2009/11/18

Reserva da intimidade da vida privada

As escutas efectuadas a conversas entre José Sócrates e Armando Vara, um dos arguidos do processo "Face Oculta", que foram consideradas inválidas pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Noronha do Nascimento, vão manter-se sob regime de segredo, não poderão ser divulgados pela imprensa e terão de ser destruídas ou, no máximo, entregues ao primeiro-ministro. Esta é a consequência de um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Esse parecer é uma resposta a um despacho do procurador-geral distrital do Porto, de 3 de Março de 2009, que, “tendo tomado conhecimento da forma como estava a ser facultado para consulta um concreto processo de inquérito”, recomendou aos procuradores que ponderassem “casuisticamente a verificação de circunstâncias que imponham restrições à publicidade do processo, decorrentes da existência de elementos sujeitos a regimes de sigilo, confidencialidade ou segredo”.

O procurador-geral distrital listou também quais são estes regimes e defendeu que “os elementos processuais sujeitos a tais regimes que não constituem meios de prova, devem ser destruídos ou entregues à pessoa a quem disserem respeito, ou eventualmente, restituídos às entidades que os forneceram”.

Os restantes procuradores-gerais distritais e o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) “manifestaram a sua adesão” à opinião do procurador-distrital portuense.

Foi ordenado o envio do despacho, por parte do gabinete do procurador-geral da República, para o Conselho Consultivo, a 16 de Junho, “para parecer urgente”, e reforçado com mais dois pedidos, um de 30 de Junho e outro de 23 de Julho, para que se apreciasse a solicitação por parte de um jornalista para consulta de um inquérito aberto pelo Conselho Superior do Ministério Público, relacionado com o caso Mesquita Machado, socialista que lidera a Câmara Municipal de Braga, e às actas das reuniões daquele órgão

A decisão foi emitida já depois de serem conhecidas as escutas a Sócrates. O parecer foi publicado ontem em ‘Diário da República’. Em tempo recorde, diz o 'Correio da Manhã'.

Cai assim por terra a vontade do procurador-geral da República, Pinto Monteiro, que, ao ‘Expresso’ disse que, se dependesse dele, e se fosse possível, divulgaria as escutas para acalmar o mediatismo o volta do caso. O PGR criticou também o regime de segredo de justiça: “Os políticos devem regular o segredo de Justiça, acabando com ele ou mudando o regime. Assim não pode continuar.”

Tendo em conta o parecer ontem publicado, o Conselho Consultivo é da opinião que o segredo abrange todos os elementos sobre a vida privada dos investigados e que não tenham sido usados como meio de prova. “Os elementos recolhidos no processo penal que estejam enquadrados por um específico regime de segredo continuam a beneficiar da tutela inerente a esse regime, apesar da sua integração naquele processo, independentemente da existência ou não de segredo de justiça no mesmo”, indica o parecer, votado numa reunião em que participou Pinto Monteiro, documento que defende “a redução da lesão do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar ao mínimo necessário à realização da justiça penal”. dn.pt, 18/11/2009

Nota: portanto as conversas entre um primeiro-ministro e um banqueiro saído do banco do Estado para um banco no qual "ficou responsável pelas áreas (corporate) onde se incluem as instituições do universo público e os clientes privados mais importantes, como a PT, a EDP, a Teixeira Duarte, Joe Berardo, Joaquim Oliveira ou Manuel Fino. Em causa estão activos de cerca de 20 mil milhões de euros", são conversas sob "reserva da intimidade da vida privada" ainda que versem assuntos de interesse público e de Estado? É obra!


Em Portugal os corruptos são promovidos

Ao longo de dez anos, três directores-gerais de Impostos aceitaram promoções e transferências entre postos de chefia do chefe das Finanças de São João da Madeira, recentemente suspenso pelo tribunal de Aveiro na sequência da operação Face Oculta.

