Além disso, se os tribunais levarem a sério, como se espera, as formulações propostas, dificilmente haverá condenações, pois todas exigem a prova de que o património excedente não resulta de meios lícitos. No caso mais comum, o arguido, confrontado com a incongruência do seu património, exercerá o direito ao silêncio. Ora, perante a simples desproporção entre as aquisições efectuadas e os rendimentos declarados, e ignorando-se a respectiva origem, é não só possível, ao paroxismo uma como muito provável, que um juiz consciencioso decida: “não se provou que o património incongruente não resulta de meios lícitos”, absolvendo - correctamente - o arguido com fundamento no princípio in dubio pro reo. Mesmo que se mantenha a já criticada exigência constante do projecto do PSD, que credibilidade merecem os indícios de um crime de corrupção que o próprio Ministério Público entendeu não serem sequer suficientes para a promoção do respectivo procedimento penal?
Com as absolvições que se adivinham, entrecortadas, aqui e ali, pela condenação de dois ou três bodes expiatórios, lá virá depois o cortejo habitual - muitas vezes formado pelos mesmos que aplaudem estas leis - a queixar-se da (in)justiça, de as leis serem feitas para os “criminosos”, etc.
4. A deplorável criminalização da posse de um património de origem desconhecida - pois é disso que se trata - leva ao paroxismo uma certa linha político-criminal de bondade mais que duvidosa, iniciada com a dilatação desmesurada dos tipos legais do branqueamento e do tráfico de influência. O legislador parece apostado em afastar progressivamente o direito penal da protecção de bens jurídicos, criando infracções cujo conteúdo de ilícito é evanescente, sucedâneos mal amanhados de crimes graves que o Estado não consegue esclarecer, assim distraindo as autoridades e os cidadãos dos fenómenos criminais que realmente afectam o interesse público.
Nota: há que legislar para impedir que isto (absolvições... entrecortadas, aqui e ali, pela condenação de dois ou três bodes expiatórios) se venha a verificar.
Negociatas de boys
No mesmo documento denuncia-se também que, em 2006, o ex-secretário de Estado da Justiça, Conde Rodrigues, autorizou a venda de um imóvel à Câmara do Fundão por 300 mil euros, quando estava oficialmente avaliado em 530 mil, além de que surgem 70 tubos de cola de 40 cêntimos que foram registados em inventário pelo valor unitário de 168,53 euros. dn.pt, 11 Janeiro
Bom barro
Um relatório da Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça revela factos funestos para o ex-ministro Alberto Costa: contas ilegais que ninguém sabe o que são, somas elevadas movimentadas sem explicação, e, até, burlas: cheques falsificados da Gestão Financeira do ministério (IGFIJ) com um valor fraudulentamente empolado não se sabe bem por quem.
Poder-se-á concluir que ‘em casa de ferreiro espeto de pau’ – mas há pior. O relatório chegou às mãos do ex-ministro Costa que, incrivelmente, nada fez.
Ao contrário, o novo titular da Justiça, Alberto Martins, mostrou que é feito de uma massa muito distinta do seu antecessor e homologou o relatório, forçou a demissão dos dirigentes do IGFIJ e deu 60 dias aos novos responsáveis para corrigirem a situação. O resto é caso de polícia. CAA, correiodamanha.pt, 11 Jan
A única solução aceitável *
No Centro de Saúde de Vila Nova de Milfontes, a presença dos médicos cubanos foi uma benesse. "Esperemos que fiquem cá muito mais tempo", foi o desejo expresso por Ana Alegria, funcionária do centro de saúde. "São muito cumpridores e, se tiverem que ficar mais tempo a atender os doentes, ficam."
A sua presença resolveu um problema com muitos anos. Vieram colmatar uma necessidade "tremenda" e os utentes já atendidos pelos clínicos cubanos ficaram com boa impressão. Por outro lado, "não contestam nada", prossegue a enfermeira Celestina Machado, realçando uma das suas afirmações mais frequentes: "Se é assim que tem de se fazer, é assim que se faz." Também não hesitam em pedir ajuda quando lhes surge alguma dúvida.
