2004/11/26

HEINZ HOLLIGER DIRIGE CRIAÇÕES SUAS


O histórico oboísta, compositor e maestro veio a Portugal apresentar obras de sua autoria inseridas em concertos com repertório "clássico".
Dirigiu a Sinfonia nº44 de Haydn da qual apresentou uma genial leitura que conquistou totalmente a orquestra que teve uma das melhores prestações de sempre neste repertório. O maestro demonstrou uma concepção estéticamente consistente do que deve ser o movimento polifónico em obras que exigem não só uma clara compreenção das estruturas mas também uma especial intuição que transforme as suas leituras em interpretações acima do estéticamente desejável que varia de época para época de acordo com padrões histórico-culturais, tal como as modas. Uma orquestra de câmara convencional pode ter interpretações deslumbrantes de obras da época clássica quando tutelada por músicos de génio. Há que dizer que os violinos necessitam de trabalhar mais os movimentos lentos onde houve desafinações que não passaram desapercebidas.
Também na Sinfonia "incompleta" de Schubert o director conseguiu uma performance que transcende as interpretações que vulgarmente esta orquestra nos consegue oferecer, caracterizada por um elevado dramatismo potenciado por uma "grande poética". Os metais estiveram excelentes, nomeadamente as trompas. No dia 26 uma delas quebrou o "élan" schubertiano com uma desafinação que no momento em que aconteceu foi "rasgante". As madeiras estiveram ao nível da excelência dos metais com uma afinação perfeita.

A seguir à memorável interpretação da sinfonia de Haydn, Holliger ofereceu-nos duas das suas obras: Drei Liebselieder e Zwei Lieder genéricamente designados como dois ciclos sobre poemas de Georg Trakl, com a interpretação da "mezzo" Cornelia Kalisch.

No primeiro ciclo Holliger trabalha uma escrita serializada que por vezes nos lembrou o Boulez de "Pli selon Pli". Por outro lado o movimento da voz nas texturas médias originou que em determinado momento ficasse totalmente ocultada pela orquestra.

A escrita para voz coloca frequentemente o compositor perante um dilema: ou se serializa (mesmo que não formalmente) e isso é fácilmente perceptível, ou se utiliza um tipo de fraseado que pode remeter para um universo modal (ou mesmo tonal), o que pode ser ainda menos desejável. Frequentemente os compositores optam por conceber as partes vocais numa semiologia serializante onde os saltos (que tanto incomodam os cantores) acabam por ser inevitáveis, mantendo na orquestra um registo de notas sustentadas e repetições em forma de "ostinatos" que de resto foi utilizado pelos "serialistas duros" para combater a monotonia de uma linguagem caracterizada por uma diversificação em permanência.
No segundo ciclo de peças o compositor utiliza uma linguagem não serializada fundada exatamente em notas sustentadas e na criação de "paisagens sonoras" que conseguiram ampliar o dramatismo que a escrita vocal exprimiu, onde elementos repetitivos na parte orquestral imprimiram um crescendo de tensão que foi gerida de forma eficaz sempre na órbita da vocalização que foi neste segundo ciclo o condutor de todo o fluxo sonoro. AST