Essas decisões foram tomadas, apesar dos avisos do director distrital de Finanças de Aveiro e mesmo depois de quatro condenações judiciais, duas delas por crime de abuso de confiança fiscal.

Quando, em finais da década de 90, Mário Sousa Pinho era adjunto da repartição de Finanças de Ovar e se candidatou a chefe, responsáveis tributários de Aveiro avisaram Lisboa que aquele adjunto não reunia as condições exigidas. Dois quadros tributários ouvidos pelo PÚBLICO recordam-se desses avisos.

Mário Pinho, natural de Arrifana, já era funcionário das Finanças quando foi presidente do Clube Desportivo Arrifanense. Desempenhou essas funções - segundo informação recolhida pelo PÚBLICO - de Agosto de 1992 até à época de 2000/2001. Foi durante a sua gestão que ocorreram os factos que levaram o tribunal de Santa Maria da Feira a condená-lo, segundo o Jornal de Negócios, em Março de 2004 a 30 meses de prisão com pena suspensa e em Julho de 2006 a 24 meses de prisão com pena suspensa, ambas as penas por crime de abuso confiança fiscal. A primeira por retenção abusiva de 144 mil euros de IVA e IRS. E a segunda por retenção de 33 mil euros de IVA. As outras duas penas deveram-se a injúrias e desobediência.

As averiguações do Ministério Público iniciaram-se em 1999 e a sua situação era já sobejamente conhecida dos funcionários tributários. O clube acumulara dívidas desde 1996 e Mário Pinho deixou de entregar os impostos ao Estado.

Na altura, era director-geral dos Impostos António Nunes dos Reis, nomeado em 1995, com o primeiro Governo Guterres. Os funcionários tributários contactados pelo PÚBLICO acham que "Nunes dos Reis não ligou importância". Pelo menos, Mário Pinho foi promovido de adjunto nos serviços locais de Ovar para chefe em Alcácer do Sal.

Passados quase dez anos, o ex-director-geral disse ao PÚBLICO não se lembrar dos contornos do processo. Recorda-se que o director distrital de Finanças de Aveiro não o queria ao seu serviço e que o assunto "foi de certeza discutido" no conselho de administração fiscal (CAF), organismo que agrega o director-geral, os subdirectores-gerais, os directores de Finanças de Lisboa e Porto e o director do Centro de Estudos Fiscais e que tem de se pronunciar sobre "inconveniência de nomeação ou de renovação de comissão de serviço de pessoal de chefia tributária".

Mas, se foi discutida, a nomeação a 21 de Maio de 2001 não foi impedida. Mário Pinho tomou conhecimento da nota de inculpação do Ministério Público já em Alcácer do Sal.

A nota de Março de 2002 sublinhava que o presidente do clube sabia da sua obrigação de entregar ao Estado as quantias retidas e que o clube estava a beneficiar de recursos alheios. Apesar disso, manteve o seu comportamento que - referia-se - alimenta "um sentimento de revolta que afecta a tranquilidade e ordens públicas".

Nunes dos Reis resistiria pouco mais tempo. Em rota de colisão com a nova ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite, foi "afastado" em Maio seguinte. A ministra disse no Parlamento que foi a sua primeira medida de combate à fraude fiscal e que na mesma linha acabou com a Administração-Geral Tributária, um organismo de topo que visava coordenar o fisco.

Como novo director-geral foi nomeado Armindo Sousa Ribeiro. Nada aconteceu. Decorria o processo no tribunal da Feira, quando se deu, a 9 de Janeiro de 2003, a transferência entre chefias e que, no caso de Mário Pinho, pode ser encarado como uma segunda promoção. Nessa data, passou a chefiar os serviços de uma zona mais populosa - Santa Maria da Feira 4. Desconhece-se se o assunto foi discutido no CAF, dado que Armindo Sousa Ribeiro, agora aposentado do Tribunal de Contas, não respondeu ao PÚBLICO.

