2006/02/07

QUARTETO BORODIN

É penível, quando se acompanhou ao longo de muitos anos a carreira de um agrupamento que foi dos melhores do mundo, ter de concluir que os agrupamentos não são eternos, porque quem os integra também não. Claro que quando uma orquestra passa a instituição mundial, como uma Berlin ou uma Wien Philharmonic, os estados encarregar-se-ão de perpétuar a sua existência, mantendo os elevados níveis, porque passaram como a "património cultural da humanidade" e prestigiam os países que as construiram e mantêm. Aliás as Filarmónicas, no início, foram obra de associações de "melómanos". Um quarteto de cordas não tem o impacto de uma orquestra filarmónica e são raros os casos em que os estados se "encarregam" deles. Muitos quartetos que fizeram história já não existem. O Quarteto Borodin é um dos poucos da "velha guarda" que ainda se mantém no activo por alma e obra de Valentin Berlinsky que é um dos músicos mais honestos do mundo (os músicos, salvo excepções, são dos seres mais honestos do mundo), para além do grande artista que sempre foi. Rostropovich retirou-se a tempo. Passou a dirigir orquestras, como outros grandes instrumentistas, sendo agora uma "estrela" da direcção orquestral. No violoncelo tocará seguramente. Mas em privado. Valentin Berlinky, que já tivémos a honra e a alegria de entrevistar, leva o seu projecto de vida até ao final. O problema é que, tal como sucedeu com outros génios da interpretação, a partir de determinada altura as falhas notam-se. Primeiro os outros músicos, depois os "críticos" com formação musical sólida e finalmente o público. Por duas vezes, no recital de ontem do Quarteto Borodin na Casa da Música do Porto, a desafinação foi notória numa frase repetida em duo pelo violoncelo e o viola. Uma acústica anormal transformou um mau momento numa tragédia pois numa sala sem reverberação uma desafinação é uma "drama" que impacta e choca. Claro que isto acontece, não é novo, mas vindo daquele que foi, para muitos, o melhor quarteto de cordas do mundo, é no mínimo constrangedor. Mas não foi só isso. No início do quarteto nº5 op18 de Beethoven, não se percebeu o que o agrupamento quis ao escolher colocarem os arcos junto aos cavaletes com as sonoridades características que se produzem. Pareceu não existir um conceito, uma "estética", por detrás deste gesto. Que nos lembremos isso não consta na partitura. E mesmo que constasse, tem de se perceber, na continuidade, que tem uma concepção composicional a suportá-lo. Beethoven é um dos compositores que nunca esboçou um gesto em vão. Se não consta e o agrupamento decide fazê-lo, tem de ficar claro, e ser percebido auditivamente, que se trata de uma leitura singularizada suportada por uma concepção estética absolutamente consistente. Não nos pareceu nenhum dos casos. Já o "andante cantabile" da mesma obra foi um momento grande deste recital. Grandes linhas, grandes respirações, grandes arcos dinâmicos, produziram uma leitura sentida e genial daquele andamento.

O quarteto nº14 de Shostakovich, de 1972, é mais uma daquelas obras do compositor que corresponde, em nosso entender, a um momento baixo de inspiração. Não se sente a necessidade do fluir dos acontecimentos que acontece noutros quartetos do compositor. Fica-se com a estranha sensação que poderia se assim mas também poderia ser "assado". O pior é que se calhar "assado" resultaria melhor... Teve fases, o grande compositor russo, que nunca teve a vida propriamente facilitada. Os Borodin fizeram o melhor que puderam num repertório que trabalharam directamente com o criador. Quanto ao quarteto nº16 op 135 de Beethoven, que preencheu toda a segunda parte, teve bons momentos mas globalmente ficou bem aquém daquilo que os Borodine já fizeram com esta mesma obra. Claro que uma outra acústica melhoraria tudo, mas desta vez, infelizmente, o problema não foi só da má acústica. Voltando ao princípio, provavelmente um quarteto não pode durar eternamente. AST














SURREALIZANTE

Construir-se um projecto de raiz, dedicado nomeadamente à música contemporânea que tem sido marcada por várias óperas, algumas das quais já são referências na história da música do século vinte e outras sê-lo-ão para o presente século, pressupunha, no mínimo, um fosso para orquestra. Mesmo sem cena e maquinaria, cuja inexistência nos parece igualmente um absurdo, os encenadores arranjariam formas eventualmente interessantes de contornar essa ausência. Quando qualquer teatro de "província" possui, hoje em dia, fosso para orquestra, é no mínimo estranho que a Casa da Música do Porto, um projecto que levou largos milhões, não o possua. Claro que agora ninguém é responsável. Alguém nos disse que foi o arquitecto que não quiz!!!
Mas como este facto incompreensível não bastasse só por si, temos um auditório principal rectangular, a pior configuração acústica, decorado com materiais não absorventes. Claro que a reverberação é enorme e claro que a audibilidade varia de zona para zona, dentro da sala.
Até o pequeno auditório, decorado com madeiras esburacadas altamente absorventes e contra-indicadas para espaços pequenos que já de si possuem pouca reverberação, se caracteriza por uma acústica insuportavelmente sêca. Exatamente o oposto da sala principal. É caso para dizer que não acertaram uma... Tirando estas " minudências técnicas", o mais fantástico, o mais surrealista, são as escadas! De largas e relativamente baixas passam, no lance seguinte, a altas e estreitas. Quem tenha pés grandes que se cuide: a queda pode ser fatal. São grandes lances (...) todos em metal bem durito... AST