero de 2006, 7h27)















2006/01/16

OBRAS PARA PIANO DE KAROL SZYMANOWSKI

Szymanowski é um dos compositores mais fascinantes da viragem do século XIX para o XX. Polaco como Chopin. Se os seus Prelúdios op 1 "soam" a Scriabin (outro genial da mesma época, "herdeiro" de Chopin, que partindo do idioma do mestre das pequenas formas vai aportar numa linguagem de abstração máxima plasmada nas "grandes formas"), já Masques op 34 denotam a influência dos franceses Debussy e Ravel, o mesmo acontecendo com Mythes op 30 para violino e piano. Em contrapartida os Études op 33 revelam uma impressionante linguagem pessoal onde o maravilhoso coexiste com o enigmático. Se em Concert Ouverture op 12 de 1904, revista em 1912, a influência dos alemães, nomeadamente de Richard Strauss, é mais que evidente, na sua Terceira Sinfonia op 27, escrita entre 1914 e 1916, o compositor já possui um interessante idioma que o singulariza num mundo que começa a ser o das heterogeneidades estético-estilísticas.
Em 2005, a Emi na sua colecção Gemini (duplos cd's), re-editou algumas obras para piano deste fantástico criador interpretadas por outro fantástico artista que é o pianista Mikhail Rudy que nos oferece fabulosas leituras dos já referidos doze estudos, da maravilhosa Métopes op 29, de Masques, assim como de algumas súbteis mas impactantes Mazurkas dos opus 50 e 62.
O segundo cd traz-nos, pelo violinista Ulf Hoelscher acompanhado do pianista Michel Béroff, os já referênciados Mythes e várias outras peças para os dois instrumentos, ficando bem patente a heterogeneidade estilística que coexistiu neste compositor fundamental, fruto da viragem de séculos e marco em toda a história da cultura, infelizmente pouco conhecido por parte de muitos públicos. O duplo cd ronda os dez euros. AST
















2006/01/10

MOZART PIANO QUARTETS

A chancela Columns Classics gravou, em Setembro de 1998 na Igreja Maria Minor em Utrecht, os quartetos com piano de W. A. Mozart K 478 e K 493 por um grupo de conhecidos intérpretes no domínio da chamada "música antiga". O resultado foram umas interpretações assombrosas em que os músicos, para além de uma elevada coesão interpretativa e técnica, conseguem uma leitura revestida de uma "poiesis" singularizada pela grande inspiração e elevada compreensão dos textos mozartianos. As cordas abstêm-se de utilizar vibratos que como se sabe é um efeito expressivo típico do romantismo que serve, concomitantemente, para corrigir a afinação. A expressividade tem portanto de ser trabalhada ao nível do fraseado e das dinâmicas e a afinação tem de ser naturalmente perfeita. Daí a interpretação da "música antiga" ter de ser um terreno só para intérpretes excepcionais uma vez que as imprecisões, nomeadamente de afinação, se tornam muito mais evidentes e dificilmente camufláveis.

No registo que nos ocupa temos precisamente uma interpretação-referência onde o lado técnico, que é perfeito, serve uma elevada expressividade fundada numa re-leitura inteligente dos textos do compositor. Trata-se de uma ilustre desconhecida "interpretação-paradigma" realizada por reconhecidos intérpretes da prestigiada escola holandesa, a saber: Bart van Oort no pianoforte (já falamos dele a propósito da sua interpretação dos nocturnos de Chopin e John Field em instrumentos da época), a violinista Tjamke Roelofs, na viola Bernadette Verhagen e finalmente Jaap ter Linden que é o primeiro violoncelista da célebre orquestra do século dezoito.

Para além da excelência interpretativa é interessante ouvir-se esta música do punho fluído e sem rasuras de Amadeus, ver-se até que ponto o piano é um instrumento solista ao contrário de uma ideia peregrina que o considera um instrumento de acompanhamento quando utilizado em música de câmara. Se isso pode ter alguma realidade no romantismo, no classicismo - Beethoven incluído ainda que seja um compositor de charneira onde se pode encontrar de quase tudo ao nível de instrumentação e de estruturação - é absolutamente falso. Mas o importante é escutar-se esta música genial materializada pelos dedos conduzidos pela inteligência e pela inspiração daqueles intérpretes de nível máximo. Já agora: o cd custa cerca de três euros. AST















2006/01/07

DUAS LEITURAS DE UM STABAT MATER

O Stabat Mater de Giovanni Battista Pergolesi tem vindo a ser alvo de re-leituras sucessivas, algumas registadas em disco.

Vamos analisar duas interpretações, ambas disponíveis em cd a preços económicos. Uma premiada e "famosa", outra relativamente desconhecida ainda que os seus intérpretes sejam músicos reconhecidos mundialmente.

A primeira é a do Concerto Italiano dirigido por Rinaldo Alessandrini, com a soprano Gemma Bertagnolli e a contralto Sara Mingardo que pode ser adquirida, juntamente com o catálogo da etiqueta Naïve, por cerca de oito euros.

