Patrice Chéreau ficou verdadeiramente famoso depois de encenar o Anel dos Nibelungos no Festival de Beireuth sob direcção de Pierre Boulez. Tratou-se de uma ruptura histórica com as velhas encenações wagnerianas. As ninfas do Reno, na encenação de Chéreau, eram prostitutas. Finalmente punha-se uma pedra num romantismo imbecil que entrou século XX adentro. Aconteceu no coração da decadência: Beireuth. Talvez por isso fosse tão histórico.
Na semana que passou França assistiu à estreia mundial de Gabrielle e a Festa do Cinema Francês trouxe-o a Portugal na semana que agora acaba. Mais uma ante-estreia, entre muitas. Que poderia (e mereceria) passar despercebida se não tivesse colado o nome de Chéreau.
De que se trata afinal em Gabrielle? Que pretende Chéreau transmitir-nos? Será que pretende de facto transmitir qualquer coisa ou trata-se simplesmente de um exercício de estetização visual "à la Oliveira? Que, claro, quer sempre transmitir algo por mais banal que seja. "Interessantes" as legendas, em grande plano, que antecipam algumas frases. Oliveira repete textualmente as sequências em alguns filmes. Para o ouvinte-espectador as fixar bem...
É interessante o 380º a partir do piano, com as personagens imóveis. Nada que ver com Oliveira...
É curioso o branco/preto exterior, que coincide com a voz interior do protagonista que rememora o passado-presente e no final a fuga/morte em contraste com as cores do interior que coincide com o presente/acção. A câmara, bem mais nervosa que a placidez-contemplativa (...) da câmara de Oliveira, marca alguma diferenciação em relação ao trabalho do português.
Mas o nome Chéreau não salva Gabrielle, que não mais não é que um filme teatralizado sobre os bons e civilizados costumes da burguesia parisiense do final do século XIX; sobre o casamento que não foi de conveniência mas passou a sê-lo; sobre a monotonia da ausência de paixão e sobre a tranquilidade que o lar rico e burguês oferece, que tantas mulheres e homens escolhem e outras(os) procuram porque é cómodo. Um filme vulgar onde nada de novo se aprende, nada de novo se mostra, onde tudo é morno, de um morno que nem a vertigem da câmara ao som de um qualquer pós-serialismo consegue quebrar. Soa a artifício. Talvez o facto do burguês-homem, ao contrário daquilo que ele próprio imaginava, não dispensar o amor... Está claro que nem isto é novo. Chéreau deveria voltar-se de novo para a ópera. AST