2009/10/19

Götterdämmerung

Não vou fazer filosofia mas é preciso saber-se que "O crepúsculo dos deuses" é a parte final da adaptação wagneriana de um ciclo mitológico nórdico, que resultou no maior ciclo mitológico de todos os tempos posto em forma musical (operática). Também convém saber que no final do ciclo, devido às traições entre os "seres superiores" a civilização é eliminada.

Götterdämmerung, que ainda pode ser visto no Teatro São Carlos, em Lisboa, tem duas mais valias, a saber: o chefe de orquestra Marko Letonja (iremos colocar aqui uma entrevista com ele, daqui a umas semanas) e a Orquestra Sinfónica Portuguesa, que talvez inspirada por este líder se ultrapassou. Vou ser franco: eu não fui surdo às desafinações no início, mas a peformance global reduziu esses lapsos à insignificância que de facto têm. O próprio côro (só de vozes masculinas) não esteve mal...

Passando aos solistas quero dizer que a vozes masculinas foram grosso modo melhores que as femininas mas, para além de Stefan Vinke (Siegfried), o único que me convenceu mesmo foi Michael Vier (Gunther). Sei que James Moellenhoff (Hagen) teve um problema vocal por isso não falarei sobre o seu desempenho, que de resto não o envergonhou.

Quanto a Susan Bullock, para ser honesto, acho que não tem nem dimensão vocal nem dramática para interpretar Brünnhilde. Sónia Alcobaça ofereceu-nos uma Gutrune aceitável e sem rasgos, mas de Brünnilde espera-se muito mais pois ela é a figura central que fecha todo o ciclo "O Anel do Nibelungos".

Graham Vick, o encenador, teve 3 momentos de rasgos: aproveitar o candelabro da sala para produzir uma ascensão marcante com luzes, reflexos e sombras, no primeiro Interlúdio. Aproveitar os muitos candeeiros junto aos camarotes para simular o fogo que separava Brünnhilde do resto do mundo, e, no final, com o cadáver de Siegfried presente usando somente os candeeiros do primeiro anel de camarotes como luzes (brancas) de velório. Finalmente, o par de dançarinos que na extinção do acorde final funcionou como uma metáfora poética à humanidade que acabava de se imolar (auto-explodir, neste caso).

Claro que há a forma como utilizou a sala, os figurinos que nos remetiam para um controle social maoísta, por parte dos "seres superiores": Hagen o mau, o que verdadeiramente controla e perde, perdendo todos; Siegfried, o grande líder a quem tudo escapa, que compreende a fala das aves mas ignora o destino; Brünnhilde deusa-mártir (foi anunciado desde o início) que arrasta toda a humanidade consigo; as pessoas-bomba que no final se substituiram ao fogo generalizado que acontece com a imolação de Brunnilde e que acaba com a humanidade; as motorizadas dos caçadores, dois a dois em cada, que nos remetem para as milícias Basij iranianas, etc, etc; mas na minha opinião os três momentos que assinalei são os que considero mais marcantes e genuínos, ainda que nada tragam de inovador. Mas isso que importa?