2004/10/26

GÉRARD CAUSSÉ INTERPRETA PASCAL DUSAPIN


Pascal Dusapin é um dos compositores mais interessantes da actualidade. Infelizmente em Portugal não teremos outra oportunidade para escutar obras suas, pelo menos na temporada Gulbenkian. Por isso foi de absoluta pertinência a decisão do violetista Gérard Caussé de executar a peça de Dusapin antes do intervalo e não no início do recital, tal como estava previsto no programa geral.


Gérard Caussé é um excelente violetista e um músico com grande inteligência. A interpretação que fez da obra de Dusapin (e do resto do programa) revelou isso mesmo. A obra está dividida em duas secções. A primeira parte da primeira secção gira em torno de notas pedais à volta e a partir das quais disparam figurações à maneira de ornamentos. Esta secção termina com uma frase que deixa o movimento em suspenso. A segunda secção é fundada em sucessões de acordes de duas notas, utilizando a surdina e em que se exploram as dinâmicas extremas dos pianíssimos que Caussé trabalha com a maestria própria de um grande intérprete. A secção acaba com uma frase suspensa tal como a anterior. Trata-se de uma obra bem construída e sobretudo de uma obra com musicalidade, dentro de uma estética que tem singularizado e imposto Dusapin como um criador de primeiro plano mundial.


O resto do recital foi preenchido com obras de Schumann, Schubert, Paul Hindemith e Brahms. Excusado será dizer que a casa estava a bastante menos de metade. O pessoal quer é divas. Mas talvez necessitem é de divã... De divã de psicanalista evidentemente!



Nota: Curiosamente parece que feri susceptibilidades com a maneira como finalizei esta "crítica". Estejam tranquilos: já Freud dizia que somos todos neuróticos. Vou-vos deixar uma curiosa frase de Lacan (em cujas "linhagens" eu me integro) que aparece algures no Seminário XI: o amor é persuadir "al otro de que tiene lo que puede completarnos". Sosseguem portanto. A vossa devoção ás "divas" é um acto de amor. E os agentes e editores sabem muito bem como nos persuadir que elas têm aquilo que pode completar a nossa estrutural incompletude. Mas não é assim tão linear. Lacan separa o plano do amor e o do "objecto a" (o objecto do desejo). É tendo em conta esta dissociação que o processo analítico (determinada maneira de conduzir o processo analítico) se revela como a única forma de aceder ao "verdadeiro eu" que não é únicamente o eu que deseja mas também o eu que goza de uma maneira singular. Do ponto de vista clínico, o conceito de semblante introduzido por Lacan marcou uma rotura fundamental na técnica analítica. Muito curiosamente a rotura institucional nada teve a ver com questões de "essência" como a aplicação deste conceito na análise, mas com a problemática da durabilidade variável das sessões analíticas. Foi isto que formalmente levou à expulsão de Lacan da IPA e à imediata divisão do movimento psicanalítico internacional, coisa que de qualquer das maneiras teria de acontecer devido não só à profunda divergência teórica e prática entre as duas metodologias analíticas mas especialmente ás atitudes prepotentes e excluentes por parte da referida IPA. Actualmente existem a tal IPA (Associação Internacional de Psicanálise, que se diz "100% freudiana" mas cujo presidente é adepto do cognitivismo norte-americano!!!), a AMP (Associação Mundial de Psicanálise, www.wapol.org que agrega no seu seio várias escolas e associações, entre as quais a EOL, www.eol.org.ar) que é o rosto institucional da vertente lacaniana dirigida por Alain-Miller, o genro de Lacan e a Associação Lacaniana Internacional ( www.freud-lacan.com ). Existem outras organizações internacionais de psicanálise que não referi aqui. Entre os lacanianos existem várias tendências. Lacan variou algumas vezes de "paradigma fundamental" empenhado na busca do "regulador essencial" da "condição humana", nunca fechando a porta à possibilidade de novas descobertas ou aprofundamentos conceptuais. Os "100% freudianos" (...) aparentemente primam pelo seu monolitismo calibrado por uma suposta fé nas "verdades fundamentais" descobertas por Freud... Um dia, na minha página (psicanalises.blogspot.com) irei escrever sobre a questão do semblante que ocupa o lugar eternamente vazio do objecto a. AST