A segunda é uma edição Classic Collection, com um preço que ronda os quatro euros. A interpretação é da soprano Angharad Gruffydd Jones e do contratenor Lawrence Zazzo nas vozes, com Julia Bishop e Joanna Parker nos violinos, Peter Whiskin na viola, Joanna Levine no violoncelo e Mark Levy no violone. A direcção a partir do orgão é de Timothy Brown.

No que diz respeito à interpretação de Alessandrini à frente do Concerto Italiano é de imediato evidente uma prespectivação operística da leitura cujo "paradigma" é o desempenho de Gemma Bertagnolli que é exageradamente teatral, utiliza uma técnica romântica na produção dos crescendos sempre modulados por um vibrato despropositado e não demonstra o controle da projecção vocal indispensável na interpretação da "música antiga" (na realidade indispensável na interpretação de todo o tipo de música) . Ouça-se a "dolorosa", que dolorosamente se arrasta entre dinâmicas artificialmente contrastantes, e compreender-se-á que esta leitura poderia vir da batuta de um "velho" director romântico. O mesmo se dirá dos "stacattos" que Alessandrini utiliza: deliberadamente exagerados e produzindo um efeito teatralizado totalmente desadequado a este tipo de música. No final, "Quando corpos morietur", o "largo assai" é transformado num "grave" e o "presto assai" em "prestíssimo", procurando-se pelo efeito de contraste suprir o que estilística e musicalmente se deixou escapar. No entanto esta foi uma das comercializações mais louvadas a pretexto de um tal "movimento" da nova interpretação da música italiana por grupos italianos, muitos deles caracterizados exatamente por este "forcing" contrastante que pelo efeito surpresa procura colmatar aspectos da "essência" das obras escamoteados na interpretação.

O segundo registo é genericamente equilibrado sem despeito de um bom trabalho ao nível de contrastes que no entanto respeitam as características estilístico-históricas da obra. A soprano possui um belo timbre cristalino e evita o uso do vibrato. Já Zazzo utiliza um vibrato moderado conseguindo elevada consistência tanto tímbrica quanto expressiva. Os contastes dentro dos andamentos são mais restritos e a paleta dinâmica mais reduzida, tal como era costume na época do compositor. Verificam-se no entanto repetidas desafinações nos violinos, ainda que relativamente suportáveis, o que prejudica a "avaliação final" de uma interpretação que é mais musical e estilisticamente consistente que a dos italianos. AST















Morreu esta manhã a pianista Helena Sá e Costa. Tinha 92 anos e toda uma vida dedicada à música. Não resistiu aos efeitos de uma queda ocorrida ontem em sua casa.
Helena Sá e Costa nasceu no Porto e a ela se deve um contributo cultural notável. Até há pouco tempo era ainda um alto expoente na formação de sucessivas gerações de artistas. http://sic.sapo.pt (09-01-2006 13:56)















O desejo é esse grande atormentador que não deixa descansar, obriga a trabalhar, a correr, a deslocar... Em suma, a viver. Quanto ao conforto, ele é partidário da sedação, da imobilidade, da imutabilidade e substitui a verticalidade... Charles Melman in O Homem sem Gravidade, Companhia de Freud, Rio de Janeiro, pag.60















2006/01/04

IL BARBIERE DI SIVIGLIA ON THE ROYAL OPERA

Nada como começar o ano ouvindo e vendo uma comédia bem elaborada, como é o caso da ópera cómica em dois actos do italiano Gioachino Rossini que foi representada na Royal Opera House (London) no primeiro dia de 2006. A direcção musical foi de Mark Elder e a encenação de Moshe Leiser e Patrice Caurrier.

Tirando alguns desacertos nos trios do início do segundo acto, tratou-se de uma produção de bom nível com uma orquestra coesa e uma direcção eficiente. A encenação foi particularmente bem conseguida e o jogo de luzes de Christophe Forey uma mais valia preciosa.

No que toca a cantores, Robert Gleadow deu um débil Fiorello enquanto Joyce Di Donato foi uma Rosina de grande intensidade e projecção vocal, do melhor que esta produção nos ofereceu. Toby Spence na pele de Almaviva, dotado de um timbre volumoso e redondo, foi persuasivo enquanto um possante Don Basílio foi encarnado por Raymond Aceto. Um Figaro de grande luminosidade foi representado por George Petean em contraposição a um Doctor Bartolo que, representado por Bruno Praticò, soube incarnar o ridículo perfil que o libretista Cesare Sterbini, baseado na obra de Pierre-Augustin de Beaumarchais, lhe destinou.

O baixo continuo deu aos recitativos uma coloração mozartiana que nos permitiu perceber com nitidez a influência exercida pelo comemorado austríaco sobre o compositor italiano.

Globalmente foi um bom espectáculo que deixou todo o mundo contente para iniciar um ano que promete boa música. Lívios Pereyra