2009/11/11

Safa-se uma vez mais

O procurador-geral da República, Fernando Pinto Monteiro, deverá arquivar as duas primeiras certidões remetidas pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Aveiro no âmbito do processo Face Oculta, relativas a dezenas de conversas telefónicas entre Armando Vara, arguido no inquérito, e o primeiro-ministro José Sócrates, escutado acidentalmente pelos investigadores.

A decisão torna-se quase inevitável após o despacho do presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Noronha Nascimento, que há mais de dois meses declarou nulas as escutas que envolveram o também secretário-geral do PS.

O provável arquivamento destas duas certidões, uma recebida na Procuradoria-Geral da República (PGR) a 26 de Junho e outra a 3 de Julho, não encerra o envolvimento do primeiro-ministro neste caso, já que há mais certidões na PGR relacionadas com conversas entre Armando Vara, que estava sob escuta há vários meses, e José Sócrates. Neste momento, Pinto Monteiro aguarda informações complementares pedidas ao DIAP de Aveiro, onde está pendente o processo Face Oculta. Referem-se a três certidões que chegaram à PGR entre Julho e Setembro, tendo só no início do mês o procurador-geral solicitado mais dados.

"Não percebo porque é que as certidões ainda não chegaram de Aveiro", afirmou ontem à tarde Noronha Nascimento, que se recusou a confirmar ou desmentir que havia declarado nulas as escutas citadas nas duas certidões. "Estou sujeito ao segredo de justiça", argumentou o juiz conselheiro. A justificação poderá, contudo, deixar de ter sentido quando Pinto Monteiro arquivar as duas certidões.

No jogo do empurra

Numa nota enviada ao PÚBLICO, a PGR limitou-se a adiantar: "O procurador-geral da República prestará declarações depois de analisar os elementos que solicitou à Procuradoria-Geral Distrital de Coimbra e que ainda não recebeu." E acrescenta: "Só então serão divulgados os despachos proferidos, bem como os que ainda venham a ser proferidos", diz Pinto Monteiro, prometendo divulgar também as decisões de Noronha Nascimento.

Assim terminará o jogo do empurra em que ambos os conselheiros, adversários sindicais de longa data, têm estado envolvidos. Anteontem o gabinete de imprensa da PGR garantia que, "neste momento, só o sr. presidente do STJ poderá revelar o teor dos despacho que proferiu". Ao passo que ontem era Noronha Nascimento que lembrava que competia a Pinto Monteiro prestar eventuais informações sobre as escutas telefónicas envolvendo Armando Vara e José Sócrates, por o Ministério Público ser o titular da acção penal. E recusava-se a prestar esclarecimentos, invocando o segredo de justiça.

Por isso, a fundamentação do despacho do presidente do Supremo não é ainda conhecida. Contudo, tudo parece apontar para que as escutas fortuitas ao primeiro-ministro não foram validades por ausência de autorização prévia por parte do presidente do STJ. Segundo o Código Processo Penal, compete ao presidente do Supremo "autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham" o primeiro-ministro e determinar a respectiva destruição".

Escutas com pré-aviso?

Neste caso, recorde-se, o alvo das escutas era o vice-presidente do BCP, Armando Vara, amigo de longa data de José Sócrates e com o qual manteve várias conversas telefónicas enquanto decorriam as investigações. As intercepções telefónicas estavam autorizadas pelo juiz de instrução do processo Face Oculta, que as foi controlando. Uma interpretação literal da lei obrigaria o procurador titular do inquérito a prever que José Sócrates ia conversar com Vara e, por isso, pedir antecipadamente autorização ao presidente do STJ. Isto na eventualidade de o primeiro-ministro e o gestor poderem deixar transparecer que estariam a praticar um eventual ilícito criminal durante o telefonema. Ao contrário, o que se sabe é que o titular dos autos, o procurador da República João Marques Vidal, mandou extrair cópias do processo relacionadas com as conversas entre Vara e Sócrates, para eventual investigação de crime punível com pena superior a três anos e incluído no rol de ilícitos que admitem o recurso a escutas telefónicas.

Abstendo-se de comentar "casos concretos", tanto mais que o processo se encontra ainda pendente, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, João Palma, limita-se a lembrar que compete à PGR a decisão de recurso. "Caberá à Procuradoria avaliar se a decisão do Supremo é susceptível de recurso e, em caso afirmativo, interpô-lo. É o único comentário que posso fazer", declarou o magistrado. Também António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, se escusou a pronunciar-se sobre este assunto. "Enquanto juiz não posso fazer comentários sobre casos concretos", reagiu, argumentando que qualquer opinião sobre a decisão tomada pelo presidente do STJ, Noronha Nascimento, representaria uma violação do "dever do direito de reserva" que o cargo que desempenha obriga.

Partidos evitam comentar

No Parlamento, os partidos evitam comentar o caso. Manifestando "confiança" na justiça, "que fará o seu caminho", Ricardo Rodrigues, vice-presidente da bancada parlamentar do PS, alegou desconhecer o processo para poder comentar a decisão de Noronha Nascimento. Mas sublinha: "O senhor presidente do STJ merece-me toda a confiança." A deputada Helena Pinto, do BE, pede "um esclarecimento cabal de toda a situação". E espera que a Procuradoria-Geral da República o faça "o mais rapidamente possível", cumprindo-se "todas as normas legais", designadamente o respeito pelo segredo de justiça. O líder parlamentar do PSD, José Pedro Aguiar-Branco, rejeitou "comentar cenários", aludindo ao facto de o presidente do STJ não ter confirmado oficialmente a decisão de nulidade das escutas envolvendo Sócrates e Vara. Também o PCP preferiu não tecer qualquer comentário. O PÚBLICO tentou ainda ouvir o CDS e Os Verdes, mas até à hora do fecho desta edição não obteve qualquer resposta. publico.pt, 11.11.2009 - 08h42

Nota: o primeiro-ministro safa-se, uma vez mais, mas o regime fica ainda mais fraco e desacreditado.