2006/02/18

A ORQUESTRA NACIONAL DO PORTO É MUITO BOA E PODE FICAR AINDA MELHOR

Quem o diz é Martin André, o maestro britânico que dirigiu a orquestra num programa "grandioso", apresentado na Casa da Música, no Porto, onde constou, nomeadamente, a 11ª Sinfonia de Shostakovich. Foi hoje, dia 17. Conversámos com ele exatamente antes do início concerto. O maestro esperava-nos com as partituras abertas, repletas de sublinhados e anotações.

Álvaro Teixeira: Trabalhou muito essas partituras?

Martin André: Conhece esta Carmen (o maestro refere-se à Suite Carmen, de Rodion Shchedrin, apresentada na primeira parte do concerto)?

AST: Essa partitura não é a do Shostakovich...

Martin André: Não é aquela! Esta é a da primeira parte. Eu escolhi isto porque ele foi aluno do Shostakovich. Está a foto dele na partitura. É este!

AST: Pode dizer o nome dele por favor?

Martin André: Shchedrin. É russo como Shostakovich. E era um bom amigo dele. Escolhi a sua peça porque tem muito humor, está bem orquestrada e é também uma homenagem a Bizet. Um pouco o contrário desta sinfonia (11ª de Shostakovich), que é muito grande, muito severa, é como a história da revolução... A peça que escolhi para a primeira parte é o oposto. A boa comédia... São duas obras diferentes e interessantes. Você fica para o concerto?

AST: Só para a primeira parte...

Martin André: É uma pena. Tem outra coisa para fazer?

AST: Não. Parto para Vila Real que é para lá das montanhas.

Martin André: Sei muito bem onde fica. Vive lá?

AST: Não. Mas como estou aqui perto e os meu pais estão lá...

Martin André: Também gosto muito de Lisboa.

AST: Mas o Porto tem uma magia especial. Talvez um pouco escuro...

Martin André: Não! Não! É muito belo. Eu e a minha família gostamos muito de estar cá. As pessoas...

AST: Sim, sim! As pessoas cá no Porto são muito simpáticas. Também gosto muito delas.

Martin André: Gosto muito da cidade, das pessoas e dos músicos: são muito concentrados no seu trabalho.

AST: No seu entender a ONP tem um grande nível?

Martin André: Sim tem. Muito especialmente a possibilidade de o elevar. Isso depende dos programas, dos chefes de orquestra e todas as outras coisas...

AST: Que coisas?

Martin André: As coisas políticas, mas quando eu estou aqui sómente por uma semana, nós fazemos estritamente e sómente música. Nós esquecemos esse género de coisas e trabalhamos totalmente na música. É muito bom e muito saudável!

AST: Acha que em Portugal há demasiada política a atrapalhar a criatividade?

Martin André: Sim! Porquê? É sempre assim?

AST: É uma pergunta?

Martin André: Sim.

AST: Não sei. Interessa-me pouco. Cada vez menos.

Martin André: Você vive cá... mas para mim é uma pena...

AST: Pois...

Martin André: Há sempre política em todos os lugares. É normal...

AST: Acha que em Portugal existem mais interferências e bloqueios que nos outros países?

Martin André: Penso que sim. É pena porque vocês têm bons músicos, têm uma grande casa como esta (Casa da Música), em Lisboa vocês têm várias salas boas como a do Teatro São Carlos e as do Centro Cultural de Belém, que vos permitem fazer coisas boas, não sómente de música mas também na dança, no ballet, na ópera, no teatro, no jazz, etc, mas... a política de cá... isso não consigo compreender.

AST: Acha que os políticos portugueses são mediocres?

Martin André: Não. Não posso afirmar isso porque é perigoso.

(risos)

Martin André: Mas é uma pena! A energia é muito positiva mas de tempos a tempo passa-se algo mau que estraga tudo. Mas a vida continua e temos que manter um espírito positivo.

