O violoncelista chines tocou as suites 1,5 e 3 de Johann Sebastian Bach na Gulbenkian na segunda-feira.
A sua leitura caracterizou-se por um virtuosismo inteligentemente manipulado e aparentemente trespassado por um conceito pessoal que se afasta tanto da leitura romantica quanto das mais recentes que se preocuparam essencialmente com uma suposta fidelidade ao "espirito da epoca". Trata-se portanto de um acontecimento em que esperamos podemos escutar, nas suites seguintes, Bach por um artista que revela uma autonomia interpretativa que pode fazer dele um marco contemporaneo na re-leitura destas suites para violoncelo solo.
Infelizmente na terça-feira Jian Wang nas suites 2,4 e 6, demonstrou não ser uma "terceira via" mas muito simplesmente uma repetição estafada das leituras românticas do passado mas muito abaixo de um Casals ou de um Fournier. De facto nas sonatas e partitas para violino do mesmo criador existem interpretações fabulosas em instrumentos modernos que se impuseram ao lado das leituras nos instrumentos da época (algumas para melhor) e que nada têm a ver com as "velhas" interpretações romantizadas. Era isto que esperávamos de Wang.
A "velha" leitura romântica só tem interesse devido aos "rasgos" daqueles grandes intérpretes pois no que diz respeito a aspectos como os fraseados, respirações, questões interpretativas relacionadas com o carácter de dança das várias partes das suites, esses eram pura e simplesmente escamoteados dando-se ênfase a uma individuação determinada por aspectos que não têm em conta a vertente estético-estilística destas composições, embora nas leituras de um artista genial como Casals se (pre) sinta uma "alma" muito peculiar que ainda hoje nos pode comover.
Na actualidade outros intérpretes de excepção tocaram estas suites em instrumentos da época (com cordas de tripa e um arco com curvatura contrária à dos arcos modernos que manipulado com posição diferente de prensão permite um fraseado muito ritmado e "dançante") que se tornaram as "grandes referências" contemporâneas. Primeiro foi Anner Bylsma que as gravou duas vezes, sendo a minha preferida a última tocada num grande Stradivarius com espigão (os instrumentos antigos são mantidos entre as pernas sem qualquer outro apoio o que permite outra ligação e manipulação do instrumento. Dado o tamanho do Stradivarius utilizado por Blysma esta posição não é praticável tornando-se indispensável o uso do espigão). Depois foi o seu aluno Pieter Wispelwey que as gravou para a Channel Classics e foi louvado em todo o mundo, continuando esta a ser para mim "a interpretação referência" para estas suites.
Leituras como a que Wang fez na terça-feira são maus produtos de uma concepção romântica que não consegue singularizar-se por falta de génio e incapacidade de inovação que é indispensável especialmente quando se está nos limites de uma concepção romantizada.
Não vou especificar mas genéricamente chocou-me a falta de "respiração" que é um aspecto essencial para delimitar os arcos discursivos. Chocou-me a falta de "balanceamento ritmíco". Chocou-me o fraseado monótono, consequência dos aspectos acima referidos. Chocou-me o ênfado e a falta de alma na Allemande e na Sarabande da 6ª suite em que intérprete soçobrou a um romântismo kitsch só capaz de provocar bocejos. Chocaram-me as desafinações consecutivas no prelúdio da mesma suite e na Giga que finaliza a obra, não aceitáveis num intérprete que nos é apresentado como sendo de "top mundial". Por acaso até tomei mais notas mas isto basta e sobra. O público que enchia o grande auditório da Gulbenkian aplaudiu de pé e com estrondosos "bravos". Assim é que é!
Procuram o sublime através destas suites? Então ouçam a interpretação de Peter Wispelwey.
Nota: não me sinto na obrigação de dar explicações mas como já fui repetidamente acusado de erros ortográficos ficam a saber que a primeira parte deste artigo foi escrito numa máquina sem acentos. Como não me apetece fazer a correcção aqui fica a informação. E a rima foi propositada.