A chancela Columns Classics gravou, em Setembro de 1998 na Igreja Maria Minor em Utrecht, os quartetos com piano de W. A. Mozart K 478 e K 493 por um grupo de conhecidos intérpretes no domínio da chamada "música antiga". O resultado foram umas interpretações assombrosas em que os músicos, para além de uma elevada coesão interpretativa e técnica, conseguem uma leitura revestida de uma "poiesis" singularizada pela grande inspiração e elevada compreensão dos textos mozartianos. As cordas abstêm-se de utilizar vibratos que como se sabe é um efeito expressivo típico do romantismo que serve, concomitantemente, para corrigir a afinação. A expressividade tem portanto de ser trabalhada ao nível do fraseado e das dinâmicas e a afinação tem de ser naturalmente perfeita. Daí a interpretação da "música antiga" ter de ser um terreno só para intérpretes excepcionais uma vez que as imprecisões, nomeadamente de afinação, se tornam muito mais evidentes e dificilmente camufláveis.
No registo que nos ocupa temos precisamente uma interpretação-referência onde o lado técnico, que é perfeito, serve uma elevada expressividade fundada numa re-leitura inteligente dos textos do compositor. Trata-se de uma ilustre desconhecida "interpretação-paradigma" realizada por reconhecidos intérpretes da prestigiada escola holandesa, a saber: Bart van Oort no pianoforte (já falamos dele a propósito da sua interpretação dos nocturnos de Chopin e John Field em instrumentos da época), a violinista Tjamke Roelofs, na viola Bernadette Verhagen e finalmente Jaap ter Linden que é o primeiro violoncelista da célebre orquestra do século dezoito.
Para além da excelência interpretativa é interessante ouvir-se esta música do punho fluído e sem rasuras de Amadeus, ver-se até que ponto o piano é um instrumento solista ao contrário de uma ideia peregrina que o considera um instrumento de acompanhamento quando utilizado em música de câmara. Se isso pode ter alguma realidade no romantismo, no classicismo - Beethoven incluído ainda que seja um compositor de charneira onde se pode encontrar de quase tudo ao nível de instrumentação e de estruturação - é absolutamente falso. Mas o importante é escutar-se esta música genial materializada pelos dedos conduzidos pela inteligência e pela inspiração daqueles intérpretes de nível máximo. Já agora: o cd custa cerca de três euros. AST