AST: Costuma vir aqui regularmente trabalhar com esta orquestra?

Martin André: Temos de facto uma relação muito estreita. Somos amigos, profissionais e continuaremos esta colaboração. Estou muito contente por trabalhar com esta orquestra.

AST: Portanto pensa que esta orquestra tem potencialidades para ser ainda melhor. Uma orquestra de grande nível.

Martin André: Sim. Sim. No futuro. A sala é nova...

AST: E com uma acústica horrível...

Martin André: Tem que se alterar isso. O tecto não está bem. Tem de ser melhor trabalhado.

AST: E os materiais utilizados em toda a sala?

Martin André: Também, também...

AST: E a forma rectangular da sala?

Martin André: Isso depende onde está sentado. No meio ouve-se bem. Mais ao fundo não é lá muito bom...

AST: E chama-se a isso uma sala de concertos? Cuja audição varia de lugar para lugar? Uma boa sala tem de permitir uma boa audição em todos os lugares.

Martin André: Sim, sim. Isso é verdade. É necessário falar-se ao nível da direcção, pensar-se e ver o que se pode fazer para melhorar um pouco a acústica.

AST: Eu penso que é necessário optimizar-se a acústica. Se é que é realístico face áquilo que se construiu...

Martin André: É necessário fazer-se qualquer coisa. Futuramente...

(risos)

AST: O que significa para si Shostakovich? Que por acaso é um compositor cuja obra conheço bem...

Martin André: Hã sim?

AST: Olhe: já escuto os Borodin a tocarem os quartetos de Shostakovich há cerca de vinte anos! Por exemplo... Acha que Shostkovich tem a envergadura de um Mozart?

Martin André: Hum... É difícil de responder. Tempos diferentes, países diferentes... Mas... ele escreveu quinze sinfonias...

AST: Quinze quartetos de cordas...

Martin André: Exacto. E eu creio que por exemplo esta sinfonia (11ª) é uma grande história da revolução. Depois há as sinfonias 7, 8, que são contra as regras vingentes... Ele viveu a sua vida no século vinte e a sua música vem do coração, sendo uma música para todo o público e não sómente para intelectuais. Ele cria diferentes energias, repare: esta (11ª) começa com "largo" e "pianissimo" com as surdinas. No final o som, as dinâmicas, são incrivelmente fortes. Muito interessante. Para tocar e para escutar: isso é o que me agrada muito. A sua música não é só para os músicos mas para os músicos e para o público.

AST: Eu penso que o nível da criação de Shostakovich é desigual. Tem obras extraordinárias e outras que nem por isso. Que lhe parece?

Martin André: Hum...

AST: Isto passa-se com todos os compositores. Até com um Beethoven... Mas com Shostakovich parece-me demasiado notório. Ele tem sinfonias geniais e outras que foram menos conseguidas.

Martin André: Não estou muito de acordo. A primeira por exemplo... ele era muito jovem quando a escreveu...

AST: Mas essa é excelente!

Martin André: Exatamente!

AST: E a segunda é fantástica.

Martin André: Para mim essa não é tão importante.

AST: Talvez porque seja mais experimental... Mas muitíssimo bem escrita! Aí Shostakovich foi inovador e levou logo com as críticas do partido comunista. A partir daí abandonou radicalmente o estilo que iniciou com a segunda sinfonia. O que não o livrou de críticas futuras...

Martin André: Sim, sim. É verdade!

AST: Para aquela época a segunda sinfonia foi absolutamente inovadora. E aí os comunistas, os dirigentes, encarregaram-se de pôr-lhe um freio...

Martin André: Na verdade para responder com um conhecimento muito aprofundado à sua questão teria de ter dirigido todas as sinfonias dele e isso não aconteceu ainda. O que lhe posso dizer é que não há uma única sinfonia de Shostakovich que eu não queira fazer. Quero dirigir todas as quinze.