A 15 de Janeiro de 2004, Sousa Ribeiro foi igualmente afastado e substituído por Paulo Macedo, na altura quadro do banco Millennium BCP e actualmente seu administrador. No seu mandato, foram conhecidas - com um intervalo de três anos - as duas penas de prisão de Mário Pinho. A comunicação social refere a abertura de um processo disciplinar em 2007 cujo desfecho se desconhece e que as Finanças não comentam. Mas ainda assim Mário Pinho manteve-se à frente dos serviços tributários da Feira e, a 25 de Junho de 2007, foi colocado como chefe das Finanças de São João da Madeira.

O PÚBLICO pediu um comentário a Paulo Macedo sobre a razão por que se autorizou esta transferência. Paulo Macedo afirmou que ia pedir informação à DGCI. O tribunal de Aveiro suspendeu recentemente Mário Pinho das suas funções. O Ministério Público refere que Mário Pinho recebeu do empresário Manuel Godinho cheques num total de 26.250 euros, além de um outro de 7500 euros emitido à ordem da sua mulher. O MP crê que se trata de contrapartidas de actos no sentido de levar ao arquivamento de processos fiscais do empresário. publico.pt, 19.11.2009, 07h47


O ar está a ficar irrespirável

Foi José Sócrates quem, em nome da amizade (porque competência ou qualificação para o cargo ninguém a conhecia, nem ele), fez de Armando Vara administrador do banco do Estado, três dias depois de este ter adquirido uma espécie de licenciatura naquela espécie de Universidade entretanto extinta - e porque uma licenciatura era recomendável para o cargo. E foi José Sócrates quem, indisfarçadamente, promoveu a transferência de Santos Ferreira e Vara da Caixa para o BCP, numa curiosíssima operação de partidarização do maior banco privado português, sobre as ruínas fumegantes do escândalo em que tinha acabado o case study da sua gestão 'civil'.

Manda a verdade que se diga, porém, que estes dois golpes de audácia de José Sócrates em abono de um amigo e compagnon de route político foram devidamente medidos: aparentemente, Sócrates contava com o silêncio e aceitação cúmplice com que toda a classe empresarial e financeira recebeu a meteórica ascensão de Armando Vara aos céus da banca e o take-over do PS sobre o BCP, como se de coisa naturalíssima se tratasse. O escândalo não ultrapassou as fronteiras da opinião pública, de modo a perturbar o núcleo duro do regime.

E isso foi um primeiro sinal do nível de promiscuidade aceite entre o político e o económico a que estamos agora a assistir. E, em silêncio sempre, toda a classe empresarial clientelar foi assistindo a uma série de notícias perturbadoras sobre operações bancárias a favor de algumas empresas ou investidores que, por acaso certamente, pertencem ao tal núcleo duro do regime, que goza do favor político da actual maioria.
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O fascínio com o grande capital e os grandes negócios (inspirados, promovidos ou pagos pelo Estado) é a perdição do PS. Aos poucos, este PS tem vindo a copiar o modelo de gestão introduzido por Alberto João Jardim na Madeira: negócios privados com oportunidades e dinheiros públicos, em troca da solidariedade política para com o Governo. Um capitalismo batoteiro, com chancela 'social' e disfarce de 'interesse público'.

Neste clima de facilitismo instalado, já ninguém se espanta com as sucessivas e tremendas notícias sobre o estado de gestão do 'interesse público'. Já não espanta descobrir que nenhuma das contrapartidas da ruinosa e inútil aquisição dos submarinos tenha sido executada e que a sua execução nem sequer esteja devidamente salvaguardada no contrato assinado pelo Estado português.

Não espanta que a Grão-Pará (uma empresa que não existiria sem os sucessivos favores do Estado, incluindo do ex-ministro e ex-socialista Pina Moura), possa, finalmente e com o beneplácito do Supremo Tribunal Administrativo, construir, e em grande, na zona de construção proibida do Parque Natural Sintra-Cascais.