Aqui foram colocados Willeam Diez Morera, de 40 anos, e Olga Beltrán Dub, de 44. A sua primeira reacção aos que colocaram em causa a sua capacidade profissional não se fez esperar: "As nossas capacidades profissionais foram examinadas em Cuba por quatro elementos da Ordem dos Médicos portuguesa que implicou uma observação da nossa prestação com utentes." Depois seguiu-se outro exame na Faculdade de Medicina do Porto e ainda uma avaliação sobre português. Além do mais têm "especialidade em primeiro grau em medicina familiar", destacou Willeam Morera, que antes de vir para Portugal trabalhou cinco anos e meio na Venezuela, onde "exercer a medicina era muito mais complicado", como reconhece.
A sua colega Olga Beltrán Dubé começa por recordar as precárias condições que encontrou em países da África subsariana - antes de Portugal esteve na Gâmbia -, onde os dignósticos não têm o suporte de meios auxiliares como os que existem em terras lusitanas, elogiando o sistema informático colocado à disposição dos médicos, que classifica de "muito bom". Tem à sua responsabilidade 1800 utentes. Mas não se queixa, lembrando que o colega português com quem trabalha no Centro de Saúde de Milfontes tem 2200.
Sobre a polémica que se gerou à volta dos médicos cubanos Olga Dubé diz apenas: "Se vou trabalhar noutro país, não tenho que me emiscuir nos seus hábitos, nos métodos de trabalho nem na política."No passado dia 8 de Agosto aterrava em Lisboa o primeiro grupo de 44 médicos cubanos ao abrigo de um contrato celebrado entre os governos de Portugal e de Cuba, para prestar cuidados médicos em 15 centros de saúde no Ribatejo, Alentejo e Algarve onde sucessivos concursos não tinham feito deslocar um único médico português.
Denúncias de exploração
Desde esse dia, os clínicos foram confrontados com uma inesperada polémica. Portugal era um dos três países europeus, para além da Suíça e Itália, a receber médicos cubanos, com base num regime contratual que chocou os seus colegas portugueses e suscitou críticas e pedidos de esclarecimento da Ordem dos Médicos (OM) e do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) sobre o vínculo laboral.
O Ministério da Saúde (MS) confirmou ao PÚBLICO que o contrato "prevê 40 horas de trabalho semanais, podendo realizar até 24 horas por semana em urgência", sustentando ser este o regime laboral dos médicos portugueses. No entanto, recusou-se a divulgar a sua remuneração, adiantando apenas que o vencimento é "idêntico ao dos médicos portugueses". Outra das garantias dadas pela tutela é de que "não há retenção por parte do MS" de qualquer verba proveniente do salário dos médicos contratados.
O PÚBLICO perguntou ao embaixador de Cuba em Portugal, Eduardo González Lerner, quanto ganham os médicos: "Não posso dizer." Mas adiantou que o contrato "é satisfatório para as duas partes", ou seja, "o Governo português não paga mais do que custa o serviço". Os resultados do acordo levam-no a admitir "o envio de mais médicos para Portugal e outros países da Europa".
Do montante remuneratório que continua sem se conhecer, os médicos começaram por receber em Portugal uma verba de 300 euros. Este montante veio a revelar-se insuficiente depois de as autoridades cubanas terem verificado que o custo de vida "era muito superior ao que tinham previsto", frisou o embaixador. As dificuldades criadas obrigaram à revisão do subsídio, que Eduardo Lerner disse "não ter bem presente", mas "dá para a alimentação e para vestir". O SIM admite que o subsídio actual seja de 500 euros, confirmando as informações prestadas por outras fontes ao PÚBLICO.
Na sequência desta polémica foi erguida uma barreira de silêncio à volta dos médicos cubanos que os impediu de "dar entrevistas ou a prestar declarações à comunicação social", revelou o seu coodenador em Portugal, Rossel Batista Diaz. Este responsável assumiu que a ordem fora dada pelo MS e pela embaixada de Cuba. Qualquer das entidades desmentiu que alguma vez tenha imposto o blackout.
Dirigentes do SIM deslocaram-se ao Alentejo em Outubro passado, mas depararam-se com obstáculos para obter informações e esclarecimentos dos seus colegas cubanos. Mas do que os sindicalistas viram deu para concluir que estavam a ser vítimas - à luz da legislação portuguesa - de um "claro atentado contra os direitos de qualquer país comunitário", sujeitos a condições laborais e remuneratórias "ilegais, inaceitáveis e humilhantes", frisou o secretário-geral do SIM, Carlos Arroz. E esclarece: "[A vinda dos médicos cubanos] não nos merece reparo." PUBLICO.PT, 11 Janeiro
* é oferecer-lhes o visto de residentes permanentes e pagar-lhes directamente o mesmo ordenado que os portugueses recebem.