O Vocalensemble Darmstadt, sob direcção de Andreas Boltz, deslocou-se a Lisboa para oferecer um concerto de entrada livre na Sé Patriarcal desta cidade, concerto esse que contou com um público entusiasta que encheu por completo a catedral.
A interpretação de Jesu meine Freud de J. S. Bach, com o qual se iniciou este concerto que não teve intervalos, foi curiosa. Boltz revelou uma visão interessante, nomeadamente ao enfatisar os stacattos nas vozes masculinas que em determinadas passagens criaram um efeito dramático-teatral. Globalmente, este grupo semi-profissional, é bastante bom e deixa a anos-luz alguns côros profissionais.* No entanto há que dizer que o naipe das sopranos nas zonas sobre-agudas tem um ataque ríspido e uma sustentação algo agreste. Sabemos bem que este é um problema que afecta solistas em carreira plena, o que não nos inabilita de o referir em relação ao naipe de um grupo coral.
O interlúdio, chamemos-lhe assim, foi feito com duas peças de L'Ascencion - quatre méditations symphoniques pour orgue, escritas em 1932 por Olivier Messiaen. Ao orgão Gregor Knop.
Alléluias sereins d'une âme qui désire le ciel é uma peça de uma tranquilidade etérea, tal como o nome indica, feita de sonoridades mágicas, que aqui teve uma registação eficaz e uma interpretação convincente. Em transports de joie d'une âme devant la gloire du Christ qui est la sienne, o organista demonstrou o seu virtuosismo inteligente enchendo a igreja com as poderosas sonoridades e agrupamentos de clusters que Messiaen trabalhou com rara intuição. Um grande momento seguido de uma incaracterística interpretação do Stabat Mater de Domenico Scarlatti. Muito mais interessante foi a pequena e extraordinária peça de Maurice Duruflé, Notre Pére, a dez vozes, que se movimenta exclusivamente nas tessituras graves das vozes criando uma ambiência sonora muito especial, que nos oferecida como encore pelo agrupamento alemão. AST
* Para sermos rigorosos só conhecemos um côro profissional que fica a "anos-luz" deste grupo coral semi-profissional: o Côro do Teatro Nacional de São Carlos em Lisboa (sem prejuízo de algumas boas e bons cantores que o integram que não conseguem, óbviamente, controlar o desvario do côro que foi generalizado à própria instituição que agora mais parece o teatro de ópera de um qualquer vilório italiano pago, e bem, com o dinheiro dos contribuintes portugueses).
TREVOR PINNOCK AND FRIENDS
O celebérrimo Trevor Pinnock veio a Lisboa com um grupo de amigos para oferecerem, domingo 23 de Outobro, um repertório algo desgarrado mas que de alguma maneira "colou", dado o vínculo estilístico entre as obras.
O início foi francamente mau com os dois violinos em desafinação frequente e com uma leitura sem "arrebatos". Morna, demasiado morna.
Lucy Crowe, a soprano, denotou logo problemas na tessitura aguda, sobretudo nos saltos do registo médio para o agudo. Claro que todas as cantoras têm problemas nestas passagens. Algumas mais do que outras. Em algumas excessivamente audíveis.
Paolo Grazzi, o oboísta, revelou no Concerto para Oboé e cordas hwv 287 de Haendel uma técnica sólida mas uma interpretação plana. É sabido que no oboé não é fácil jogar com as dinâmicas. Por isso há os grandes oboístas e os oboístas bons...
Na Alleluia do motete Saeviat Tellus Inter Rigores hmv 240, que finalizou a primeira parte, Crowe esteve francamente melhor mas longe, bastante longe, de outras que não seria interessante estarmos a referir.
De um inspirado George Philipp Telemann foi-nos oferecida a Sonata em Trio para violino, oboé e baixo continuo, dos Exercizi Musici twv 42:G5 em que a violinista Beatrix Hülsemann revelou uma excelente leitura. Musical e afinada... Grazzi manteve o seu registo linear e sem rasgos. O "continuo" de Pinnock e de Jonathan Manson, que se revelou um excelente violoncelista ao longo de todo o concerto, foi muito bom.
Um momento que deve ser referido foi a interpretação da Sarabande da Suite em Si bemol maior para cravo e grupo instrumental hww 354, de Haendel. Um momento de inspiração do todo o grupo, muito particularmente de Trevor Pinnock no cravo.
Inspiração que teve o seu auge na bela e genial Chaconne em sol maior hmw 435, também de Haendel.
Pinnock começou tenso e teve de parar. Arrancou de novo com uma nota errada e um fraseado esmagado. Mas rápidamente se percebeu que estávamos frente a uma interpretação dotada de elevada musicalidade, onde o cravista conseguiu um grande balanceamento com um discurso fluído e intenso, superando com facilidade as grandes dificuldades técnicas e dando-nos uma leitura empolgante desta obra memorável. Acabou com uma traquinice prevista pelo compositor: o grupo instrumental acompanhou-o a finalizar uma peça que é para cravo solo. Foi "giro" e o público gostou.
Com a ária de Morgana, Tornami a vagheggiar, da ópera Alcina hwv 34, em que a soprano revelou alguma inspiração e mais consistência interpretativa (ainda que com dois crescendos desiquilibrados e estridentes na tessitura aguda...), onde o grupo revelou alguma espontaneidade rítmica num excerto que se presta a isso (com um dos dois violinos a revelar ainda alguma desafinação), se concluiu um programa com altos e baixos que gorou as expectativas geradas à volta dos dois solistas que acompanharam Trevor Pinnock. O violetista Christian Goosses e a contrabaixista Amanda MacNamara, para além do violoncelista e da primeiro violino já referidos anteriormente, tiveram um excelente desempenho. AST
PAN AND SYRINX
Estreado em Londres a 14 Janeiro de 1718 Pan and Syrinx de John Ernest GALLIARD é uma "Masque en un acte". No libreto que acompanha o registo que referiremos de seguida aparece como "an opera". Trata-se portanto de uma ópera em um acto com libretto em inglês de Lewis Theobald. Galliard ao contrário do que o apelido poderá induzir é um inglês de origem alemã.
O pequeno tesouro que é Pan and Syrinx, obra contemporânea de Alceo and Galatea de Haendel, foi registado em cd por Jed Wentz que à frente de Musica ad Rhenum nos dá uma leitura excelente. Johanette Zomer, no papel de Syrinx, oferece-nos uma extraordinária interpretação que logo à entrada nos deslumbra com a belíssima ária Free from Soorrow, free from Anguish.
Uma preciosidade gravada entre 25 e 27 de Agosto de 2004 acessível ao preço Brilliant Classics: cerca de sete euros. Trata-se de facto de um duplo cd que como "bónus" nos traz no primeiro disco Dido and Aeneas de Purcell e no segundo, após Pan and Syrinx, The Masque of Cupid and Bacchus, que é uma parte de The Tragedy of Timon and Athens do mesmo Purcell. Indispensável. AST