Não espanta que, antes mesmo de lançadas ou terminadas as obras, as últimas seis concessões de auto-estradas já tenham ultrapassado em 40% o valor das estimativas do Governo - num impressionante 'deslize' de 1110 milhões de euros.

Não espanta que o Tribunal de Contas chumbe duas das adjudicações porque as condições em que elas foram outorgadas não são as mesmas do concurso público, mas substancialmente mais gravosas para o Estado.

E não espanta que o presidente das Estradas de Portugal venha afirmar que se trata apenas de "interpretações jurídicas" diversas e que a suspensão das empreitadas irá pôr em causa postos de trabalho (um 'argumento' mágico que vale para justificar todas as tropelias cometidas nos últimos anos, em matéria de urbanismo e obras públicas).

E não espantará ninguém que, como aqui escrevi a semana passada, em breve se descubra que, antes mesmo de iniciadas as obras, já o TGV e o aeroporto de Alcochete 'derraparam' 20 ou 30% sobre o seu custo anunciado.

E, se se conseguir penetrar a meticulosa teia de 'pareceres' técnicos, estudos, cláusulas ocultas dos contratos, arbitragens sempre desfavoráveis ao Estado, se formos tentar descobrir como, porquê e a favor de quem é que não há uma obra pública que cumpra o orçamento, encontraremos sempre mais do mesmo - os mesmos processos, os mesmos truques, as mesmas empresas, os mesmos 'facilitadores' de negócios no papel de go between entre o 'interesse público' e os negócios privados.

Isto, num país onde o défice das contas do Estado chegou aos 8% e a dívida pública aos 80% do PIB e o extermínio fiscal sobre os que pagam impostos se tornou insustentável. O ar está a ficar irrespirável. M. S. Tavares, expresso.pt, 16 de Nov de 2009


Quanto é que o Estado gasta em publicidade?

Francisco Louçã enviou a Pedro Silva Pereira uma pergunta concreta: pode o Governo fornecer a listagem das despesas em publicidade feitas por ministérios, institutos e empresas públicas ao longo de 2008 e durante o primeiro semestre deste ano?
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Francisco Louçã explicou ao PÚBLICO que esta iniciativa acontece no seguimento da “percepção política” de um ambiente de “tensão” entre o Governo e alguns órgãos de comunicação social. “É evidente a imensa publicidade do Estado num determinado jornal e nenhuma em outro”, afirmou, escusando-se a explicitar qualquer órgão da imprensa escrita. “Por que razão existe essa diferenciação?”, questiona o dirigente do Bloco.

Louçã recusou também associar a pergunta dirigida a Pedro Silva Pereira com as recentes revelações do alegado teor das escutas telefónicas entre o primeiro-ministro e Armando Vara, no âmbito do processo Face Oculta. Segundo o semanário “Sol”, José Sócrates e Vara terão abordado a dívida de Joaquim Oliveira, proprietário da Controlinveste (grupo detentor de vários títulos de media), ao BCP e referido a necessidade de “ajudar” o empresário.

O dirigente do BE nota que não pode “dar” estas notícias como “certas”, apontando antes para aquilo que vê todos os dias nos jornais. “Os grupos bancários, por exemplo, têm tido uma política muito diferenciada em relação aos jornais”, diz. E sublinha que “é uma exigência” conhecer os critérios que imperam sobre as despesas em publicidade estatal nos media. “Isto tem de ter um escrutínio público”, afirma, acrescentando que o país “não pode viver em regime de controlo da comunicação social pelo Estado”.

De acordo com a lei, Silva Pereira tem um prazo de 30 dias para responder a Louçã. O bloquista acredita que, perante “os números”, poder-se-á aferir da “estratégia financeira do Estado na comunicação social”. publico.pt, 18.11.2009, 19:28