Dirigida por Bernard Haitink a orquestra vienese apresentou-se em Londres com uma primeira parte dedicada a Mozart, tendo na segunda sido interpretada a sinfonia 10 do compositor russo.
Vamos por partes, pois recentemente escutamos esta mesma sinfonia pela Orquestra do Concertgebouw, dirigida por Mariss Jansons, o seu titular actual.
O Mozart foi divino, como se costuma dizer. A sinfonia 32, em um andamento, foi interpretada de maneira deliciosa pelo genial agrupamento, na sua forma de orquestra reduzida, o mesmo se passando com o primeiro concerto para flauta que contou com o flautista Wolfgang Schulz, um flautista fabuloso e primeiro do naipe deste agrupamento.
Passemos agora a Shostakovich. A sinfonia 10 trata-se de uma das grandes obras do compositor, sendo simultaneamente uma obra fundamental daquilo que poderemos designar por estetica neo-classica. Trata-se de uma obra com uma estrutura bem mais consistente que aquilo que aparenta. Em termos de motivos deve ser dito que existe o motivo fundado no nome do compositor, recorrente nas suas obras, e existe um outro motivo formado de maneira encriptada sobre o nome de Elmira Nazirova, por quem Shostakovich nutria, no tempo em que criou esta sinfonia, especial afecto.
Diria que a forma como os dois motivos se confrontam a partir do terceiro movimento tem mais de afectos que de mensagem politica, se se pode falar em "mensagens" na obra do compositor. O motivo sobre o nome do compositor apresenta-se como corrosivo, explosivo, por vezes em pesados unissonos nas cordas, enquanto o motivo de Elmira se apresenta como temperado, apaziguador e aparece nas trompas. Este motivo, que surge no andamento lento (Allegretto) cria uma nova dialectica que domina a obra a partir do seu aparecimento, obra que vinha sendo determinada fundamentalmente pelo motivo do nome do compositor. Claro que outras coisas podem existir mas tentar a todo o custo querer ler mensagens subliminares na obra se Shostakovich pode nem ser uma metodologia que valha a pena continuar a explorar, limitando-nos a recepcionar novos dados objectivos, como cartas, notas escritas pelo criador, etc.
Creio que na altura escrevi que Jansons, "especialista" em repertorio da alemanha, seria um chefe-de-orquestra muito pouco consensual, se bem que na arte os consensos se possam dispensar, para dirigir Shostakovich. Depois de ouvir a Wien Philharmonic son batuta de Haitink, devo dizer que, definitivamente e sem colocar em causa a grande qualidade musical de Jansons, a leitura de Haitink foi milhares de vezes mais convincente, mais sentida, mais "profunda" e mais transparente. Claro que a Wien Philharmonic tem uma sonoridade singular mas, estou convicto, que foi a leitura do chefe-de-orquestra que mais contribuiu para esta antinomia na leituras desta mesma sinfonia.
Finalmente, mesmo a melhor orquestra do mundo pode ter falhas: no primeiro surgimento do motivo de Elmira o trompa a custo atacou directo a nota. Num resurgimento mais adiante o ataque delizou meio tom abaixo. Mas que foi isso tendo em conta a grande performance que o mesmo trompa garantiu ao longo de toda aquela genial leitura, feita pela Wien Philharmonic dirigida por Bernard Haitink, desta obra impressionante? Livios Pereyra