Jean-Philippe Rameau, depois do sucesso das sonatas para cravo com acompanhamento de violino (podemos verificar influências deste estilo em Mozart e Beethoven em algumas partes das sonatas para violino e piano onde o papel condutor é claramente desempenhado por este último), quis criar mais peças, em que ao contrário da "sonate a tre" de origem italiana, o cravo desempenhasse um papel solístico. No conjunto verifica-se que todos os instrumentos desempenham um papel mais equilibrado, ao contrário da "sonate a tre" onde o cravo e o violoncelo (normalmente uma viola de gamba ou um fagote) fazem o "baixo cifrado" que não passa de um acompanhamento escrito em cifra.
Portanto, estas peças para "cravo em concerto" possuem uma versatilidade tipicamente barroca ao nível da orquestração, uma vez que podem ser feitas por um cravo com um violino, uma flauta e uma viola de gamba, como por um violino, uma viola e uma viola de gamba, ou simplesmente um violino e uma viola de gamba (mais o cravo), com a introdução de pequenas alterações. Alterações essas previstas pelo compositor que fez a transcrição, ele mesmo, de algumas dessas peças para cravo solo.
O cravista Christophe Rousset, em 1992 preferiu realizar a interpretação com mais um violino (Ryo Terakado) e uma viola de gamba (Kaori Uemura). Mais recentemente Blandine Rannou gravou com um violino, uma flauta e uma viola de gamba, recebendo todas (ou quase) as "condecorações" das revistas francesas.
Ouvindo a versão re-editada em 2003 (musique d'abord - harmonia mundi) de Rousset, não ficam dúvidas que este último consegue uma leitura mais contrastante rítimica e dinâmicamente (as dinâmicas no cravo - que é um instrumento sem possibilidade de graduação das intensidades - trabalham-se pelas densidades, através dos registos escolhidos). Uma leitura onde o intérprete demonstra quer a sua faceta lírica e meditativa, quer a sua faceta de grande virtuoso. Rousset registou também as versões só para cravo transcritas pela mão de Rameau. Esta gravação continua, em meu entender, a ser a grande referência para estas peças criadas por um Rameau supostamente já quinquagenário. Dos títulos das peças, se alguns são já históricamente evidentes (o texto que acompanha o cd fala-nos disso e de tudo o resto), outros mantêm o seu enigma. Afinal o importante é a grande música que o compositor aqui nos oferece através de um virtuoso inspirado que nos últimos anos (quase) abandonou o cravo, como solista, para se dedicar à direcção orquestral de obras barrocas. AST